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Como Giulia se tornou vítima, desde os 14 anos, de um padre abusador sexual

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Gelsomino Del Guercio - Aleteia Brasil - publicado em 02/04/16

E como, depois de sete anos de assédio sofrido em silêncio, ela se libertou a ponto de se consagrar a Deus

A partir dos 14 anos de idade, ela sofreu os assédios e abusos sexuais de um padre durante quase uma década, até reencontrar em Deus a força para romper a espiral de violência e degradação e, do fundo do poço, dar a volta por cima – e para cima. A menina que sempre tinha amado o Senhor escolheu consagrar-se completamente a Ele, voltando a amar também a si mesma com a pureza libertadora que brota do amor a Deus.

Os almoços com o lobo, ainda vestido de cordeiro

Hoje com cinquenta anos, Giulia conta a sua história em primeira pessoa no livro “Giulia e il lupo” (“Giulia e o lobo”), lançado na Itália e ainda sem tradução ao português. Aos quatorze, ela conheceu no oratório da paróquia o carismático sacerdote a quem, muitas vezes, a mãe convidava para o almoço de domingo. Ele era afável, tinha sempre uma palavra para todos, conversava com os adultos, mas sabia envolver na conversa também as crianças, recorda-se a autora.

Um guia espiritual

O sacerdote se tornou orientador espiritual da jovem adolescente, que, confiando nele, contava ao padre toda a sua vida e seguia os seus conselhos. Também participava ativamente da vida na paróquia. E foi depois de um acampamento paroquial de verão, durante o qual tinha sentido um mal-estar, que Giulia viveu o primeiro triste episódio: ao visitá-la na clínica, o padre lhe apalpou os seios e a elogiou por suas formas.

O lobo se revela

Os abusos desde então se tornaram contínuos e crescentes. As mais absurdas desculpas serviam para tocar no corpo da adolescente, como uma febre leve que se transformou na oportunidade para o padre a despir e medir-lhe a temperatura.

“O lobo me devorava com os olhos e não deixava de me acariciar e beijar. Sem muito esforço, ele conseguiu o que queria – e eu, impotente, confusa, era incapaz de colocar limites às suas garras. Eu me envergonhava profundamente – mas, ao mesmo tempo, experimentava uma tremenda sensação de prazer”.

Jogos eróticos

Os encontros aconteciam, às vezes, depois que Giulia voltava da escola; outras vezes, depois da aula que ela própria dava às crianças menores; outras ainda nos acampamentos de férias, quando todos já dormiam e, na sala do sacerdote, se desencadeavam os encontros proibidos. Os jogos eróticos serviam como roteiro para o “striptease” da adolescente.

Esta relação perversa se prolongou durante anos. Ele chegava a pedir relações sexuais completas, mas ela sempre se negava. O padre repetia: “Não quero que você implore amor e sexo de algum outro, talvez de algum rapaz da sua idade que vai só se divertir e depois deixar você sozinha”. Ele mesmo prometia amor e sexo – e não só isso: um dia, ele comprou para ela um anel, presente que mais do que nunca a constrangeu.

Ares de mudança

Aos 18 anos, começa a gradual mudança na vida de Giulia. Os encontros com o padre sacrílego prosseguem; menos intensos, porém, que nos anos anteriores. O mais importante: Giulia começa a entender que, por trás daquela relação estranha e ambígua, não havia perspectivas.

“Quando eu saía da toca do lobo para ir à universidade, eu me sentia um zumbi. A cabeça estava confusíssima, sem saber se eu era feliz ou se chorava desesperada. Os meses passavam e a relação se tornava uma rotina. Um cansaço. Às vezes, ele me perguntou o que eu tinha. Eu mentia e respondia que era só um pouco de dor de cabeça.

Sepulcros caiados

Uma passagem do Evangelho, relata Giulia, “me golpeava e me vinha muitas vezes à mente. Jesus, falando aos escribas e fariseus, usava palavras duras: Ele os chamava de ‘sepulcros caiados’. Eu sentia sobre mim o peso dessas palavras. E, mais do que a mim, as imputava ao lobo, que eu considerava hipócrita: bonito por fora e podre por dentro. Eu também – mas como consequência. Eu estava suja, sim, mas por causa dele”.

Nos momentos mais difíceis, relembra ela, “eu sempre me agarrava ao Senhor e pedia ajuda. E Ele ajudava. Às vezes, quando estava na cama com o lobo, eu rezava e dizia para mim mesma: ‘Posso ter dito sim a ele, mas nunca vou ser realmente dele; só de Deus’. De corpo eu estava lá, mas de alma e mente me lançava a Deus. E quando me sentia emocionalmente distante, eu repetia para mim mesma: ‘Tudo isso vai logo terminar’. Felizmente, o Senhor, que não desistia de mim, me impediu sempre de ceder”.

No terceiro ano da faculdade, os encontros foram ficando cada vez mais esporádicos. Continuavam os pedidos de relações sexuais. Continuava também o “não”. Um dia, de repente, veio a notícia de que o lobo seria transferido para outra paróquia de Milão. Depois de sete longos anos, aquele vínculo forçoso e forçado finalmente seria rompido.

O convento

Giulia quis recomeçar a vida com… Deus. Com Aquele por quem nunca tinha se sentido abandonada, nem sequer quando estava perdida no túnel sem luz com o lobo.

“A minha vida começou a caminhar. Sou agora uma mulher madura, consagrada a Deus, com serviço apostólico e com trabalho profissional. Já lá pelos 20 anos eu me perguntava sobre a minha vocação e pedia ao Senhor que me fizesse entender o que Ele queria de mim, como e onde eu devia empenhar a minha vida. Um dia, anos depois, encontrei a coragem de ir sozinha, durante uma semana, fazer retiro e rezar num convento de clausura”.

O discernimento

Foram aqueles dias de oração que marcaram o ponto de virada. Giulia começou o seu processo de discernimento e formação, foi se aprofundando na espiritualidade e, algum tempo depois, entrou no noviciado. Foi quando achou as forças para confiar a uma freira, pela primeira vez, a sua história de abusos. Aos poucos, foi retomando a vida nas próprias mãos. O cotidiano na congregação e a presença de Jesus ao seu lado floresciam como um novo caminho.

Jesus e Francisco

Depois do abuso sofrido, “nada é como antes”. Mas Giulia encontrou dois guias espirituais com quem pretende trilhar a sua nova estrada: Jesus e o papa Francisco.

“Encontro no papa um estilo sóbrio, simples e profundo ao mesmo tempo, a capacidade de criar uma ponte entre a Palavra Eterna e a vida de todos os dias; suas palavras são compreensíveis para todos, crentes e laicos”.

A reconciliação com o próprio corpo

“Durante mais de trinta anos, o meu corpo – nem belo nem feio – tinha ficado como sepultado em vida: eu o considerava um acessório, não uma parte da minha identidade. Mas comecei a me reapropriar dele, a redescobrir em mim a feminilidade, a limpa dimensão da sexualidade”.

Aquela menina, que sempre tinha amado o Senhor e que escolheu consagrar-se completamente a Ele, voltou finalmente a amar também a si mesma, com a pureza libertadora que brota do amor a Deus.

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