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Como perpetuar a pobreza tentando combatê-la

On Poverty Zoriah Miller – pt

Zoriah Miller

James V. Schall, S.J. - publicado em 29/04/16

Ideias errôneas sobre as ajudas aos pobres são uma das principais causas da manutenção da pobreza

Em Jerusalém, o apóstolo São Paulo foi admoestado a ser “consciente dos pobres“. E ele era. Além disso, o próprio São Paulo achava que tinha que trabalhar para não ser um fardo nas costas dos outros.

Muitas vezes, nós somos aconselhados a “nos identificar” com os pobres. Será que um pobre é ajudado ou é insultado quando alguém diz que quer “identificar-se” com ele? Um homem bem-sucedido que se “identifica” com o pobre pode parecer condescendente com o pobre, que, por sua vez, suspeitará que o tal homem só está fingindo interessar-se por ele. O fato é que os pobres não querem ser pobres. Eles não são ajudados por aqueles que, mesmo com a melhor das intenções, apenas “se identificam” ou fingem identificar-se.

A metade das turbulências do mundo se deve às controvérsias em torno de duas questões: “por que os pobres são pobres?” e “como podemos não ser pobres?”. As principais causas da pobreza surgem de ideias impraticáveis ou errôneas sobre como ajudar os pobres. “Querer” ajudar os pobres não é, necessariamente, ajudá-los de verdade. Tudo depende da viabilidade daquilo que se propõe, sugere ou oferece.

A pobreza não é meramente uma questão de necessidade, mas também de ideias. De fato, a pobreza-necessidade é causada, no geral, pela pobreza da falta de ideias. Ideias bem-intencionadas, porém, nem sempre funcionam na prática para diminuir a pobreza. Intenção e boa vontade não são suficientes. Toda a “identificação” do mundo com os pobres é pouca para ajudá-los realmente, a não ser que os “identificados” saibam, e os pobres também saibam, o que pode levá-los a deixar de ser pobres.

Se o pobre souber o que deve fazer e for disciplinado o suficiente para fazê-lo, ele conseguirá sair da pobreza. A grande redução da pobreza ocorrida no mundo nas últimas décadas se deve ao conhecimento e à disciplina necessária para pôr o conhecimento em prática. Embora precisemos da ordem pública e da lei, a pior maneira de ajudar os pobres é jogar essa tarefa nas costas de um governo e da sua burocracia. Essa tentativa de solução costuma resultar no controle político dos pobres. Os pobres continuarão pobres e, como se não bastasse, dependerão da esmola de um governo que precisa da existência dos pobres. Isso é pouco menos pior que uma escravidão moderna.

Também ouvimos dizer que os pobres “sempre” estarão entre nós. Haverá sempre gente que, em relação aos outros, se ache privada do que esses outros possuem e considere que as posses dos outros lhe são “devidas”. Essas pessoas se considerarão relativamente pobres mesmo possuindo muitas coisas. Os economistas modernos, porém, não acham verdadeiro que a pobreza não possa ser eliminada. O número de pobres no mundo, como porcentagem da população, tem declinado nas últimas décadas. A China, a Índia e boa parte do planeta aprenderam a ir deixando de ser pobres. O rosto da pobreza está mudando. Os “pobres” de muitos países estão até bem quando comparados com os pobres dos países menos desenvolvidos. Boa parte do que chamamos de pobreza, portanto, é relativa.

A questão da pobreza, nesta mesma perspectiva, não pode ser totalmente dissociada da questão da inveja. A inveja faz com que nos sintamos pobres quando alguém ao nosso lado é mais bem-sucedido. Nem todo mundo quer ser ou precisa ser rico. A suficiência e o conforto são muitas vezes preferíveis à grande riqueza. Uma pessoa pode ser muito rica sem ser injusta: pode-se, assim, ser mais generoso para com os outros. Riqueza gera riqueza. A poupança, quando bem investida, pode levar à riqueza. A geração de riqueza nova é sempre preferível às teorias de redistribuição da riqueza existente. O efeito habitual de se confiscarem e se redistribuírem os bens do rico é deixar todos mais pobres. Os impostos imprudentes e outros desestímulos que penalizam os produtores de novas ideias e de novos bens minam precisamente os motivos para se produzirem novas ideias e novos produtos.

São Paulo declarou ainda: “Aquele que não trabalha que também não coma”. Esta advertência contundente pode parecer cruel hoje. Nós alimentamos, rotineiramente, as pessoas que não trabalham. O que quer que elas façam, elas têm o “direito” de ser cuidadas. No entanto, os aproveitadores que sabem usar o sistema sem fazer nada são uma praga na economia. No moderno estado de bem-estar, não são poucos os que descobriram que, por generosidade do governo, eles podem viver melhor sem trabalhar do que trabalhando. O desemprego se torna, assim, uma “opção” para quem recebe mais sem fazer nada do que tendo que trabalhar.

Somos informados de que os desempregados desejam trabalhar. Para isso, eles precisam de empregos. Mas o que é que faz com que os empregos existam?

Existem muitos empregos que muita gente não quer. Em boa parte do mundo, a solução encontrada para preencher essas vagas é a imigração: pessoas vindas de países mais pobres ficam felizes ao arrumar empregos que ninguém naquele país queria ter. Alguns falam de “direito” a um trabalho digno do seu status. Isso lembra o sistema de castas indiano, em que certos trabalhos são reservados para castas específicas. E pode haver trabalhos que produzem coisas que ninguém quer ou precisa? Os governos socialistas são frequentemente responsáveis por manter a produção de mercadorias que ninguém deseja, a fim de empregar pessoas às custas do dinheiro público. Será que existem coisas que vale a pena produzir, goste-se delas ou não? É frequente que as armas se encaixem nesta categoria (e não podemos ser utópicos a ponto de não nos preocuparmos com possíveis inimigos e crimes entre os nossos próprios cidadãos).

Aristóteles observou que a escravidão era o resultado da necessidade de certos trabalhos serem feitos quando ninguém estava disposto a fazê-los. A escravidão surgiu para garantir que alguém fizesse os trabalhos indesejados. Aristóteles acrescentou que, se pudéssemos inventar certas máquinas para fazer esses trabalhos, a escravidão não seria necessária. É, em grande parte, o que aconteceu. Pode-se afirmar que a abolição da escravatura se deveu mais à invenção de formas mais eficientes de fazer o que os escravos faziam do que a movimentos políticos em prol da sua abolição. Nós vivemos hoje num mundo em que máquinas das mais sofisticadas fazem trabalhos que antes cabiam a pessoas comuns que procuravam emprego. A invenção e a operação dessas máquinas criam outros empregos, geralmente mais sofisticados. Mas pode ser, em vários casos, que simplesmente não precisemos mais de boa parte dos postos tradicionais de trabalho.

A questão da pobreza é muitas vezes influenciada pela emoção. Se nós sabemos como resolver a questão da pobreza, por que ela não é resolvida? A resposta é, no fundo, que a economia não explica tudo o que o homem é. A economia aborda a riqueza, a produção e a distribuição. Além disso, a pobreza serve como justificativa para os poderes sociais e políticos que se apresentam como capazes de resolver justamente o problema da pobreza. Os pobres, neste sentido, são necessários para justificar as ações realizadas em nome deles próprios.

Gertrude Himmelfarb escreveu um comovente livro sobre a pobreza no século XIX. Era feita uma distinção, na época, entre os “pobres merecedores” e os “pobres indignos”. A admoestação de Cristo, “os pobres estarão sempre no meio de nós”, tocava o mesmo problema: algumas pessoas, por causa de sociedades fracassadas, de doenças, de problemas morais ou de falta de vontade ou inteligência precisarão sempre de ajuda. O cristianismo não pede nada a eles além do que eles podem realizar. Basicamente, eles precisam da ajuda que por vezes chamamos de “caridade”, ou seja, daquela ajuda que não pede nada em troca, exceto, talvez, um pouco de gratidão. Mas a maior parte da humanidade não precisa ser pobre. A ajuda necessária é aquela que leva os pobres a conseguirem cuidar de si mesmos.

O foco, neste caso, deve se voltar não tanto a “cuidar” dos pobres, mas a ajudar os pobres a cuidarem de si próprios. Acontece, novamente, que nem todas as supostas ajudas aos pobres funcionam: sempre há questões de moralidade, política e economia envolvidas. “Identificar-se” com os pobres não é suficiente e pode ser até prejudicial se a maneira de tentar ajudá-los for ineficaz ou mesmo ruim. Não ajudaremos nem os pobres nem ninguém se não os amarmos. Mas só porque amamos alguém, não quer dizer que a nossa forma de mostrar esse amor seja um caminho viável para ajudá-lo.

Muita gente que quer ajudar os pobres pensa em ajudas imediatas. Isso é bom. Mas o mais importante é o longo prazo, a real redução e a eliminação da pobreza. Esta abordagem não só atinge mais pessoas como também leva em consideração aquilo que de fato funciona. Assim como São Paulo, todos nós temos que ser “conscientes” dos pobres. Mas, assim como Aristóteles, todos nós também deveríamos primeiro saber o que os ajuda de fato e o que não ajuda. Sem isto, a nossa preocupação com os pobres pode prejudicá-los tanto quanto (ou até mais) do que ajudá-los.

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