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Como a morte de meu irmão me ensinou a deixar a raiva ir

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Helen Rushbrook

Aleteia Brasil - publicado em 10/07/16

A última vez que vi Jim, duas semanas antes de sua morte, ele estava bêbado

Por MaryAnn Davison*

Não foi uma grande surpresa quando ouvi que meu irmão tinha morrido com apenas 38 anos. Ele era um alcoólatra e provavelmente tinha sido por 20 anos. Muita coisa aconteceu com nossa família, a doença de Jim sempre estava presente em nossas mentes. Havia conflitos, havia divergências sobre a melhor forma de ajudá-lo, houve inúmeras internações hospitalares, mas não havia a preocupação de que, quando meu telefone tocou, seria a entrega da pior notícia possível. Meu irmão era um homem surpreendente: ele foi gentil, engraçado e muito inteligente. Sua vida e morte desafiou-me a examinar a minha própria vida, e minha fé.

Comecei o luto pela perda de meu irmão há muito tempo. Mesmo que ele tenha morrido há poucos meses, eu o perdi durante anos. Muito do que ele disse e fez nos últimos anos de sua vida não era ele; suas ações não foram as do irmão que eu me lembro com amor da minha infância. Conciliar a sua perda com todas as minhas memórias dele é uma coisa muito difícil de fazer. Ele era meu irmão mais velho, e sempre me pareceu que não havia nada que ele não pudesse fazer.

Agora que ele se foi, eu me pergunto como será agora: como ser mais gentil, engraçada e inteligente como ele era, para tentar preencher a lacuna que ele deixou em nossos pais; como ser melhor mãe para criar meus filhos, de tal forma a tornar o seu tio orgulhoso; como viver através da minha dor e encontrar a alegria e celebração no que ele nos deu quando ele ainda estava vivo. Gostaria também de saber como ser melhor filha, sendo que moro há quatro horas de distância de meus pais, e ele me deixou sozinha para gerenciar sua dor, assim como a minha própria. Estou surpresa com o número de pessoas que me perguntam como meus pais estão – e não perguntam como eu estou. Ser uma filha de apoio é claramente importante, mas eu ainda não trabalhei a minha angústia como uma irmã.

Todos esses pensamentos me levam a perguntas sobre o plano de Deus para mim, para minha família, e qual era Seu plano para Jim. Nos dias após sua morte, o pároco dos meus pais falou palavras que me tocaram profundamente: ele nos disse que provavelmente amávamos Jim agora, em sua morte, mais do que nunca tínhamos amado enquanto ele estava vivo. Eu acho que isso é verdade. Grande parte da dor e mágoa que ocorreu durante a vida de Jim derreteu naqueles primeiros dias após sua morte, como todos nós tentamos desesperadamente recordar as histórias de sua juventude – de quando ele era engraçado e excêntrico e, bem, apenas Jim.

O padre também sugeriu que o plano de Deus para Jim pode muito bem ter sido: em sua vida, em seus problemas e sua doença, Jim forçou sua família e amigos a amá-lo de uma forma profunda, firme e determinada. Nós tivemos que cavar fundo, nas profundezas do nosso coração, para amar Jim e perdoá-lo por suas ações e palavras. Não é isso que Deus faz por nós, sem esforço, a cada dia de nossas vidas? Sem dúvida, Deus perdoa tudo o que colocamos na frente Dele por causa da profundidade do Seu amor por nós.

A última vez que vi Jim, duas semanas antes de sua morte, ele estava bêbado. Ele tinha viajado quatro horas até a minha casa com meus pais para conhecer sua nova sobrinha, Madeleine, que nasceu em janeiro. Jim estava muito animado sobre esta viagem. Pouco tempo depois que eles chegaram, no entanto, eu percebi que ele tinha bebido. Eu estava tão zangada com ele – por que ele não ficou sóbrio por esse curto espaço de tempo, por apenas um dia, enquanto conhecia Madeleine pela primeira vez e teve um tempo com outras duas sobrinhas? No final, ele passou apenas cerca de 30 minutos com elas antes de meus pais o levarem de volta ao hotel. Essa foi a última vez que as minhas filhas viram seu tio.

A última conversa telefônica que tive com ele, poucos dias depois de sua visita, foi muito diferente. Ele se desculpou, e eu acredito que ele queria dizer o que disse. Ele sabia o quão decepcionada as crianças ficaram de não o terem visto corretamente, e ele sabia que tinha me decepcionado também. Ele prometeu que estava procurando opções de tratamento e estava planejando ir ao seu médico novamente para obter ajuda em combater o seu vício. Seu corpo tinha outras ideias, no entanto – ele simplesmente não conseguia lidar com o abuso que já havia sofrido ao longo dos muitos anos anteriores. Como alguém pode ficar com raiva de alguém que, claramente, era tão desesperadamente doente? Era alguém que não tentava estragar a sua vida; ele simplesmente não podia ajudar a si mesmo.

O plano de Deus para mim, então, é certamente para continuar neste caminho de amor e de alguma forma, deixar a raiva do passado ir. Através do trauma e sofrimento dos últimos anos o meu coração ficou bem treinado, e eu preciso continuar a arar as profundezas do meu coração e alma para chegar aos outros. Talvez eu precise examinar como posso ajudar aqueles que mais precisam desesperadamente de amor, mas que não o recebem tão frequentemente quanto eles precisam – viciados, certamente, ou moradores de rua –, os que vivem à margem da sociedade.

Jesus chorou com Marta e Maria pela morte de Lázaro, e quando ele fez isso ele demonstrou compaixão, humanidade e solidariedade para com as irmãs de luto. Embora Ele soubesse que ia ressuscitar Lázaro para uma nova vida, Ele entendeu claramente o imediatismo de tristeza das irmãs. O sofrimento é inevitável, e embora tenhamos fé que os nossos irmãos e irmãs falecidos serão ressuscitados para a nova vida no céu, passamos por um processo aqui na terra.

Sinto falta do meu irmão; eu sempre sentirei. Dou graças que ele já não sofre de dor e tristeza, e rezo para que ele agora esteja apreciando a paz que ele não poderia encontrar enquanto estava vivo.

*MaryAnn Davison é escritora, arquivista, esposa e mãe. Com qualquer tempo livre ela gosta de ler, comer boa comida e dormir. Saiba mais em www.maryanndavison.com e www.facebook.com/writermaryann.

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