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Costa do Marfim cria abrigo para as chamadas ‘crianças malditas’

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Agências de Notícias - publicado em 21/12/16

"Vi muitos casos. Isso me incentivou a tomar uma atitude para salvar essas crianças da morte", conta o padre Kalari

Gérard, um menino de 8 anos com cabelo raspado, come tranquilamente em um refeitório de uma casa coletiva na Costa do Marfim. Estar vivo, no caso dele, é um milagre: em sua etnia, quando as mães morrem no parto, os bebês são afogados.

Este é o destino reservado aos bebês da etnia taghana, ao norte do país, que se encontram nessa situação.

O centro foi criado pelo abade Germain Coulibaly Kalari, de 54 anos, e é mantido financeiramente através de doações. Nele vivem 17 crianças entre 3 e 14 anos, duas delas soropositivas. A iniciativa é a única no país africano.

“As crianças cujas mães morrem dando à luz ou que nascem com alguma deficiência (normalmente) são eliminadas. Como são consideradas responsáveis, as eliminam fisicamente”, explica esse sacerdote, que há aproximadamente oito anos luta pela sobrevivência destes pequenos.

Acreditam que são “uma maldição” para a família e para toda a comunidade, e assim surge a necessidade de se livrar deles, ressalta.

Esse tipo de crença existe em outros países africanos, como por exemplo em algumas regiões de Madagáscar quando nascem gêmeos. É um sinal de “má sorte”, pensam. Antes os matavam, hoje em dia apenas os abandonam.

‘Afogamento no banheiro’

“Vi muitos casos. Isso me incentivou a tomar uma atitude para salvar essas crianças da morte”, conta o padre Kalari, sentado na varanda que serve por vezes de refeitório ou local de estudo para as crianças.

Gérard, com um olhar alegre, foi o primeiro a ser salvo pelo padre Kalari. Salvou-se por pouco. Deve a vida às parteiras que o entregaram ao padre.

Quanto aos deficientes, “ao perceberem que as crianças têm uma deficiência incurável, as afogam no banheiro”, conta o sacerdote.

“Só de pensar, o sangue gela”, complementa, em voz baixa.

Há casos em que as crianças vivem alguns anos sem que ninguém perceba a deficiência, e logo o fato de não poderem falar ou caminhar significa morte certa. Nestes casos, às vezes usam produtos tóxicos.

– ‘Encaminhar’ como eufemismo para matar –

Em todos os casos nunca se utiliza a palavra matar. A fórmula empregada é “encaminhar as crianças aos seus verdadeiros pais, os gênios, ou seja, seres sobrenaturais”, afirma Céline, aproximadamente 40 anos, vendedora no mercado de Katiola.

Antes de realizar o ato, os que executam essa missão (frequentemente pessoas idosas ou curandeiros) fazem os familiares acreditarem que um espírito maligno interveio durante a concepção da criança, motivo pelo qual não seria humana e devem ser “vigiadas”.

As autoridades proíbem todas essas práticas e aplicam sanções a elas, mas na realidade acompanham os casos discretamente com a cumplicidade de parentes e sem processá-las.

“Não encontrará nenhum deficiente em nossa região”, certifica o abade Kalari, que aproveita os sermões durante a missa para pedir o fim desses costumes.

Para o sociólogo Vincent Morifé, essa rejeição pode ocorrer devido ao “estigma” que essas crianças provocam em uma sociedade que “não tem um conhecimento real” do que é a invalidez.

“Será difícil para as nossas famílias renunciar a essa prática”, argumenta Abiba Koné, responsável pelo centro há cinco anos. “Se você possui um filho deficiente, você precisa dar toda a atenção a eles, quando na verdade os pais passam muito tempo trabalhando no campo”, adverte. “Como isso parece para eles uma perda de tempo, preferem eliminar a criança”.

– Rejeitados em qualquer idade –

Com a ajuda de uma cozinheira, uma lavadeira e uma babá, essa mulher se ocupa diariamente de um centro que sobrevive com doações de “pessoas bondosas, de ONGs e da vizinhança”.

Além da zona privativa que pertence ao padre Kalari, a casa conta com um quarto para as meninas, berços para os bebês, e outro espaço para os meninos.

Em cada dormitório existem três camas grandes com beliches e um armário para a roupa.

A sala de estar abriga centenas de livros doados e uma televisão pequena para as crianças.

A rotina diária começa com uma oração; depois tomam café-da-manhã e vão ao colégio. Os menores permanecem brincando.

O que mais preocupa ao sacerdote é o fato de que quando os menores completam 15 anos, devem deixar o centro. Assim lhe recomendou uma ministra.

“Os que voltam para as suas famílias sofrem de rejeição, passam fome… Porém, não podemos mantê-los aqui quando completam 15 anos”, lamenta.

(AFP)

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