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O catolicismo de ‘Jackie’

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Caspar Phillipson as John Fitzgerald Kennedy and Natalie Portman as Jackie. Jackie, 2016. Fox Searchlight Pictures | MoviestillsDB.com

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Paul Asay - publicado em 05/02/17

A fé cristã, quando aparece nos filmes, pode te atingir ou ficar perdida. Em ‘Jackie’, porém, vemos algo mais – uma manifestação complexa e sincera de fé

A religião está em toda parte nos aspirantes ao Oscar deste ano. As pessoas rezam ao redor da mesa de jantar em Hidden Figures (Estrelas Além do Tempo). Um personagem pensa que visitou o céu em Fences (Fences). Nós ouvimos as chamadas para a oração islâmica e vemos santuários hindus em Lion (Lion – Uma Jornada para Casa).

E depois há Jackie (Jackie) – um filme que possui uma poderosa e comovente representação de fé.

O filme nos leva através das consequências trágicas do assassinato de John F. Kennedy em 1963. Através dos olhos da glamourosa e triste viúva Jacqueline (interpretada por Natalie Portman) temos acesso às salas sagradas do poder americano, assistindo a como ela luta para preservar e resgatar o legado complicado do JFK.

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Natalie Portman as Jackie Kennedy in "Jackie" directed by Pablo Larraín, 2016. Fox Searchlight Pictures | MoviestillsDB.com

Mas, naturalmente, Jackie está assombrada com ferimento mortal que atingiu seu marido. Nós vemos como ela limpa o sangue de seu rosto no banheiro do Air Force One, chorando incontrolavelmente. Nós escutamos como ela se recusa a mudar seu terno rosa – “Deixe-os ver o que eles fizeram!”, ela diz. Atordoada, ela anda pelos quartos quase vazios da Casa Branca, com uma garrafa de vinho na mão. Ela está perdida. Irritada. Ferida. Sozinha. Desesperada, tentando achar sentido.

E, eventualmente, quase relutante, ela se volta para o lugar onde a maioria de nós também se volta: sua fé.

No começo do filme, seu catolicismo parece mais uma banalidade oca – algo para dizer às crianças, para ajudá-las a entender por que o papai não voltará para casa.

“Papai teve que ver seu irmãozinho Patrick no céu”, Jackie diz a seus dois filhos, Caroline e Jack Jr., referindo-se ao filho que morreu apenas dois dias após o nascimento. “Nós não queremos que Patrick fique solitário, não é?”.

Mas a própria fé de Jackie não é tão gentil, tão segura. Ainda se aflige por Patrick. Ela não vê nenhum ponto cósmico para a morte do marido. Quando ela fala com um padre (interpretado por John Hurt), ela está visivelmente zangada.

A funeral scene from the film, Jackie, 2016. Fox Searchlight Pictures | MoviestillsDB.com

“Eu acho que Deus é cruel”, diz ela.

“Agora você está se encrencando”, responde o padre. “Deus é amor. E Deus está em toda parte”.

“Foi Deus na bala que matou Jack?”, Jackie responde.

É o terrível paradoxo do cristianismo: Se Deus é amor, por que Ele não para todos os horrores? Por que Ele não nos livra deles? Mesmo quando sentimos que descobrimos as respostas a essas perguntas, as próprias respostas podem ser enlouquecedoras.

Deus estava na bala?

“Absolutamente”, diz o padre.

“E ele está em mim agora?”, Jackie pergunta.

“Claro que sim”.

“Bem, Ele joga um jogo engraçado, se escondendo o tempo todo”.

“O fato de que nem sempre o entendemos não é nada engraçado”, diz o padre.

Podemos realmente conhecer Deus? Podemos esperar entender tudo o que Ele é ou o que Ele faz? Claro que não. Não é possível para nós. Mas mesmo no meio das tragédias desta vida, podemos estar certos de duas verdades fundamentais: Deus nos ama, e Deus está no controle. E Ele nos ajuda até mesmo nos nossos piores desastres. Como José diz a seus irmãos em Gênesis 50, “Vocês planejavam o mal contra mim, mas o projeto de Deus o transformou em bem” (Gn 50,20).

Jackie começa a conversar com o padre regularmente, cada conversa aparentemente mais profunda do que a última. Ele é honesto, às vezes dolorosamente. Ele mesmo compartilha que ele também teve dúvidas religiosas. Ele não oferece banalidades simples, não responde às angústias e raiva compreensíveis de Jackie. Mas, enquanto conversam, o sacerdote continua retornando ao mistério e à bondade de Deus.

Durante uma de suas conversas, o sacerdote relata parte de João 9, quando Jesus e seus discípulos encontraram um cego. Seus discípulos perguntam quem pecou para fazer o homem ficar cego. Era o próprio cego? Os pais dele? Jesus responde que ninguém pecou, mas ele era cego para que as obras de Deus pudessem ser reveladas nele.

“Agora, você é cega”, diz o padre a Jackie. “Não é porque você pecou, mas porque você foi escolhida. Para que as obras de Deus possam ser reveladas em você”.

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Caspar Phillipson as John Fitzgerald Kennedy and Natalie Portman as Jackie. Jackie, 2016. Fox Searchlight Pictures | MoviestillsDB.com

É difícil para nós enxergar a obra de Deus no assassinato de JFK. Imagine para Jackie. Mas o filme sugere que algo especial foi revelado através da viúva durante esse tempo terrível: Sua força. Sua graça. Sua capacidade de ajudar uma nação a expressar sua própria tristeza monumental. “Você era mãe de todos nós”, mais tarde um jornalista lhe diz. “Todo o país assistiu ao funeral do começo ao fim. As pessoas vão se lembrar de sua dignidade e honestidade por décadas”.

A fé cristã, quando aparece nos filmes, pode te atingir ou ficar perdida. Em filmes abertamente cristãos, podemos sentir sinceridade. Em outros, o cristianismo pode ter personagens cristãos ou ignorantes, mas a própria fé pode ser ineficaz.

Em Jackie, porém, vemos outra coisa – uma complexa manifestação sincera de fé. Não é uma cura para tudo. Não é sem seus paradoxos ou frustrações. Mas no momento em que o filme se desenrola, descobrimos que a fé pode nos sustentar em nossos tempos mais sombrios. Que mesmo em momentos de tragédia inimaginável, Deus ainda está lá; Ele ainda é amor. E Ele ainda está trabalhando em todas as circunstâncias.

Tags:
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