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Infâncias difíceis: como mudar nossa forma de encarar os traumas?

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Getty Images/Flickr Open

Zyta Rudzka - Aleteia Brasil - publicado em 17/02/17

As experiências da infância têm reflexos na idade adulta. Mas não precisa ser assim

Gabi faz de tudo para que seu marido esteja contente com ela. Mas André continua se queixando. “Por que comprou tanto queijo? Estacionou mal o carro. Não deixou bem alinhado. Vai sair novamente? Aonde vai? Todas as suas amigas são idiotas…. Quem mudou minhas chaves de lugar?”

Gabi não diz nada, não tenta corrigi-lo, apesar de seu comportamento tão desagradável.

Mas, por que aguentá-lo? Porque poderia ser pior!

Gabi, que é filha de um alcoólatra, sabe que o comportamento de Andrés é algo insignificante comparado aos espancamentos, insultos, ao fato de ter sido largada na rua ou ter as coisas jogadas pela janela. Quando conheceu Andrés, a informação principal para ela era que ele não tomava bebidas alcoólicas. Que alívio! Sentia que, finalmente, ia encontrar refúgio depois de uma infância difícil. E agora, depois de 10 anos de casamento, não acha que este seja um mau refúgio.

Muito frequentemente, encaramos com ironia o trabalho dos psicoterapeutas a quem recorremos com os recentes problemas matrimoniais. Eles nos pedem para contar toda a nossa vida, desde os tempos de Adão e Eva. Não sem razão. O cenário da infância só pode ser reproduzido na vida adulta.

Na casa de Gabi não tem álcool, tampouco felicidade

Gabi anda sempre em silêncio e pisando em ovos. Sofre, mas finge ser uma bailarina.

Tinha medo de seu pai, e, agora, cede diante de seu marido. É passiva, impotente. As más recordações são como um radar que alerta constantemente: “aperte os dentes. Aguente firme. Lembre-se: poderia ser pior.”

Ela justifica que seu marido é prepotente. Não consegue ver que sua relação poderia ser de outra maneira. Segue olhando o mundo através dos olhos da filha de um alcoólatra: o papai está zangado, tenho que me retirar do seu caminho.

Uma infância difícil pode ser uma fonte de fortaleza

Na verdade, existe uma grande quantidade de literatura psicológica e científica que mostra que as pessoas que alcançaram o sucesso na vida adulta geralmente tiveram sobrecarga emocional negativa nos primeiros anos de vida. Na infância, sofreram abuso, negligência, abandono, mas foi justamente isto que construiu suas resistências mentais.

A literatura não ensina somente como sobreviver, mas também como não se dar por vencido. Ensina como atuar em uma situação de medo, sofrimento, impotência e falta de apoio. Como tirar forças quando só podemos contar com nós mesmos.

Os velhos traumas não devem cortar nossas asas

Geralmente, um pato feio se transforma em um lindo cisne. O autor deste conto de fadas, Hans Christian Andersen, escreveu sobre si mesmo, que nasceu como o filho não desejado de uma lavadeira alcoólatra e de um sapateiro pobre e se transformou em um dos dez escritores mais publicados do mundo, traduzido para 163 idiomas.

Gabi, como a maioria das crianças, provavelmente chorou pelo destino do patinho feio. Mas ela foi, realmente, como ele? Por que então ela não se deu bem? Por alguma razão seu doloroso passado é para ela um colete de forças, e não como um fundo de onde pode extrair suas forças.

Através da síndrome da “criança maltratada” pode-se justificar tudo. É uma boa desculpa para não fazer nada com sua vida. Para submeter-se, ter medo, proteger, perdoar, estar sempre na segunda fila.

Podem haver muitas lascas dolorosas do passado. Se não superarmos, podemos sofrer as consequências de uma infância difícil na vida adulta.

É bom olhar para trás. Mas é preciso saber o motivo

Gabi deve deixar de se ver como vítima: “não é por culpa minha que meu pai bebia. Já não sou criança, não tenho que me fechar no museu de queixas e temores infantis.”

Crescer em uma casa com vícios não é razão para ter vergonha, mas, sim, de orgulho! Diga a si mesma: “Estou orgulhosa por ter sobrevivido. Sobrevivi por que fui forte. É assim que penso de mim mesma, que sou uma mulher forte. Vou seguindo com a cabeça erguida.”

Cuide-se

O amor, o sentimento de segurança, o apoio, o respeito e a compreensão, tudo o que Gabi não recebeu de seu pai agora ela pode receber de si mesma.

Na infância, ela era dependente do amor de seu pai. Agora, não precisa mais disso. Talvez devesse se cuidar. Então, existe uma possibilidade de não ter que pagar para sempre pelos seus traumas com juros.

Com todo o respeito pelo que você sente e pensa, agora não importa o que passou, mas o que você aprendeu com estas experiências. O que você venceu? Contra o que você criou resistência? Como isso tudo a preparou para o papel de esposa e mãe?

Gabi, quando era criança, te feriam. Agora, você é uma mulher adulta e, finalmente, pode viver em um mundo em que você define as regras.

Você já não é mais uma menina indefesa

Defenda-se, fale, negocie, estabeleça. Você tem os mesmo direitos de seu marido. Em vez de agir com submissão, fale. Defenda seu direito à liberdade, à amizade, a comprar a quantidade de queijo que quiser. E você pode cuidar desta menina sofredora dentro de você. Fazer com que ela não chore mais, que não se sinta ferida nem só.

Se você não sabe como fazer, participe de alguma reunião dos grupos de apoio às famílias de alcoólatras, obtenha ajuda terapêutica e faça contato com pessoas que estão enfrentando aquilo que uma vez as ajudou a sobreviver em um lar problemático.

Crescer significa assumir a responsabilidade de nossa própria história, comprovar a data de validade de nossos medos. Creio que o melhor é trabalhar para superar-se, ao invés de consentir que nossas vidas sejam governadas por medos infantis.

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