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4 Questões sobre o aborto – Parte 3: É válido argumentar que “ninguém aborta por gosto”?

Monumento al niño no nacido – pt

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Pe. João Paulo Pimentel - publicado em 09/03/17

À primeira vista, o argumento parece ter certa lógica. Mas há várias objeções a essa lógica.

Os defensores da legalização do aborto afirmam que nenhuma mulher faz ou fará um aborto de ânimo leve.

À primeira vista, o argumento parece ter certa lógica. Praticar o aborto do próprio filho não é o mesmo que injectar heroína. Apesar de a droga arruinar a saúde do consumidor, é preciso reconhecer que um aborto não se situa no mesmo plano: por melhor que seja um Centro de Saúde, nenhuma mulher recorre ao aborto por gosto. Por isso, ninguém deve insinuar que a legalidade incentiva ao aborto por motivos banais. Serão sempre casos de “absoluta necessidade”.

Não tenho receio em concordar que ninguém, com um mínimo de estabilidade mental, recorre a uma cirurgia, do tipo que for, por gosto.

Porém, levanto três objecções ao argumento:

1) A mesma sequência de raciocínio – quando se despenaliza uma acção que por si mesma é desagradável não se prevê um aumento considerável de acções desse tipo – poderia então ser aplicada a outros casos. Pensemos no atropelamento. Se houvesse uma lei a despenalizar os automobilistas que atropelassem pessoas, não é previsível que a maioria dos condutores se dedicasse a passar com o carro por cima dos transeuntes: ninguém ocasionaria com gosto lesões a terceiros (e consequentes amolgadelas no carro…). Significa, então, que a lei sobra? Há até casos de homicídios involuntários por atropelamento com penas que não são nada leves. Não seria de declarar a inocência dos condutores, visto que não atropelaram ninguém de ânimo leve e já lhes basta a tortura da própria consciência? E, mesmo em caso de homicídios voluntários, exceptuando, porventura, a participação em organizações terroristas ou mafiosas, quem mata não o faz levianamente: pesou os prós e os contras e concluiu que o assassinato era a melhor maneira de resolver a questão (leiam-se os romances de Agatha Christie, tão instrutivos nesta matéria quanto a motivações). Será de restringir a penalização do homicídio a casos manifestamente compulsivos ou repetitivos?

Outro exemplo: lembrando os filmes do farwest, e admitindo que algo de verdade neles exista, os cidadãos defendiam-se com as pistolas. A maioria não dispararia sobre um adversário de ânimo leve. Mas foi considerado um avanço da civilização não prosseguir com esse tipo de justiça. O debate sobre a liberalização das armas prossegue nos EUA, mas a convicção generalizada parece desaconselhar uma facilidade em adquiri-las. E, certamente, na Europa, esta questão está resolvida. Por quê? Posso assegurar, da parte das centenas de pessoas que conheço, que tivessem elas uma arma e nunca a usariam levianamente. Vamos então mudar a lei, despenalizando indiscriminadamente o porte de armas? E quando um polícia fere alguém com uma arma, certamente não o fez por gosto; mesmo assim, é exigido habitualmente um inquérito cujo desfecho pode não ser nada favorável para o agente em questão. Por quê? Em resumo: o argumento não colhe. O facto de o aborto ser algo que repugna a quem o pratica não torna supérflua a sua proibição. Mesmo que a mulher decida abortar por razões que considere ponderosas, a sociedade tem o direito de as considerar sempre menos decisivas que a vida do feto, que, por si só, é uma razão suprema.

Omito, para não me alongar, o raciocínio que se aplica aos médicos que praticam abortos. Se não o fazem pelo gosto da cirurgia, já tenho mais dúvidas que o não realizem pelo gosto do dinheiro: ninguém duvida que as clínicas abortistas não são precisamente deficitárias.

2) Curiosamente, o argumento funciona melhor se aplicado ao pai. Embora reconheça que nenhuma mulher se encaminhará de ânimo leve para uma sala de abortos, já não é tão certo que o pai da criança não encaminhe levianamente para lá a mãe da criança: “Engravidaste? Mais vale que abortes quanto antes”. É assim tão alheio ao que, infelizmente, assistimos com frequência?

Por outro lado, embora seja verdade que ninguém aborta por gosto, é preciso recordar – eis finalmente um argumento super-politicamente incorrecto! – uma pequena observação de G. K. Chesterton: “Ninguém se casa sonâmbulo nem gera filhos a dormir”. Assim, se é verdade que ninguém aborta por gosto, já não é tão certo que aos momentos da génese da nova criatura se possa aplicar levianamente a mesma descrição. A lei de despenalização do aborto é mais uma etapa na desresponsabilização, sobretudo masculina, das consequências dos actos sexuais livremente queridos. É como sugerir aos homens que sejam sexualmente irresponsáveis e fúteis, pois as mulheres serão “abortivamente” responsáveis e sensatas.

3) Por fim, acrescento que não consta que, nos países em que as leis penalizam os abortos, elas tenham sido alguma vez aplicadas levianamente e por gosto. Mesmo assim, desejam acabar com elas.

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VEJA TODOS OS 4 ARTIGOS DESTA SÉRIE:

Parte 1: “Problema de consciência”?

Parte 2: “Crianças não queridas”?

Parte 3: É válido dizer “Ninguém aborta por gosto”?

Parte 4: “Aqui mando eu”?

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SOBRE O AUTOR:

O Pe. João Paulo Pimentel é um sacerdote português a quem Aleteia agradece muito pela generosidade em contribuir para o site. Nesta série de 4 artigos, ele nos propõe reflexões de fundamental importância para a devida discussão sobre o aborto, refutando sofismas e argumentações inconsistentes dos defensores dessa prática infanticida.

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