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Que idiomas Jesus falava?

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Aleteia Vaticano - publicado em 17/09/12

Que tipo de instrução poderia ter o filho de um carpinteiro, nascido em um povoado insignificante da Galileia, do qual “não pode sair nada bom”, como se lê no Evangelho de João? E em que línguas ele se via obrigado a se comunicar?

Jesus provavelmente foi um judeu bilíngue: falava normalmente às pessoas em um aramaico típico da região da Galileia e utilizava o hebraico nas leituras e discussões bíblicas e teológicas da sinagoga. Mas conhecia algo do grego e é improvável que arranhasse o latim.

Ao falar com os discípulos e com as pessoas comuns, Jesus recorria frequentemente a um dialeto galileu-aramaico, sua língua materna.

Educado na fé judaica e tendo crescido em uma família judaica da Galileia, Jesus falava habitualmente em aramaico, a língua semítica usada pelos judeus após o exílio babilônico (586-538 a.C.). Nesse período, o aramaico era uma língua internacional, comum entre os diversos povos do Oriente Médio. Culta e popular ao mesmo tempo, usada nos diferentes países submetidos ao domínio babilônico, foi imposta, portanto, entre as populações do Oriente Próximo: Síria, Israel, Samaria, Judeia. Muito provavelmente, a sua era uma versão do aramaico ocidental, típica da Galileia, e diferente, por exemplo, do aramaico que se falava em Jerusalém.

Assim, no relato da negação de Jesus por parte de Pedro, será precisamente esta a razão que desmascarará o apóstolo: “É claro que tu também és um deles, pois o teu modo de falar te denuncia” (Mt 26,73).

Muitas vezes, os escritores sagrados, na tentativa de mostrar a fascinação, a força, a impressão provocada pelas palavras que saíam dos lábios de Jesus, ainda redigindo o Novo Testamento em grego, deixaram algumas expressões suas em seus idioma original, assim como haviam sido transmitidas pela primeira comunidade cristã.

Um especialista, Joachim Jeremias, excluindo os nomes próprios e os adjetivos, conta 26 palavras aramaicas atribuídas a Jesus pelos Evangelhos ou por fontes rabínicas, como, por exemplo, abba', “papaizinho, papai”, dirigida por Jesus a Deus (Mc 14,36); ou, como na frase do Pai Nosso, “perdoai-nos as nossas dívidas”, que, ainda que se apresente em grego com o termo ofeilémata, mostra claramente seu correspondente em aramaico, segundo o qual “dívida” (hoba') significa também “pecado”; ou a expressão talità kum, “Menina, levanta-te!”, dirigida à filha morta de Jairo (Mc 5,41), chefe de uma sinagoga; também o effatà, “Abre-te!”, dirigido a um surdo (Mc 7,34); até a citação do Salmo 22, no grito lançado por Jesus: Eloì, Eloì, lemà sabactàni, “Meus Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34).

No entanto, é difícil reconstruir o aramaico falado por Jesus, que só hipoteticamente poderia se comparar com o aramaico que se fala hoje em algumas aldeias da Síria Meridional, nas redondezas de Damasco, particularmente em Malula.

Jesus pode ter usado o hebraico, em parte, nas discussões teológicas com os escribas e os fariseus.

Sabe-se que, depois do exílio babilônico do Reino da Judeia (586 a.C.), o hebraico sofreu uma notável decadência, até ser substituído no uso comum pelo aramaico, ainda que tenha sobrevivido como língua escrita e litúrgica. Prova disso é o fato de que, na Sinagoga, o aprofundamento nas Escrituras era confiado aos targumìm, ou seja, a traduções/paráfrases da Bíblia hebraica em língua aramaica.

No livro “Perguntas sobre a fé”, o cardeal Gianfranco Ravasi recorda que, na época de Jesus, “o hebraico (…) era uma língua culta, usada nas discussões exegético-teológicas e pelos grupos elitistas de judeus rigorosos e zelosos, como precisamente os de Qumran”. De fato, folheando os Evangelhos, encontramos Jesus muitas vezes ensinando nas sinagogas, enquanto os próprios escribas e doutores da lei o chamam com o título de “rabi”, que significa “mestre”.

O quarto Evangelho recolhe o assombro dos judeus por ocasião da festa das Tendas, frente à cultura religiosa de Jesus: “Os judeus comentavam admirados: 'Como ele é tão letrado, sem nunca ter recebido instrução?'” (Jo 7,15).

Os ouvintes se maravilhavam pelo conhecimento teológico de Cristo, apesar de ele nunca ter estudado com um rabino famoso ou em uma escola rabínica.

Quase com certeza, de fato, Jesus só havia frequentado as escolas da sinagoga para aprender a leitura das Escrituras.

Além disso, Jesus tinha certo conhecimento do grego, difundido entre os judeus e os povos vizinhos após as conquistas de Alexandre Magno.

Na época de Jesus, o grego era utilizado no Império Romano como língua franca, um pouco como hoje usamos o inglês. Além disso, desde quando Alexandre Magno conquistou a Palestina, em 332 a.C., a língua grega havia se imposto cada vez mais. A propósito disso, o cardeal Ravasi, no livro “Quem é o Senhor?”, escreve que “também os judeus, apesar da reação dos macabeus, preocupados pela tutela da língua e das tradições dos pais, viam-se progressivamente obrigados a usá-lo”. Em Jerusalém, era conhecido pelas classes altas, sobretudo nas transações comerciais, e o povo o usava somente quando tinha de se comunicar com os “gentios”, ou seja, com os estrangeiros presentes na Terra Santa.

Na obra “Perguntas sobre a fé”, Ravasi observa também que “é provável, portanto, que também Jesus usasse um pouco de grego – a língua que seria adotada depois pelos Evangelhos e por Paulo para uma comunicação mais universal – quando tinha contato com os não-judeus, e talvez durante o diálogo processual com Pilatos” (Mt 27,11-14; Jo 18,33-38). Como recorda também Alan Millard, em sua obra “Arqueologia e Evangelhos”, “na atividade cotidiana, os governadores romanos certamente falavam o grego”. E o Evangelho de Mateus narra também o diálogo sem intérprete entre Jesus e um centurião romano (Mt 8, 5-13), que provavelmente falaria em grego. Suas noções de grego pode dever-se também aos contatos com judeus da diáspora de passagem por Jerusalém, como aparece em Jo 12,20 e Atos 6,1-15.

Segundo observa John P. Meyer, no primeiro volume da sua obra “Um judeu marginal”, “nem a sua ocupação de carpinteiro em Nazaré, nem seu itinerário pela Galileia, circunscrito a cidades e povoados decididamente judaicos, teriam requerido agilidade e regularidade no uso do grego. Por isso, não existe razão para pensar que Jesus ensinasse regularmente em grego às multidões que se reuniam ao seu redor”.

É verdade, ao mesmo tempo, que sua pregação não se limitou à Galileia, à Judeia e à Samaria, mas chegou até as regiões limítrofes de Tiro e Sidônia, por meio da Fenícia e do território da Decápole, todas elas áreas fortemente helenizadas. A propósito disso, vem à mente o episódio da cura da filha de uma mulher siro-fenícia (ou cananeia), possuída pelo demônio (Mc 7,26-30).

Não há razões para pensar, no entanto, que Jesus falasse latim, a língua usada naquele então pelas forças romanas de ocupação.

Na Palestina do século I, o latim era a língua utilizada pelos funcionários e pelos oficiais romanos de passagem pela Cesareia Marítima e em centros grandes como Jerusalém e Samaria, e sobretudo a língua usada para redigir os documentos oficiais do Império Romano. Um reflexo da sua difusão se encontra no titulus, isto é, na inscrição no alto a cruz em que Jesus foi pregado e que apresentava o motivo da sua condenação. A inscrição, segundo refere João, estava, de fato, em hebraico, latim e grego (“Jesus nazareno, Rei dos judeus”). Portanto, deve excluir-se a possibilidade de que Jesus falasse latim.

Referências:

Artigo revisado por Mons. Gabriele Miola, professor emérito de Sagrada Escritura e Línguas Bíblicas no Instituto Teológico de Las Marcas e no Instituto Superior de Ciências Religiosas "Santos Alessandro e Felipe".

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