A pobreza, no fundo, é uma questão de escolha individual? Ou é resultado de leis de ferro da economia de mercado? Como acabar com a pobreza?
A pobreza é um problema econômico ou moral? É o resultado do agir individual ou consequência lógica de um dado sistema econômico? Estas e outras questões têm sido fonte de controvérsias em diferentes áreas do conhecimento e ocupado papel importante nos debates sobre o desenvolvimento econômico no século 20.
Enquanto questão moral, ela pode levar a visões simplistas e preconceituosas que veem a pobreza como resultado da aversão, individual, ao trabalho, da opção pelo ócio. Neste caso a pobreza é voluntária e moralmente condenável. O julgamento moral é diferente se a vermos como consequência de atos praticados por outros, ou como resultado da dinâmica da própria economia. Tratar-se-ia, neste caso, de pobreza involuntária, e o pobre seria merecedor de todo apoio e solidariedade da comunidade a qual pertence.
A distinção entre pobreza voluntária, resultado da preferência pelo ócio, ou involuntária, consequência inevitável de leis econômicas, pode ser interessante à primeira vista, mas são ambas falsas. A pobreza não é o resultado da preferência do individuo pelo ócio e tampouco é o resultado de leis de ferro da economia de mercado.
A primeira explicação tem sido usada ao longo da história para justificar o controle da riqueza por uma pequena minoria, enquanto a grande maioria vive na mais abjeta pobreza. Já a segunda assume ser impossível resolver o problema da pobreza sem a supressão do sistema que a causa – o próprio capitalismo. A revolução seria a única solução, definitiva, para o problema da pauperização crescente e inevitável dos trabalhadores. É um argumento sem nenhum fundamento empírico, como podemos inferir a partir da história econômica dos países desenvolvidos. Ele, no entanto, a muitos conforta e acaba ajudando a manter – ainda que esta não seja a intenção – o status quo: se a revolução é a única solução, porque perder tempo com medidas paliativas que somente retardam a tomada de consciência necessária à transformação redentora?
Se não é uma questão de escolha individual ou resultado de leis de ferro da economia de mercado, então como explicar a existência de pobres, apesar do acúmulo do stock crescente de riqueza desde a Revolução Industrial? Para responder a esta questão é preciso definir o que entendemos por pobreza. Na literatura trabalha-se com o conceito de pobreza extrema e pobreza relativa. As pessoas em situação de pobreza extrema são as mais pobres entre os pobres e por isso são o foco principal de política públicas de redução da pobreza.
O cálculo do percentual da população em situação de pobreza é realizado a partir da chama linha de pobreza. No Brasil, famílias com renda per capita de até 70 reais encontram-se em situação de pobreza extrema; até 140 reais, são consideradas pobres. O Banco Mundial trabalha com outro valor: 1,25 dólar por dia para a linha de pobreza extrema e até 2 dólares para pobreza. Independente do valor adotado, a pobreza extrema é determinada a partir do montante necessário ao atendimento de necessidades básicas de uma pessoa, ou seja, o consumo mínimo de calorias necessárias a sua sobrevivência.
Quanto falamos de pobreza, estamos, portanto discutindo a pobreza extrema, que é a situação em que se encontra um grande número de pessoas nos chamados países em desenvolvimento nos continentes latino-americano, africano e asiático. É uma situação bem diferente daquela que encontramos em países desenvolvidos que, infelizmente, ainda não resolveram o problema da pobreza. Neste caso, raramente é uma questão de pobreza extrema, mas da chamada pobreza relativa, que depende sempre do contexto da região/país em análise. A sua existência, no entanto, não deixa de ser uma vergonha para estes países, já que possuem as condições necessárias para encontrar uma solução para o problema.
Definido o que entendemos por pobreza, resta agora enfrentar a difícil tarefa de responder a questão colocada: existe realmente uma forma de acabar com a pobreza(extrema)? Antes de tudo, é necessário reconhecer que não existe uma fórmula única aplicável a toda e qualquer situação. No passado, imaginava-se que o crescimento econômico por si só resolveria o problema. A história dos países em desenvolvimento e do Brasil, em particular, demonstra que nem sempre este é o caso.
Na literatura sobre pobreza encontram-se casos de países em que o crescimento econômico é acompanhado de redução da pobreza, mas há casos, também, em que ela ocorreu sem um crescimento econômico significativo. Em ambos a desigualdade da renda desempenha um papel importante na redução da pobreza. De fato é possível afirmar que quanto maior a desigualdade da renda, menor o impacto do crescimento econômico na redução da pobreza. Isto explicaria, por exemplo, o caso brasileiro: como a desigualdade da renda é muito alta, o impacto do crescimento econômico na redução da pobreza acaba sendo menor que o verificado em países com o mesmo nível de renda. Em outras palavras, a participação dos pobres no bolo, assim como no seu crescimento, é pequena.
A política de combate à pobreza deve, portanto, partir do reconhecimento da existência de relações entre pobreza, crescimento econômico e desigualdade da renda. Em países com alta desigualdade de renda o crescimento econômico não é suficiente para resolver o problema da pobreza extrema e deve ser acompanhado de políticas focadas de transferência de renda.
Políticas públicas com foco nas crianças demonstram serem mais eficazes na redução da pobreza extrema e, entre elas, merecem destaque a educação gratuita de qualidade e o acesso a medicina preventiva. É fundamental garantir que as crianças aprendam a ler e dominem a matemática elementar na mesma faixa etária das crianças com melhores condições econômicas. Com a medicina preventiva é possível reduzir a mortalidade infantil e garantir o desenvolvimento sadio das crianças.
Com a oferta de educação gratuita de qualidade é possível romper o círculo intergeracional de pobreza, garantir a plenitude da cidadania às famílias e permitir a realização dos sonhos de uma vida melhor para os filhos. É por esta razão que a política de transferência de renda, condicionada à frequência das crianças à escola, é tão importante: ela contribui com a renda necessária à sobrevivência com o mínimo de dignidade no presente e, ao mesmo tempo, permite no futuro a admissão no ensino superior e o exercício de profissões que, por gerações, têm sido um privilégio exclusivo de uma pequena elite com melhores condições econômicas.
A oferta de microcrédito às famílias é outra medida que tem obtido bons resultados. Ela torna possível a criação e a manutenção de pequenos negócios que, além de gerar renda, fortalecem a autoestima das famílias e minimizam o risco de dependência em relação às políticas de transferência de renda.
Como se trata de verbas públicas e dado que os recursos são sempre escassos, é fundamental escolher medidas com a melhor taxa de retorno, ou seja, aquelas com o maior impacto sobre a redução da pobreza extrema. É um tema sempre controverso, mas incontornável se o objetivo for ampliar o contingente de famílias contempladas pela política de combate à pobreza extrema.
Com políticas adequadas é possível reduzir em um período relativamente curto de tempo o contingente de famílias vivendo em situação de pobreza extrema. Eliminá-las totalmente requer um tempo maior, mas nem por isso deixa de ser um objetivo viável, desde que as promessas se transformem em medidas concretas e que os ganhos do crescimento econômico sejam compartilhados por todos. Em outras palavras, taxa de crescimento econômico robusta com redução substancial na desigualdade da renda é fundamental para acelerar o processo de redução da pobreza extrema e da pobreza como um todo.