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A renúncia de Bento XVI e a compreensão do papado

Inma Alvarez - publicado em 22/02/13

Um gesto providencial para o diálogo ecumênico?

Depois da surpresa e desconcerto iniciais diante do anúncio da renúncia de Bento XVI, chega o momento de analisar o porquê de uma decisão que supõe, de forma evidente, uma ruptura em nossa forma de entender o papado nos últimos séculos. Apesar de o Código de Direito Canônico prever esta possibilidade, a prova de que se trata de um gesto excepcional é que não havia nenhuma indicação, nem escrita, nem na tradição histórica, de como é preciso tratar um ex-papa, fora do caso de Clemente V, a quem seu sucessor manteve fechado até o fim da vida.

Uma das conclusões às quais a maioria dos analistas chega é que, ao renunciar ao ministério petrino , Bento XVI conseguiu um efeito colateral: "dessacralizar" a figura do Papa. Não há nada mais radical que uma abdicação: significa reconhecer, de fato, que o bem do Reino é superior à figura que o representa, e que o rei é um servo de algo superior a ele; rompe-se, então, com essa identificação apriorística entre o rei e seu reino: o segundo se coloca sobre o primeiro.

Quando o Papa disse que renunciava "pelo bem da Igreja, após ter rezado durante muito tempo e ter examinado a minha consciência diante de Deus", e falou da sua "incapacidade para exercer bem o ministério que me foi confiado", não estava somente expondo as razões da sua renúncia: estava também expressando uma compreensão do seu ministério. Como disse o Pe. Lombardi em seu editorial de "Octava Dies" de 16 de fevereiro, "ficava absolutamente claro que ele estava realizando uma missão recebida, ao invés de exercitar um poder possuído".

Este gesto de Bento XVI se enquadra melhor em continuidade com outros gestos que modificaram o rosto do Sumo Pontífice durante o século XX: das imagens de um Pio XII rezando no bairro San Lorenzo depois de um bombardeio à renúncia da tiara papal por parte de Paulo VI, a renúncia à coroação, a renúncia à cadeira gestatória por parte de João Paulo I (substituída oportunamente pelo papamóvil), assim como a renúncia ao título de "Patriarca do Ocidente", entre muitos outros gestos. Pouco a pouco, a figura do Papa foi perdendo aqueles elementos que recordavam seu passado poder temporal para recuperar a verdadeira natureza espiritual da sua missão.

Este aprofundamento na figura do Papa não seria precisamente o que João Paulo II preconizava na encíclica “Ut unum sint”? "O Papa pode sempre intervir para manter a unidade da fé e a comunhão eclesial. Mas as formas concretas de exercer sua autoridade podem variar em cada momento histórico, segundo exigir o bem da Igreja. Para dissipar as reservas dos não católicos com relação ao primado papal, João Paulo II se referiu, na encíclica “Ut unum sint” (1995), ao ecumenismo, à necessidade de encontrar 'uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova' (n. 95)" ("Ius Canonicum").

João Paulo II "tomou a decisão inaudita de pedir sugestões inclusive às comunidades cristãs não católicas, ao convidar 'todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que possamos procurar, evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros' (ibid.). Este convite obteve resposta, e o diálogo já começou, com diversas iniciativas nos últimos anos".

Concretamente, há mais de cinco anos (Rávena, 2007), uma comissão teológica mista católico-ortodoxa estuda quais eram os traços do papado no primeiro milênio do cristianismo, antes da ruptura entre o Oriente e o Ocidente, com o fim de encontrar caminhos para que o diálogo ecumênico prossiga. De fato, a questão de como se exerce o primado petrino é um dos grandes obstáculos que ainda bloqueiam o caminho da unidade, ainda que se tenha avançado muito nesta questão. O documento de Rávena – "As consequências eclesiológicas e canônicas da natureza sacramental da Igreja: comunhão eclesial, conciliariedade e autoridade" – já chegava a uma série de acordos básicos sobre o primado de Roma.

A renúncia de Bento XVI influenciará este diálogo?

É muito significativo que o cardeal Walter Kasper, em uma entrevista concedida ao Corriere della Sera no último dia 20 de fevereiro (ver também Vatican Insider), insiste precisamente nesta ideia: o fato de o Papa ter renunciado ilumina o papado. "A natureza, a essência do ministério petrino é dada por Jesus e não pode ser mudada. O que muda é a aura sagrada ao redor do papado, que se criou nos últimos dois séculos. Esta aura se perdeu um pouco. E este fato totalmente inesperado, o passo da possibilidade teórica à realidade, deve nos fazer refletir sobre a situação da Igreja."

O cardeal Kasper pontua que a sinodalidade (isto é, uma maior colegialidade no governo da Igreja) "não quer nem deve de maneira alguma prejudicar o primado do Papa. Ao contrário: papado e sinodalidade não estão em contradição".

Este será um tema interessante que o próximo Papa enfrentará, sem dúvida. Mas talvez este gesto de Bento XVI tenha feito amadurecer mais rapidamente o fruto da unidade de ambos os pulmões da Igreja. O próximo pontífice talvez tenha a resposta para esta pergunta.

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