Aleteia logoAleteia logoAleteia
Sábado 01 Abril |
São Celso de Armagh
Aleteia logo
Religião
separateurCreated with Sketch.

Decálogo do Papa Francisco

zgsxiqfcna14mwxgw694wzlhvy03tnv8s-xa7k6euhrd0t44kwpvhcab1mntqbudrncsbgulzpwdmiywes9tapfrop8.jpg

Rafael Navarro-Valls - publicado em 22/03/13

Por Rafael Navarro-Valls

As câmeras de televisão do mundo inteiro, a imprensa que lotava o braço de Carlos Magno na colunata da Praça de São Pedro e os milhões de habitantes do "continente digital" se surpreenderam quando o Papa Francisco apareceu na sacada vaticana. Nada de um novo Rambo ou uma estrela de rock; tampouco um rude caubói pragmático, nem um sofisticado italiano da cúria. Era um latino-americano, um pouco tímido e com uma cruz prateada no peito, que olhava com espanto a multidão que o aguardava.

Nessa figura de branco que mendigava orações, havia se produzido a maior transferência de poder espiritual que a humanidade conhece. De simples arcebispo emérito e cardeal eleitor havia passado a ser de repente Vigário de Cristo na terra, Bispo de Roma, Sumo Pontífice, cabeça do colégio episcopal, chefe de Estado da Cidade do Vaticano, concentrando em sua pessoa a mais alta potestade de jurisdição da Igreja. Um furacão de responsabilidades se precipitava sobre suas costas e, de repente, como a Moisés no Sinai, um novo decálogo lhe era sugerido. São os desafios que o Papa Bergoglio já está enfrentando.

Do meu modesto lugar de observador, eu os resumiria assim:

1. Aumentar a temperatura espiritual dos 195.671.000 (dados de 2010) católicos do mundo inteiro.
A Igreja, se me permitem a comparação, é uma empresa de caráter espiritual, com um ativo formado pela fé e pela santidade dos seus membros, e um passivo conformado pelas suas fraquezas. Daí que o primeiro desafio do novo Papa seja conseguir elevar a temperatura espiritual desses milhões de católicos espalhados pelo mundo. Ou seja, aumentar os ativos espirituais da Igreja Católica. O Papa Francisco já começou a trabalhar nisso desde a sua eleição. Na sacada vaticana, marcou o caminho da oração. Na Capela Sistina, ele o confirmou, e na Missa de inauguração do ministério petrino, reiterou: "Rezem por mim".

2. Abrir o mercado das ideias aos valores do espírito.
Em outras palavras, tirar o cristianismo da periferia da história e situá-lo do centro da atividade humana. Despertá-lo dessa posição voltada para si mesmo, que se chama "doença do absentismo", alheio e indiferente às ambições, incertezas e perplexidades dos seus contemporâneos, enquanto a grande sociedade segue seu curso. Existe certa banalização do mal, que costuma derivar em uma sutil ditadura do relativismo.

3. Ser mais mundocêntrico que eurocêntrico.
Misturando o bom humor com a profecia, em sua primeira saudação, ele mesmo se definiu como o Papa "do fim do mundo". Claro está, não se referindo à profecia de Malaquias, mas dando a entender que sua origem não era a Europa, e sim as vastas planícies do Pampa argentino. O primeiro milênio foi o da cristianização da Europa; o segundo implantou o cristianismo na América. O terceiro – e aqui o Papa Francisco terá um protagonismo especial – aponta como uma flecha para a Ásia e a África. Não é por acaso que os dois últimos pontífices viajaram um total de 15 vezes à África, e João Paulo II esteve 13 vezes na Ásia. Em 1910, 6 de cada 10 católicos viviam na Europa; hoje, apenas 2 de cada 10. Certamente, este Papa levará em consideração o potencial das raízes cristãs na Europa, mas sem esquecer que o futuro do cristianismo está em outros continentes.

4. Iniciar uma nova "Reforma".
Tal reforma destacará a capacidade de organização do novo Pontífice. Não me refiro tanto à manuseada reforma da cúria, e sim à preparação intelectual, humana e espiritual de 721.935 religiosos e 412.236 sacerdotes espalhados pelo mundo. Uma tarefa diretamente conectada à eficácia dos maiores responsáveis da Igreja na difusão da mensagem cristã. Como efeito colateral, esta reforma ajudará a acabar com a cauda – o centro do furacão foi a influência da revolução sexual dos anos 60-70 – de algumas pessoas conectadas a desvios sexuais.

5. Injetar na humanidade a ideia de que a luta contra os bolsões de pobreza não é somente um problema de filantropia, mas um verdadeiro impulso divino.
Para esta cirurgia, o Papa está especialmente preparado. Não tanto pelos seus sinais externos (viagens em transporte público, origem humilde etc.), mas pela sua visão teológica do mundo. Ele entende a atenção da Igreja ao mais necessitado não como problema de "ONG filantrópica" – usando suas palavras –, mas como uma questão de verdadeira justiça social. Na Missa de inauguração, ele explicou a necessidade de proteger a criação como " guardar as pessoas, cuidar carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do nosso coração. É cuidar uns dos outros na família: os esposos guardam-se reciprocamente, depois, como pais, cuidam dos filhos, e, com o passar do tempo, os próprios filhos tornam-se guardiões dos pais".

6. Iniciar uma nova evangelização, na qual o núcleo da ação resida mais nas bases que na cúpula.
Este é o papel dos leigos na Igreja. A atuação em praça pública, na vida política, econômica e social dos povos é a grande tarefa dos cristãos. O novo Papa não está sozinho. Ele é a cabeça de um corpo espiritual muito amplo. O importante agora não é tanto a artilharia pesada ou as grandes frotas oceânicas. Pelo contrário, trata-se de incentivar e impulsionar essa infantaria leve (se me permitem a comparação), composta por 1.200 milhões de católicos espalhados pelo mundo.

7. Aumentar a unidade na Igreja.
Mantendo a riqueza das diversas perspectivas, logicamente. Na história da Igreja, a unidade foi um tema prioritário na agenda dos 265 pontífices que precederam o Papa Francisco. Não é um tema novo nem algo simplesmente conectado a possíveis conflitos na cúria. É algo mais profundo, unido à inevitável fraqueza humana. As dissensões começaram ainda com a figura de Cristo fresca entre seus discípulos. As chamadas de atenção de Pedro e Paulo eram frequentes. Os cismas, heresias e choques de personalidade deixaram sombras fortes no quadro. É preciso superar esses perigos por elevação, ou seja, alinhando as diversas sensibilidades rumo ao objetivo comum da nova evangelização.

8. Promover o diálogo inter-religioso.
Ele provavelmente terá de conseguir, como primeiro objetivo, a viagem a Moscou, tantas vezes frustrada por resistências externas da Igreja Ortodoxa. Depois, continuar o caminho do diálogo com os anglicanos, evangélicos e luteranos. Sem esquecer dos judeus e do imenso mundo do islã. De fato, o Papa Francisco parece ter os hebreus bem perto do seu coração. Assim que foi eleito, expressou seu desejo de contribuir para o progresso das relações entre judeus e católicos, em uma carta dirigida ao chefe da comunidade hebraica de Roma. O ecumenismo não é simplesmente uma questão de coexistência pacífica, mas, em palavras do então cardeal Bergoglio: "Não só a cidade moderna é um desafio, mas sempre foi, é e será toda cidade, toda cultura, toda mentalidade e todo coração humano" (25 de agosto de 2011).

9. Nomear bons colaboradores.
Naturalmente, o primeiro conselheiro do Pontífice é Deus – o que nos dá bastante tranquilidade. Mas os bons colaboradores humanos são importantes também. Francisco não poderá se esquecer da ampla descentralização do governo eclesiástico, apesar da sua coordenação com o governo central. Todo o mundo da comunicação e transparência vaticanas exigirá também uma especial atenção do Papa. Hoje, dominar a técnica midiática é necessário para recuperar, por exemplo, a imagem deteriorada de uma Igreja manchada por escândalos – reais ou aparentes – que se retransmitem na velocidade da luz por canais que formam uma opinião pública. Neste momento, os 4 milhões de seguidores do Papa no Twitter, por exemplo, supõem um interesse midiático inusitado.

10. Promover a causa da paz e da justiça no mundo inteiro.
É preciso começar com a primeira das liberdades, que é a religiosa. Não se trata somente de deter essa espécie de cristofobia que está produzindo em diversos lugares do mundo uma hostil perseguição anticristã. É preciso despertar nas religiões a potencialidade que possuem para ajudar a paz no mundo. Nas diversas tradições religiosas, há recursos importantes, nem sempre aproveitados, para resolver os conflitos mundiais.

Naturalmente, existem outros muitos desafios, por exemplo, a família, a proteção da vida e a coordenação entre as funções dos dicastérios da Igreja. Mas estabelecer prioridades é básico em um trabalho de governo. O Papa Francisco deverá abordá-las, sabendo que a primeira regra é lembrar que: buscar não incomodar ninguém leva invariavelmente a incomodar todo mundo.

(Rafael Navarro-Valls é catedrático, acadêmico e autor de "Entre o Vaticano e a Casa Branca")

Tags:
PapaPapa Francisco
Apoiar a Aleteia

Se você está lendo este artigo, é exatamente graças a sua generosidade e a de muitas outras pessoas como você, que tornam possível o projeto de evangelização da Aleteia. Aqui estão alguns números:

  • 20 milhões de usuários no mundo leem a Aleteia.org todos os meses.
  • Aleteia é publicada diariamente em sete idiomas: inglês, francês,  italiano, espanhol, português, polonês e esloveno
  • Todo mês, nossos leitores acessam mais de 50 milhões de páginas na Aleteia.
  • 4 milhões de pessoas seguem a Aleteia nas redes sociais.
  • A cada mês, nós publicamos 2.450 artigos e cerca de 40 vídeos.
  • Todo esse trabalho é realizado por 60 pessoas que trabalham em tempo integral, além de aproximadamente 400 outros colaboradores (articulistas, jornalistas, tradutores, fotógrafos…).

Como você pode imaginar, por trás desses números há um grande esforço. Precisamos do seu apoio para que possamos continuar oferecendo este serviço de evangelização a todos, independentemente de onde eles moram ou do quanto possam pagar.

Apoie Aleteia a partir de apenas $ 1 - leva apenas um minuto. Obrigado!

PT300x250.gif
Oração do dia
Festividade do dia





Envie suas intenções de oração à nossa rede de mosteiros


Top 10
Ver mais
Boletim
Receba Aleteia todo dia