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Venezuela: idolatria e política

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Rafael Luciani - publicado em 08/04/13
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Preâmbulo político-ideológicoO chamado "socialismo do século XXI" não aparece nos artigos da Constituição vigente, aprovada em 1999. Trata-se de uma tentativa de imposição de um sistema político neototalitário denominado como "Revolução Bolivariana". Em dezembro de 2007, este sistema foi rejeitado nas eleições realizadas para aprovar ou não o projeto de reforma da Constituição. No entanto, ele foi possível até agora devido ao controle político e econômico que o Executivo exerce sobre os diversos poderes e órgãos nacionais.
 
Ainda que se reconheça que o governo criou importantes programas sociais, é verdade que, ao invés de libertar e fazer que os pobres sejam sujeitos autônomos, tornou-os mais dependentes do que o próprio governo pode lhes oferecer.
 
Há 5 grandes eixos operativos deste sistema: a) A centralização do poder político e econômico no Executivo, afetando os processos de descentralização que já existiam no país por meio das prefeituras municipais e governos estatais; b) A estatização de empresas e propriedades privadas; c) O controle cada vez maior da mídia por meio da autocensura e pesados encargos fiscais; d) A orientação socialista nos conteúdos do novo currículo de estudo oferecido pela educação pública; e) A ideologização das Forças Armadas como entidade revolucionária orientada ao sustento e apoio do projeto ideológico. A isso se une um novo fenômeno, depois da morte de Chávez. Trata-se de um novo modelo de messianismo político que se traduz em práticas religiosas idolátricas, que são usadas como ferramenta política pelos seguidores atuais do falecido presidente para reconquistar o poder, fazendo uso de crenças e práticas religiosas populares.
 
A adição de práticas religiosas ao messianismo político
 
É preciso recordar que a condição política do cristão não pode ser idolátrica, como tampouco ideológica. Não é excludente porque se sustenta na fraternidade solidária e não violenta de Jesus, na qual todos são filhos de Deus e irmãos, antes de serem filhos da pátria ou camaradas do processo (Col 3, 11). Certamente, isso passa por um compromisso pessoal com o desenvolvimento de todo o sujeito humano e de todos os sujeitos, independentemente da sua posição ideológica, econômica ou religiosa (Lc 6, 27-27.35). Isso é algo que o socialismo do século XXI não aceita, quando chama de traidor todo aquele que não adere a ele. Há inclusive listas, como a denominada "Lista Tascón", que impediu o acesso de críticos do governo a benefícios públicos, como emprego ou empréstimos, em instituições do Estado.
 
Ao fenômeno sociopolítico dos messianismos ocidentais une-se hoje um elemento pseudorreligioso novo: o que pretende converter uma figura do poder político em objeto de culto e submissão religiosa. Este é o caso do falecido presidente Hugo Chávez, a quem o atual presidente da nação, Sr. Maduro, jurou, em nome de todos os seus seguidores, adesão absoluta, inclusive depois da sua morte, e chamou de "Cristo dos pobres". Usou todas as analogias possíveis com a linguagem cristã. Chama a si mesmo de discípulo, reza um credo a Chávez e, como em toda religião, diz ter tido uma revelação de Chávez em forma de "passarinho/pomba", que lhe falou como ao seu escolhido. Deixando de lado o aspecto ridículo, é preciso ver o imaginário religioso e o uso dos símbolos, muito bem escolhidos, como estratégia que pretende reinventar a forma de falar e fazer política em meios populares.
 
A única pretensão destes discursos e gestos – que, aparentemente, parecem estranhos à mentalidade moderna – é a de dar continuidade no poder a um regime político que dependia exclusivamente da palavra e da imagem de um só homem: Hugo Chávez. Para isso, faz-se uso das consciências e das crenças religiosas dos mais pobres e necessitados, apoiando-se em imensas quantidades de dinheiro que o Estado venezuelano possui, bem como na assessoria estratégica do governo cubano.
 
Este novo fenômeno de culto pós-morte a uma figura política funde elementos próprios das crenças indígenas, bruxaria, misturados com celebrações eucarísticas e orações comunitárias presididas por membros da comunidade católica e de outras confissões religiosas. Ainda contando com poucos membros do clero católico, é interessante ver como um bispo e um religioso jesuíta que apoiam diretamente o governo na mídia não se pronunciaram sobre este fenômeno que gerou uma verdadeira idolatria. Onde está a sua verdadeira fidelidade? Em ser seguidores de Cristo e apóstolos da fé ou em funcionar como legitimadores religiosos de um regime ideológico?
 
Ainda que um governo ganhe pelos votos, é preciso avaliar o oportunismo econômico e político do qual faz uso, sem controle algum, para acabar com toda forma de oposição ou alternativa. Uma prática política não é moralmente verdadeira quando promove discursos e atitudes de desintegração social, exclusão de grupos e manipulação de consciências, gerando cultos idolátricos aos seus líderes e declarando-lhes adesão eterna. É aqui que uma sociedade mede seu verdadeiro talante humano, bem como sua fé. Como ensinou Jesus: "Um é o vosso Mestre e todos vós sois irmãos" (Mt 23, 8). Não existem dois Senhores.
 

Rafael Luciani
Doutor em Teologia Dogmática
rluciani@ucab.edu.ve
@rafluciani

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