Quem são os Padres da Igreja? Por que são chamados assim? Por que a Igreja dá tanta importância à sua vida e obra, se eles viveram há tantos séculos, quando o contexto era muito diferente do de hoje?
Santos dos primeiros séculos que, com sua fé e seus ensinamentos, deram forma à Igreja.
Eminentes cristãos que, com sua fé e seus ensinamentos, geraram e formaram a Igreja durante os primeiros séculos. Hoje, permanecem como bússola segura e fonte generosa para os católicos e demais cristãos.
Foram um numeroso e distinto grupo de verdadeiros pastores que conduziram fielmente os cristãos dos primeiros séculos com a força da sua palavra e da sua vida de fé, consequente muitas vezes até uma morte heroica: papas como Clemente Romano (quem, segundo o testemunho de São Irineu, conheceu e conviveu com os apóstolos Pedro e Paulo), teólogos como o Doutor da Igreja João Damasceno, monges eremitas como Basílio Magno (que depois foi bispo), místicos como Agostinho de Hipona, mártires como Justino e muitos outros homens cuja doutrina ortodoxa e vida santa foram reconhecidas pela Igreja; santos que irradiavam Cristo e impulsionavam a segui-lo – e que continuam fazendo-o ainda hoje.
“Padres da Igreja são chamados com razão aqueles santos que, com a força da fé, a profundidade e riqueza dos seus ensinamentos, durante os primeiros séculos a geraram e formaram”, escreve o Beato João Paulo II na carta apostólica Patres ecclesiae, publicada em 1980, por ocasião do 16º centenário da morte de São Basílio.
Eles foram para o desenvolvimento da Igreja o que os apóstolos foram para o seu nascimento. Deram forma às instituições da Igreja, à sua doutrina, sua liturgia, sua oração, sua espiritualidade. Estabeleceram o “Cânon completo dos livros sagrados”, compuseram as profissões básicas da fé, precisaram o depósito da fé em confrontações com as heresias e a cultura da época (dando origem, assim, à teologia), colocaram as bases da disciplina canônica e criaram as primeiras formas da liturgia.
Segundo o papa polonês, “Na verdade; foram 'padres' ou pais da Igreja porque deles, mediante o Evangelho, recebeu ela a vida. E também seus construtores, porque deles – sobre o fundamento único colocado pelos Apóstolos, que é Cristo – a Igreja de Deus foi edificada nas suas estruturas fundamentais”.
Nos elementos de consenso entre eles, são reconhecidos como intérpretes fidelíssimos da doutrina que Jesus Cristo pregou.
Geralmente, são agrupados segundo sua procedência (Padres latinos e Padres gregos) e segundo a época em que viveram, em três grandes grupos: os que viveram entre as primeiras comunidades cristãs (até o ano de 313), a seguinte geração (até a metade do século V) e os que viveram posteriormente (até o século VIII).
Os que pertencem à primeira e segunda geração da Igreja, depois dos apóstolos, recebem o nome de Padres apostólicos e mostram como começa o caminho da Igreja na história. Seus escritos refletem diretamente o ensinamento dos apóstolos, como se vê, por exemplo, neste fragmento da carta aos coríntios escrita pelo terceiro sucessor de Pedro, Clemente de Roma: “Unamo-nos, pois, àqueles a quem foi dada a graça da parte de Deus; revistamo-nos de concórdia, mantendo-nos no espírito de humildade e continência, afastados de toda murmuração e calúnia, justificados pelas nossas obras e não pelas nossas palavras”.
Nesta primeira fase, vivem também os Padres apologistas gregos e os mestres da Escola de Alexandria. Entre outros, podemos citar Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Justino Mártir, Irineu de Lyon, Tertuliano, Cipriano de Cartago, Clemente de Alexandria e Orígenes.
A segunda fase se desenvolve entre o Concílio de Niceia (325) e o de Calcedônia (451) e é considerada o século de ouro dos Padres da Igreja. No século IV, com a chegada da paz à Igreja dentro do império romano, cresceu muito o número de cristãos, mas adquiriram força as discrepâncias internas e heresias. Diante delas, muitos Padres da Igreja fizeram valiosas defesas da fé cristã e esclareceram os dogmas trinitários e cristológicos.
No segundo grupo estão, entre outros, Agostinho de Hipona, Hipólito, Gregório Taumaturgo, Júlio o Africano, Dionísio o Grande, Atanásio, Teodoro da Síria, João Crisóstomo, Gregório de Nissa e Jerônimo. Algumas das suas obras se tornaram textos de referência, não somente para os cristãos de qualquer época, mas também para a história da filosofia e a literatura. Milhões de pessoas se identificaram com a admiração de Santo Agostinho diante da grandeza do amor de Deus, ao ler palavras suas como estas: “Chamaste-me, clamaste, quebrantaste a minha surdez; brilhaste e resplandeceste e me curaste a cegueira; exalaste o teu perfume e eu o aspirei, e então te anseio; eu te provei, e agora sinto fome e sede de ti; tu me tocaste, e desejei com ânsia a paz que procede de ti”.
Finalmente, os Padres do terceiro grupo vivem o desmoronamento político da metade ocidental del império romano e a irrupção do islã. Alguns escritores aplicam a doutrina dos grandes Padres anteriores a novas realidades, como a entrada dos povos de origem germânica na atual Europa.
Neste grupo se encontram, entre outros, Gregório Magno, Fulgêncio, Máximo de Turim, Boécio, Casiodoro, Vicente de Lerins, Martinho de Braga, Ildefonso de Toledo e Isidoro de Sevilha, no Ocidente; e Pseudo-Dionísio Areopagita, Romano o Cantor, Máximo o Confessor, Severo de Antioquia, André de Creta, Germano de Constantinopla, Mesrop, Tiago de Sarug e João Damasceno, no Oriente. Este último motivava seus fiéis com estas palavras: “Ele mesmo, o Criador e Senhor, lutou pela sua criatura, transmitindo-lhe seu ensinamento por meio do seu exemplo. (…) Assim, o Filho de Deus, ainda subsistindo na forma de Deus, desceu dos céus (…) até os seus servos (…), realizando a realidade mais nova de todas, a única coisa verdadeiramente nova sob o sol, por meio da qual se manifestou, de fato, o poder infinito de Deus”.
Como no começo, a Igreja continua vivendo com a vida recebida destes Padres e continua se edificando sobre as estruturas formadas por eles. Hoje, continua sendo indispensável conhecer suas vidas e obras.
Eles foram e sempre serão os Padres da Igreja; possuem algo de especial, de irrepetível e de perenemente válido, que continua vivo. Como reconhece João Paulo II, na carta apostólica Patres ecclesiae, “em favor da Igreja de todos os séculos, exercem uma função perene. De maneira que todo o anúncio e magistério seguinte, se quer ser autêntico, deve pôr-se em confronto com o anúncio e o magistério deles; todo o carisma e todo o ministério deve beber na fonte vital da paternidade deles; e toda a pedra nova, acrescentada ao edifício santo que todos os dias cresce e se amplifica, deve colocar-se nas estruturas já por eles postas e a elas soldar-se e ligar-se”. Por isso, a Igreja nunca deixa de voltar aos escritos destes Padres e de renovar continuamente a lembrança deles.
O pensamento dos Padres da Igreja, segundo destaca a “Instrução sobre o estudo dos Padres da Igreja na Formação Sacerdotal”, da Congregação para a Educação Católica, “é exemplo de uma teologia unificada, vivida e amadurecida em contato com os problemas do ministério pastoral; é um ótimo modelo de catequese, fonte para o conhecimento da Sagrada Escritura e da Tradição, assim como do homem total e da verdadeira identidade cristã”.
O documento vaticano destaca que os Padres são testemunhas privilegiadas da Tradição, transmitem um método teológico luminoso e seguro, e seus escritos oferecem uma riqueza cultural e apostólica que os torna grandes mestres da Igreja de sempre.
No entanto, acrescenta, “só manifestam suas riquezas doutrinais e espirituais aos que se esforçam por penetrar em suas profundezas por meio de um contínuo e assíduo trato familiar com eles”.
A Igreja é consciente de que, para continuar crescendo, é “indispensável conhecer a fundo sua doutrina e obra, que se distingue por ser, ao mesmo tempo, pastoral e teológica, catequética e cultural, espiritual e social, de maneira excelente”; e “é propriamente esta unidade orgânica dos vários aspectos da vida e missão da Igreja que torna os Padres tão atuais e fecundos”.
Como ensinava Irineu de Lyon no século II, “para ver claramente hoje, é preciso interrogar a Tradição que vem dos apóstolos”.
Este artigo foi revisado por Enric Moliné, doutor em Teologia e autor do livro “Os Padres da Igreja. Uma guia introdutória” (Ed. Palabra).