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Golpe na República Centro-Africana: “mas quem cuidará dessas crianças?”

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Aleteia Vaticano - publicado em 11/04/13

Testemunho do Padre Jean-Claude Nzembele sobre os últimos acontecimentos no país e as missões católicas

Por Padre Jean-Claude Nzembele

Voltei há pouco da República Centro-Africana, onde toda a população viveu com profundo terror o avanço da rebelião Seleka (que significa “Aliança” em língua sango) para a capital Bangui e o golpe de Estado, com a ocupação do palácio presidencial.

A rebelião

Há sete anos que se fala de grupos rebeldes no norte da República Centro-Africana, mas nunca pensamos que pudessem chegar até a capital.  

Em dezembro, soubemos que todos os rebeldes, junto com os opositores de diferentes partidos políticos, uniram-se com a intenção de chegar a Bangui e tomar o poder. 

Quando faltavam 75 km para eles chegarem à capital, alguns países da África pediram um diálogo entre o presidente Bozizé e todos os demais para evitar um derramamento de sangue.

Houve acordos e alguns rebeldes assumiram postos no governo do país, enquanto os grupos armados permaneciam em suas posições conquistadas. 

Elegeu-se como primeiro-ministro um opositor, e o ministro da Defesa se auto-proclamou presidente no domingo 24 de março, sendo ele o chefe da rebelião Seleka.

Amarga surpresa 

No avanço dos rebeldes, toda a população centro-africana foi surpreendida ao descobrir que muitos deles não eram centro-africanos, mas cidadãos do Chade e do Sudão, com poucos centro-africanos que se uniram a eles durante o caminho. Ao longo do trajeto, eles foram saqueando todas as missões católicas que encontraram, vendendo tudo. Os muçulmanos não foram molestados. Era desconcertante ver como todos os não-muçulmanos eram saqueados e pouco depois encontravam seus bens vendidos aos seus próprios vizinhos muçulmanos.

As missões católicas foram as que mais sofreram. Carros roubados, casas queimadas, profanações, instalações ocupadas por rebeldes. Bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos foram espancados e maltratados, monjas foram expulsas sem poder levar nada de seus conventos.

Tentamos denunciar esta situação à comunidade nacional e internacional. No entanto, foi um grito no deserto.

Entrada dos rebeldes

No domingo de Ramos, às 10h30, os rebeldes entraram na capital. O presidente Bozizé fugiu para Camarões. 

Um grupo de rebeldes se deteve diante da catedral, onde se celebrava a missa. Na saída, os fiéis encontraram os “libertadores” de Seleka. Quem tinha carro teve de entregar a chave, também motos ou bicicletas e o dinheiro que carregavam. Em seguida houve saques de lojas, escritórios e casas. Os primeiros a começar os saques foram os rebeldes. A eles se uniram grupos de jovens sem trabalho, que aproveitaram a ocasião. Houve muitos assassinatos. Muitos fugiram para os povoados vizinhos. Quem sabe quantos morreram afogados enquanto tentavam atravessar o rio Mpoko?

A chegada dos rebeldes foi um momento de terror, sobretudo para os mais pobres. Muitos ainda não retornaram, pois estão com medo, não obstante o convite do novo chefe de Estado para que voltem.

Em depoimento na rádio, o novo presidente se desculpou “com as famílias que perderam algum parente”, definindo essas mortes como “efeitos colaterais” da luta pela libertação.

Missão

Os rebeldes entraram na capital às 10h30. Nós recebemos sua primeira visita às 15h, em nossa missão em Bimbo. Eles eram quatro e se dirigiram diretamente ao depósito. Abriram o armazém e começaram a carregar seu carro com tudo que queriam. Depois pegaram as chaves dos nossos carros e também os carregaram. Em seguida se foram.

No mesmo dia chegaram outros, buscando as mesmas coisas, mas já nos haviam tirado. No dia seguinte aconteceu o mesmo.

Nossa missão continua vazia (atendia 1.200 crianças). Poucos são os que timidamente começaram a retomar suas atividades. Atualmente a República Centro-Africana não tem hospitais, nem remédios, nem escolas. As instalações foram saqueadas.

O presidente deposto, Bozizé, tinha chegado ao poder com um golpe de Estado, realizado por seus próprios interesses e de sua família. 

Agora temos um outro que tomou o poder e o quer manter durante três anos, antes de organizar eleições “livres”.

Com sua chegada, o país retrocedeu 20 anos, levando em conta tudo que foi destruído.

Nesta história aprendi a conhecer melhor algumas pessoas muito especiais, que não abandonaram um dos lugares mais pobres do mundo para voltar à segurança da Europa ou de outro local: os missionários católicos.

Alguns ministérios exteriores me contataram para repatriar os missionários. Entre as negativas de fuga que os missionários me deram, tendo ao fundo o barulho dos tiros, eu escutava: “Mas quem cuidará dessas crianças? Elas não têm ninguém”.

Testemunho do padre Jean-Claude Nzembele

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