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Véu islâmico: símbolo religioso, tradição cultural ou instrumento de discriminação?

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María Angeles Corpas - publicado em 14/05/13

Seu uso gera um forte debate, tanto no Ocidente como nos países muçulmanos

O véu no islã vai além do âmbito da tradição indumentária. O uso desta peça feminina possui um rico valor simbólico. O aspecto exterior da mulher constitui uma linguagem não verbal que codifica mensagens muito variadas. Remete a questões cruciais, como sua identidade originária, crença religiosa, ambiente familiar e status social.

Nos países muçulmanos, o véu alude à transformação do seu papel como pilar para a reprodução da família muçulmana tradicional. No Ocidente, esta polissemia do véu é foco de polêmicas que dizem respeito à capacidade da islã para relacionar-se com a modernidade; e ao seu papel como precipitante de transformação das estruturas do Estado.

O uso do véu é um mandato corânico cuja função é mostrar correspondência entre o aspecto exterior e a crença interior; é uma forma de identificar e proteger a mulher muçulmana. Daqui se desprende um conceito de mulher muçulmana ideal. Este recato externo deve ser coerente com uma atitude comprometida de crente fiel. Não deve se tornar uma imposição. Velar-se é uma decisão livre.

A partir disso, pode-se deduzir que esta opção incorpora a mulher muçulmana a um espaço social integrado, em consonância com uma série de valores religiosos e culturais determinados. Existem elementos comuns derivados do islã, como crença e civilização, bem como outros muitos de caráter particular, condicionados por fatores históricos, plurais e em constante movimento.

Por outro lado, caberia aduzir que esta abordagem ideal de uma mulher muçulmana crente, coerente e livre não exclui a existência de fortes limitações para o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

O obstáculo não radicaria no fato religioso em si, mas em sua instrumentalização para perpetuar um modelo social refratário a uma evolução positiva e natural da figura feminina. Historicamente, nos países de maioria muçulmana, o traje tradicional feminino fez parte do costume, sem que surgisse o debate do seu uso como uma opção.

Durante o século 20, chegou a influência do feminismo ocidental, incidindo nesta questão, e a mulher muçulmana tentou adaptar este discurso às suas diversas realidades. Em particular, rejeitando o imobilismo de estruturas político-sociais de corte patriarcal, enfrentadas diametralmente à modernidade. Daí a rejeição do véu como imposição de um papel predeterminado e inamovível.

Atualmente, muitas mulheres se encontram presas em um fogo cruzado de pressões contraditórias. Por um lado, os potentes movimentos de reislamização, que lhes negam o direito de exercer um papel cada vez mais ativo e autônomo. Por outro, a poderosa influência ocidental, que chega pela mídia e importa modelos alheios à sua tradição.

Esta tensão exige equilíbrios difíceis de conciliar. Empreender livremente o caminho rumo à modernidade, de forma respeitosa com a sua identidade, é o desafio das novas gerações, que buscam suas próprias referências.

As legislações democráticas foram incorporando sucessivas "gerações" de direitos fundamentais. A primeira, de caráter civil e político; a segunda, relacionada ao reconhecimento de aspectos culturais, sociais e econômicos; e uma terceira, referida à proteção da intimidade e solidariedade.

A questão do véu remete tanto a direitos individuais como comunitários. Igualmente, confronta fatores de base religiosa com outros de natureza cultural.

O direito à liberdade de consciência do indivíduo deve ser conciliado com um modelo de Estado definido pelo tratamento igualitário de todos os cidadãos e confissões. Um lugar em que podem colidir os princípios personalista e institucionalista do direito é a presença de símbolos religiosos no espaço público.

Por exemplo, o modelo secular francês, inaugurado em 1905, defende uma separação estrita entre o público e o religioso, entendido como assunto privado. Em outros casos, abriu-se a possibilidade de cooperação do Estado com as confissões, reconhecendo-lhes seus valores e arraigo social.

No entanto, nenhum dos sistemas jurídicos evitou que a presença dos símbolos religiosos gerasse polêmicas recorrentes. Nesta linha, discutiu-se a existência de cerimônias religiosas de Estado, a assistência de cargos políticos a atos confessionais, a presença do crucifixo nas escolas públicas e o uso do véu.

Como exposto até agora, o Estado deve aplicar os princípios jurídicos sobre a liberdade de consciência em uma regulação prática da presença dos símbolos religiosos no espaço público. Um mandato complexo entre a neutralidade e o reconhecimento de direitos. Acima de outros âmbitos, como o trabalhista, o cenário privilegiado da polêmica sobre o véu foi o ensino.

A escola é um instrumento de difusão dos valores cidadãos compartilhados, especialmente sensível a pressões diversas. A proibição de todo tipo de símbolos provocou reações que a consideram discriminatória.

É uma questão recorrente na França, por exemplo, desde a expulsão de Fátima, Leila e Samira do seu colégio em Creil, em 1989, até a lei 2004-228 sobre símbolos ostensíveis. De maneira oposta, uma permissividade total geraria uma utilização discriminatória destes sinais externos.

Em um campo intermediário, entre permitir tudo e proibir tudo, surge a dificuldade de que autoridade é competente para regular isso. Na Espanha, os diversos conselhos escolares tiveram de decidir sobre este assunto com polêmicas como a de Fátima, no colégio de El Escorial, em 2001.

A chave reside na consideração do véu como direito religioso ou mera tradição cultural. Como em todo conflito entre interpretações dos direitos fundamentais, é difícil encontrar uma solução satisfatória para os diversos agentes envolvidos.

Poderíamos concluir que o véu é uma questão significativa porque trata de grandes debates do presente. Entre eles, a imagem do islã imigrado na Europa e seu grau de integração e compatibilidade com os sistemas jurídicos ocidentais.

Da mesma maneira, apela à construção de comunidades islâmicas minoritárias e seu papel como catalisadores na mudança da regulação estatal do fato religioso.

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Referências:

CORPAS AGUIRRE, M. A.: Las Comunidades Islámicas en la España actual (1960-2008). Génesis e institucionalización de una minoría de referencia, UNED, Madrid, 2010.

CORTÉS, J. (ed. y trad.): El Corán, Herder, Barcelona, 1986.

ELMOKADEM, ISMAIL (dir.): “El Pop islámico”,

Producción ZDF / ARTE, 2011, emitido por Documentos TV, RTVE, 10-II-2013, en:http://www.rtve.es/television/20130204/documentos-pop-islamico/606551.shtml

KALTENBACH, J.-H. y TRIBALAT, M.: La République et l’Islam, Gallimard, París, 2002.

AA. VV.: Diccionario del IslamReligión y cultura, Monte Carmelo, Burgos, 2006.

GALINDO AGUILAR, E. (dir.): Enciclopedia del Islam, Darek-Nyumba, Madrid, 2004.

MERNISSI, F.: El miedo a la modernidad: Islam y democracia, ediciones del Oriente y del Mediterráneo, Sevilla, 2003.

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