Você não matou, não roubou... Mas o que está fazendo em relação aos outros mandamentos, ao verdadeiro amor a Deus e ao próximo?
Uma frase muito comum, pronunciada com diferentes variações por clérigos e leigos, tem distorcido a doutrina católica e minado a fé de muitas almas: "Para chegar ao céu, tudo o que importa é que você seja boa pessoa".
É claro que há verdade nesta afirmação. Para ser contado entre os bem-aventurados no céu, você deve ser bom. Mas esta é uma meia-verdade, o que a torna perigosa. Essa crença, que eu gosto de chamar de "heresia da boa pessoa", contém dois erros teológicos graves: intencionalmente distorce o significado de "bom" e deliberadamente exclui a fé em Cristo como o caminho para o céu.
Muitas das heresias e erros teológicos são moldados pela idade e cultura em que surgem, e a teoria contemporânea da boa pessoa que vai para o céu não é exceção. Atitudes relativistas e indiferentes em relação à religião e crença, a perda do sentido do pecado, uma incapacidade e falta de vontade para aceitar determinadas ações como erradas, bem como uma compreensão equivocada sobre julgar as ações e pessoas são fatores que contribuíram para a formação desta heresia perniciosa.
O que é, então, uma "boa pessoa", segundo esta visão? É alguém que não tenha cometido assassinato ou roubo, e que geralmente se dá razoavelmente bem com os seus vizinhos e colegas. Em outras palavras, quem não é um criminoso condenado parece estar entre as "boas pessoas" a quem São Pedro terá todo o prazer de abrir as portas do céu quando chegar a sua vez, independentemente do fato de ter adorado Deus ou violado qualquer um dos outros oito mandamentos.
Isso pode parecer hiperbólico, mas é a atitude trágica de muitos católicos não catequizados das últimas gerações. Sabemos que Deus é amoroso e misericordioso, mas não há necessidade de perdão – e não há necessidade da agonia na cruz e do sacrifício da Missa – se não nos reconhecemos como pecadores que agiram mal e procuram tornar-se melhores, pela graça de Deus.
Dando por descontado que somos bons, sem uma compreensão correta de Deus, da moralidade e de todos os dez mandamentos, nós nos tornamos culpados de outro pecado que também foi esquecido: o pecado da presunção.
Uma boa pessoa presumivelmente realiza boas ações, e essas ações nos abrem para a salvação de Deus, uma realidade que se manifestou para os contemporâneos de Jesus. Mas a lição de Cristo é clara, como vemos no caso do jovem rico: a obediência a todos os mandamentos é uma condição sine qua non para ser bom e entrar no céu.
Nós não estamos autorizados a cumprir apenas os mandamentos que quisermos, nem podemos extrapolar certas ações da sua essência, pensando: o assassinato é errado, mas o aborto é uma escolha pessoal; o adultério para os casados é errado, mas a fornicação e coabitação entre os jovens fazem parte do desenvolvimento; o perjúrio é errado, mas mentir em uma entrevista de emprego é necessário para competir no mercado de trabalho.
As parábolas contadas por Jesus mostram como a Antiga Aliança dos mandamentos é cumprida, não abolida, com a Nova Aliança do amor de Cristo. As proibições do Decálogo são reformuladas em mandamentos positivos para amar a Deus e ao próximo. A obediência não é opressão, é o caminho para a realização, a felicidade e a verdadeira bondade.
Por definição, portanto, só podemos ser bons com Deus. Isso expõe o outro erro da "heresia da boa pessoa": que a crença em Deus e seu Filho encarnado não é necessária para a salvação. As páginas das Escrituras são muito claras sobre a centralidade de Jesus Cristo como o caminho para o céu: "Não há salvação em nenhum outro, pois não existe debaixo do céu outro nome dado entre os homens pelo qual devamos ser salvos" (Atos 4, 12).
É verdade que a Igreja ensina que os que não conhecem Cristo e sua Igreja podem alcançar o céu, mas sua salvação é concedida por meio da Graça (Lumen Gentium, 16), mesmo que essas pessoas não sejam conscientes disso. O próprio Concílio Vaticano II ensina também que os católicos que deixam de perseverar na Graça não só poderão não serão salvos, mas também serão severamente julgados (Lumen Gentium, 14).
"Muitas vezes, os homens, enganados pelo demônio, desorientam-se em seus pensamentos e trocam a verdade de Deus pela mentira, servindo a criatura de preferência ao Criador" (Lumen Gentium, 16).
A ideia da "boa pessoa" pode não ser uma heresia no sentido canônico, mas certamente tem um efeito de heresia: ela distorce os ensinamentos de Cristo e da Igreja, e isso leva as pessoas ao perigo moral e espiritual.
Ao considerar a salvação e a verdadeira boa pessoa, "devemos obedecer a Deus e não aos homens" (cf. Atos 5, 29).
(Artigo originalmente publicado em "The Catholic Thing" e reproduzido com autorização)