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A Igreja deve ter poder e bens temporais?

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Chiara Santomiero - publicado em 15/07/13

Conversa Andrea Leonardo, autor de um livro sobre a origem do poder temporal da Igreja, para entender melhor o momento atual

Os constantes convites do Papa Francisco a todos os cristãos a adotar um estilo evangélico de vida, seguindo o ideal de pobreza e sobriedade, voltam a nos propor o tema do uso dos bens materiais e do poder da Igreja também como instituição. Mas o que houve na origem do "poder temporal" da Igreja?

Sobre este tema pouco conhecido (e esclarecendo aspectos como a falsa história da chamada "doação de Constantino"), fala o livro "O poder necessário. Os bispos de Roma e o governo temporal, de Sabiniano a Zacarias", de Andrea Leonardo, diretor do departamento catequético da diocese de Roma, quem conversou com a Aleteia sobre seu livro.

O poder temporal da Igreja não nasce da doação de Constantino. E então?

Poderíamos dizer que houve uma necessidade histórica. Em um momento muito difícil para a Itália, a Igreja assumiu uma responsabilidade quase sem perceber. Por volta do ano 700, o imperador de Constantinopla, cabeça de todo o império romano, estava muito ocupado com a luta contra os árabes que assediavam a capital para responder às petições de Roma, ameaçada, por sua vez, pelos lombardos.

Frente a esta impossibilidade, o Papa da época se encontrou diante da responsabilidade de alimentar a população e defender os muros; e foi ele quem protestou ao rei lombardo pela ocupação de cidades como Sutri, Narni, Sora, Cesena, Ravena. Por ocasião da tomada desta última, uma cidade belíssima à qual o Papa Francisco sempre se refere, afirmou que "estas são nossas ovelhas que estão doentes e o pastor deve cuidar delas".

O imperador não conseguiu defender Ravena e, em 751, o Papa foi até lá a pé para protestar contra a ocupação lombarda. Em 754, o Papa Estêvão II inclusive atravessou os Alpes a pé e chegou a Reims para pedir o apoio da corte franca, depois que o rei lombardo se negou a restituir as terras retiradas do império. Lentamente, a população se reuniu em torno do Pontífice como o verdadeiro responsável civil.

Este processo leva a um efeito colateral do que hoje chamamos de "laicidade do Estado", não é mesmo?

Até Constantino, o imperador também era pontifex maximus, ou seja, o imperador romano era o primeiro dos sacerdotes; quando havia um culto, era ele quem o presidia; e todo o povo devia seguir o culto ao imperador.

Mudando-se para Constantinopla, Constantino carregou consigo o título de imperador e de pontífice, mas, pouco a pouco, não chegou a exercer o de sacerdote máximo, porque, de fato, deixou esta tarefa para o Papa.

O imperador tentava se impor em Roma do ponto de vista teológico – por exemplo, durante a crise iconoclasta que ocorreu no período em que surgiu o poder temporal –, mas no final foi Roma quem venceu, rejeitando a destruição dos ícones, porque estava nos planos de Deus.

No final deste período, os dois poderes – do Pontífice e do imperador – ficam totalmente separados: o poder temporal em Constantinopla e o poder espiritual em Roma – este, de certa forma, é também um pequeno poder temporal, porque o bispo de Roma era então o responsável pela administração da cidade.

Sem este papel do Papa e da Igreja, não existiria a história europeia como nós a conhecemos?

A viagem de Estêvão II a Reims foi decisiva, não só para Roma, mas também para toda a Europa e seu desenvolvimento histórico e cultural. Para impedir os lombardos de anexar Roma depois de Ravena, o Papa pediu ajuda aos francos e a referência política se transladou dos bizantinos ao imperador dos francos: tudo o que era o império romano se colocou sob a autoridade de Carlos Magno.

A isso se acrescentou a obra de evangelização que o Papa levou a cabo entre as populações bárbaras do norte da Europa, por meio do envio de missionários aos anglos e saxões.

Possuir bens e exercer um poder é contrário ao Evangelho?

Não. É evidente que o Papa de então possuía estes bens para prestar um serviço à população: sem este poder temporal, Roma teria destruído sua história latina herdada de milênios.

É interessante observar que o próprio São Francisco de Assis concordava com o poder temporal da Igreja. Ele fundou a Terceira Ordem Franciscana para esclarecer que, ainda que os franciscanos não devam possuir bens, isso não vale para os esposos cristãos, que devem tê-los pelo bem dos filhos.

Pio XI assinou a concordata com o Estado italiano no século passado, afirmando que "o Papa, para ser livre e não estar submetido a um domínio, precisa de um Estado, o menor possível, que permita isso".

Graças a isso, em 1944, o Estado Vaticano teve autonomia diante dos nazistas e abrigou 800 refugiados. Este fato demonstra que o fato de o Papa ter um território e seus bens colocados ao serviço da caridade é proveitoso para a obra que ele deve levar a cabo.

Qual é o limite entre dar ao César e dar a Deus?

A possessão de bens não significa – como ocorreu em alguns momentos da história – dedicá-los a um uso errôneo, mas à ajuda e ao apoio. Também Jesus aceitou que algumas mulheres oferecessem seus bens para a sua missão.

No ano 200, as catacumbas de Calisto eram propriedade da Igreja de Roma, porque o objetivo era sepultar seus mortos, pobres e ricos juntos: um paradoxo tipicamente romano, já que o cristianismo era perseguido de forma oficial e, no entanto, sobre isso, o imperador fazia vista grossa.

A Igreja precisa de estruturas para o acolhimento, para a catequese, para o serviço do Evangelho. Uma paróquia está aberta a todos, também aos ateus e às pessoas de outra religiões.

Ratzinger, em "Introdução ao cristianismo", escreve que, se Deus tivesse querido nos salvar sozinhos, não haveria necessidade de nenhuma estrutura; mas, como somos seres sociais, Deus quis nos salvar juntos, e isso nos obriga a ter sinais e lugares onde nos encontrar.

A Eucaristia nos reúne e, para celebrá-la, precisamos de um espaço. A Igreja realizou lentamente a criação de catacumbas, batistérios, a construção de Igrejas, hospitais, escolas, universidades, estruturas para acolher os refugiados, porque não existe apenas uma caridade espiritual, não existe uma fé que não se torna também um sinal tangível.

É preciso que sejam lugares sóbrios, como nos indica o Papa Francisco, que elogiou o Pe. Estêvão, pároco de Lampedusa, quem, por meio da sua comunidade, faz o bem a quem chega à ilha em busca de uma vida melhor. A estrutura é necessária quando se quer oferecer uma ajuda que contribua para a realidade do ser humano.

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