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A opção pelos pobres no contexto do século XXI

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 24/07/13

Francisco nos lembra que a opção pelos pobres é um caminho espiritual e de ação solidária, um caminho que sempre terá implicações políticas

A opção pelos pobres, característica marcante da Igreja latino-americana, voltou a ganhar destaque na mídia em função dos gestos e palavras do papa Francisco. É bem verdade que o papa não tem usado esta expressão em seus discursos e pronunciamentos oficiais, mas a “opção pelos pobres” não deixou de estar longe de seu coração e de sua mensagem desde que ouviu, no Conclave, a exortação de Dom Cláudio Hummes para “não se esquecer dos pobres”, como o próprio papa fez questão de contar.

Mas qual o significado da “opção pelos pobres” no contexto do século XXI? A Igreja sempre conviveu com esta opção, tanto na figura daqueles que se fizeram pobres para seguir a Cristo quanto na atenção que os cristãos sempre dedicaram aos mais pobres – como atestam as grandes obras sociais construídas ao longo da história da Igreja. Mas novos tempos sempre exigem uma renovação dos grandes princípios da tradição cristã, para que estes possam ser compreendidos e vividos de forma efetiva em cada ocasião.

Já se aguarda com ansiedade uma encíclica de Francisco sobre a pobreza, mas podemos encontrar muitas referencias importantes sobre este tema nos pronunciamentos do papa que quer uma Igreja “pobre e para os pobres”. Vejamos algumas destas palavras e procuremos entender o que dizem para todos nós hoje.

Falando às participantes da Assembleia da União Internacional das Superioras-Gerais, o papa disse: “A pobreza como superação de todos os egoísmos, na lógica do Evangelho que ensina a confiar na Providência de Deus. Pobreza como indicação a toda a Igreja de que não somos nós que construímos o Reino de Deus, não são os meios humanos que o fazem crescer, mas é essencialmente o poder, a graça do Senhor que age através da nossa debilidade. ‘Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que a minha força se revela totalmente’, afirma o Apóstolo das nações (2 Cor 12, 9). Pobreza que ensina a solidariedade, a partilha e a caridade, e que se exprime também numa sobriedade e alegria pelo essencial, para vigiar contra os ídolos materiais que ofuscam o sentido autêntico da vida. Pobreza que se aprende com os humildes, os pobres, os doentes e quantos vivem nas periferias existenciais da vida. A pobreza teórica não nos é útil. Aprendemos a pobreza se tocarmos a carne de Cristo pobre nos humildes, pobres e doentes e nas crianças” [8 de maio de 2013].

Nestas palavras entendemos o que o Santo Padre quer dizer quando se refere a uma “Igreja pobre”, mas também entendemos que o convite à pobreza é feito a cada um de nós: uma pobreza que não exclui o despojamento em relação aos bens materiais, mas que é principalmente entrega e confiança total em Deus. Esta pobreza, digamos assim, “positiva” nos leva à solidariedade, à partilha e à caridade para com aqueles que sofrem outro tipo de pobreza, esta “negativa”: aquela que nasce da injustiça, da exclusão e do egoísmo, que leva à dor, ao sofrimento e ao não reconhecimento da dignidade da pessoa.

E como os cristãos são chamados a esta ida ao encontro ao empobrecido, ao excluído, ao que sofre? O papa Francisco deu uma bela resposta a esta pergunta no seu encontro com os movimentos eclesiais, num pronunciamento que vale muito a pena ser lido. Na ocasião disse: “Se sairmos de nós mesmos, encontramos a pobreza. Hoje… – dizê-lo faz doer o coração – hoje encontrar um sem-teto morto de frio não é notícia. Hoje é notícia, talvez, um escândalo. Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que muitas crianças não terão que comer não é notícia. Isto é grave; sim, grave! Não podemos ficar tranquilos! Bem! As coisas estão assim. Não podemos tornar-nos cristãos engomados, aqueles cristãos demasiado educados que falam de coisas teológicas enquanto tomam o chá, tranquilos. Isto não! Devemos tornar-nos cristãos corajosos e ir à procura daqueles que são precisamente a carne de Cristo, aqueles que são a carne de Cristo! […] Quando, na diocese anterior, ia confessar, vinham as pessoas e eu sempre lhes fazia esta pergunta: ‘Dá esmolas?’ ‘Sim, padre!’ ‘Muito bem!’ Mas fazia-lhe mais duas: ‘Diga-me, quando dá esmola, fixa nos olhos aquele ou aquela a quem dá a esmola?’ ‘Bem, não sei, não me dou conta’. Segunda pergunta: ‘E quando dá esmola, toca a mão da pessoa a quem dá a esmola ou lança-lhe a moeda?’ Este é o problema: a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo, assumir este sofrimento pelos pobres. A pobreza, para nós cristãos, não é uma categoria sociológico, filosófica ou cultural. Não! É uma categoria teologal. Diria que esta é talvez a primeira categoria, porque aquele Deus, o Filho de Deus, humilhou-se, fez-se pobre para caminhar conosco ao longo da estrada. E esta é a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que nos trouxe o Filho de Deus com a sua Encarnação. A Igreja pobre para os pobres começa pelo dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na carne de Cristo, começamos a compreender qualquer coisa, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isso não é fácil!” [18 de maio de 2013].

Mas que ninguém entenda esta como uma postura espiritualista, ingênua com relação aos aspectos políticos e econômicos ligados à pobreza: “Eis então a exigência de ‘reconsiderar a solidariedade’ não já como simples assistência aos mais pobres, como reconsideração global de todo o sistema, como busca de vias para o reformar e corrigir de modo coerente com todos os direitos fundamentais do homem, de todos os homens. A crise atual não é só econômica e financeira, mas afunda as raízes numa crise ética e antropológica. Seguir os ídolos do poder, do lucro, do dinheiro, acima do valor da pessoa humana, tornou-se norma fundamental de funcionamento e critério decisivo de organização. Esquecemo-nos no passado e ainda hoje que acima dos negócios, da lógica e dos parâmetros de mercado, estão o ser humano e algo que se deve ao homem enquanto homem, em virtude da sua dignidade profunda: oferecer-lhe a possibilidade de viver dignamente e de participar de modo ativo do bem comum. Bento XVI recordou-nos que qualquer atividade humana, também a econômica, precisamente porque humana, deve ser articulada e institucionalizada eticamente (cf. “Caritas in veritate”, 36).

Estas transformações políticas e econômicas devem ser repensadas e estudadas para o contexto dos tempos atuais. Não é mais possível esperar uma revolução utópica que, de um momento para o outro, realize plenamente a justiça social. Hoje em dia temos claro que a justiça social é fruto de um longo processo de lutas e transformações. Também não podemos que um Estado centralizador e autoritário implante políticas públicas voltadas ao bem comum, sabemos que estas políticas só serão possíveis com a cooperação e integração entre a sociedade organizada e o Estado. E assim por diante…

Francisco nos lembra que a opção pelos pobres é um caminho espiritual e de ação solidária, um caminho que sempre terá implicações políticas, um caminho de “imitação de Cristo”.

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