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JMJ: há vagas para quem não acredita?

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E. Chitolina - publicado em 25/07/13

Para acreditar livremente no que quer que seja (ou no que quer que não seja), é necessário usar a razão

Se os conteúdos da fé religiosa fossem cientificamente demonstráveis, a própria fé não existiria. Fé, afinal, em sentido amplo, é justamente o ato de acreditar, de dar crédito a possibilidades das quais não há provas empíricas. Existe vida fora da Terra? Existiu a civilização de Atlântida? É possível a telepatia? O ser humano é o ápice da evolução? Existe Deus? Minha mulher é fiel?

Dar crédito é sempre uma aposta. René Descartes propôs a dúvida metódica até mesmo a respeito da existência dele próprio, e a solução que encontrou, grosso modo, não deixa de ser uma aposta, um ato racional de “fé pragmática”: podemos não ter certeza nem sequer de que nós próprios não somos uma simples alucinação, mas é mais sensato e prático acreditar que existimos mesmo. No caso de Deus, tanto aposta quem acredita quanto quem nega, já que não há provas científicas conclusivas nem da existência nem da inexistência divina. Seja contra, seja a favor de Deus, há somente indícios, teses e… fé. E, interessantíssima ironia, dado que a “não-prova” é insuficiente para negar tanto quanto para afirmar, ser ateu, tecnicamente, também é um ato de fé. 

Para acreditar livremente no que quer que seja (ou no que quer que não seja), é necessário, porém, usar sempre a razão. A fé não raciocinada não é livre. Acreditar acriticamente é um gesto mais de ignorância do que de genuína busca de sentido. A pseudo-fé tem muitos níveis, que vão da mera credulidade ingênua até as superstições mais irracionais, podendo chegar ao fanatismo fundamentalista e dogmático mais oposto a uma busca verdadeira de sentido para a existência. De novo, isto vale tanto para os fanáticos religiosos quanto para os fanáticos antirreligiosos.

Eu suponho que todo o mundo tem dificuldades para acreditar naquilo que não faz sentido para a sua razão. Neste caso, o nível de desenvolvimento das faculdades de lógica e de crítica de cada pessoa é o que vai definir a quantidade e a qualidade das coisas a que ela dá crédito ou descrédito.

Para mim, por exemplo, muita coisa das doutrinas de todas as religiões parece incrivelmente absurda. Outras muitas coisas, inclusive, ultrapassam o limite do ridículo. Descontando os extremos mais descabelados e mitológicos, ainda resta, no entanto, um “núcleo de mistério” que me desperta fascínio. Não é um fascínio apenas intelectual. São inquietações, anseios, almejos, que vão além do que é tangivelmente verificável. Fazem parte, talvez, daquela mesma dimensão em que se manifestam realidades difíceis de explicar, como o próprio fato do fascínio em si, do maravilhamento, do estupor, ou de experiências como amor, bondade, capacidade de sacrifício pelo outro, sensação de paz, angústia, ânsia de completude e, especialmente, aquela profunda insatisfação que se transforma em desejo ardente de transcendência, de romper barreiras de tempo e espaço, de atingir a plenitude, o que quer que isto seja. A razão sozinha, com base nos conteúdos que é capaz de entender, conseguiria satisfazer completamente esses anseios que parecem superá-la ou até contradizê-la?

São estas perguntas não respondidas que me mantêm aberto à possibilidade de algo maior do que o âmbito da existência que pode ser mapeado pela física, pela química e pela matemática. São as mesmas perguntas que levaram o físico indiano Amit Goswami, PhD em Física Nuclear, filho de um guru hinduísta, materialista até os 45 anos de idade, a considerar cientificamente muito improvável que tudo o que existe tenha surgido por mero acaso a partir de uma explosão do nada sem nenhuma causa, assim como pouco plausível que a nossa seja a máxima inteligência em todo um universo que teria se auto-ordenado racionalmente por obra de pura casualidade.

Eu tenho certeza (com base em ““, é claro) de que, nessa Jornada Mundial da Juventude, há muitos católicos que sentem o mesmo que eu. E tenho a mesma certeza de que, fora da JMJ, talvez tentando diminuir o seu significado mais intrigante, muitos descrentes, no fundo, também se sentem assim.

No livro “Entre o céu e a terra“, que é uma espécie de entrevista do então cardeal Bergoglio ao rabino judeu Skorka, o hoje papa Francisco revela que, ao conversar com ateus e agnósticos, ele não fala sobre Deus. Apenas pergunta se eles estão dispostos a “combater as injustiças contra os mais desamparados do sistema”, “porque isto lhe basta”. Ele conta ainda que, certa vez, uma senhora o procurou para dizer que o filho tinha abandonado a fé. Bergoglio lhe perguntou:

– Ele continua sendo uma boa pessoa que se interessa pelos outros?

– Sim.

– Então fique tranquila. Seu filho continua acreditando no que tem que acreditar.

Se a Jornada Mundial da Juventude é um evento aberto também para quem duvida, mas está em busca de sentido, ela parece estar em boas mãos.

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