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Santa e meretriz. Afinal, a Igreja é o quê?

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Aleteia Brasil - publicado em 26/07/13

Igreja católica mantém no mundo 5.246 hospitais, 687.282 centros sociais, 114.736 instituições assistenciais, 15.208 asilos para idosos com doenças incuráveis

Ao visitar o Hospital São Francisco de Assis, que cuida de dependentes de drogas e álcool, o papa Francisco ajudou a ressaltar o lado que muita gente considera o mais bonito da Igreja católica. Há quem o considere o seu único lado bonito, aliás.

É o lado em que se posicionaram figuras como o próprio Francisco de Assis, que parece dispensar apresentações; a madre Teresa de Calcutá, que foi para a Índia cuidar "dos mais miseráveis entre os miseráveis"; a irmã Dulce, uma espécie de equivalente baiano da missionária da caridade; a médica Zilda Arns, cuja Pastoral da Criança, com ações concretas e simples como difundir a multimistura, fez mais pela vida de milhões de pequenos brasileiros do que todos os discursos políticos em favor da saúde nos últimos cinco séculos, e que morreu trabalhando no Haiti, no meio das duzentas mil pessoas que o terremoto sepultou.

Esse lado bonito da Igreja católica é quantificável em números chamativos, que foram publicados recentemente pelo jornal espanhol El País, uma publicação laica e frequentemente acusada de esquerdista e anticlerical. El País informa que a Igreja católica mantém no mundo 5.246 hospitais, 687.282 centros sociais, 114.736 instituições assistenciais, 15.208 asilos para idosos com doenças incuráveis, 70.000 creches e 131 centros para acolhimento de portadores do HIV em 41 países. No Brasil, já de acordo com estatísticas divulgadas pelo Vaticano, a Igreja católica mantém 5.340 centros assistenciais, 369 hospitais, 884 ambulatórios, 22 leprosários, 718 casas para idosos e portadores de necessidades especiais, 1.636 orfanatos e creches e 1.711 consultórios familiares e centros para a proteção da vida, além de 6.882 centros educativos de todos os níveis e 3.257 centros de educação especial. 

Acontece que, no dia seguinte à visita ao hospital, Francisco fez questão de frisar em seu encontro com os jovens argentinos que a Igreja católica não é uma ONG, não é uma associação de beneficência, não é uma instituição social. Isso atrai as atenções, ou pelo menos a minha atenção, para a questão mais difícil de se entender sobre a Igreja católica: afinal, ela é o quê?

Certa vez, ouvi dizer que a Igreja católica é ao mesmo tempo "santa e meretriz". O Google não foi de grande ajuda para me informar quem cunhou esta expressão, mas garante que ela é clássica entre os teólogos da própria Igreja.

O lado "meretriz" da Igreja é notoriamente público. Ou, pelo menos, espera-se que seja, pois pior será se ainda houver cantos ocultos mais prostituídos que os que já conhecemos.

O lado "santa", por sua vez, é bastante misterioso, e ainda mais misterioso para gente como eu, a quem os crentes costumam chamar de "excessivamente racionalistas" ou "homens de pouca fé".

De fato, tenho severas dificuldades para entender a necessidade de uma igreja, quando o seu próprio texto-base, o evangelho, afirma que Deus prefere ser louvado em espírito e em verdade e não em templos construídos por mãos humanas; ou que aquele que quiser rezar pode orar ao Pai no silêncio do próprio quarto, e não na presença da multidão, como fazem os hipócritas. O próprio Cristo, que a Igreja aponta como seu fundador, afirma, no mesmo livro, que, se dois ou mais se reunirem em seu nome, ele estará presente no meio deles.

Será necessária, então, tanta estrutura institucional e tanta cerimônia?

Francisco mesmo, com seus gestos simples e surpreendentes, confirma que a Igreja andava bem afastada do que seria de se esperar de uma autêntica "assembleia de irmãos", como aquela que se reunia nas catacumbas do cristianismo primitivo para rezar ao Pai e compartilhar o pão. Francisco já deixou de lado uma série de futilidades ornamentais que não pareciam muito coerentes com propostas como desprendimento dos bens materiais, humildade e solidariedade. Ele já declarou, em alto e bom som, que a Igreja precisa parar de contemplar o próprio umbigo e se voltar para as "periferias da existência", onde é um absurdo que ainda existam tantos miseráveis abandonados a poucos metros de mesas fartas e de luxos que ultrapassam a imoralidade. Ele não apenas deu a bênção que o povo lhe pediu, em Roma, quando foi eleito papa, como pediu ele próprio que o povo o abençoasse, como quem diz que a "assembleia dos irmãos" são os próprios irmãos, e não uma hierarquia que em nada se parece com a suposta "família dos filhos de Deus". Aliás, nem de papa ele gosta de ser chamado: ele se apresenta apenas como bispo de Roma, ressaltando a dimensão mais local e menos multinacional que a Igreja poderia ter na vida prática dos seus fiéis.

Mas… esse mesmo papa afirma que a Igreja não é uma ONG e que a sua essência não é a obra social. Ao chegar ao Rio, de fato, ele já tinha avisado: "Não trago ouro nem prata; trago o que me foi dado: Jesus Cristo".

Este lado "santo" da Igreja é, evidentemente, uma questão de fé: ou se acredita nele, ou se duvida.

Mas bem que aqueles números bonitos lá do terceiro parágrafo poderiam continuar aumentando, enquanto o ouro, a prata e o lado "meretriz" diminuíssem.

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