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Papa Francisco fala de bispo a bispo: servos e não príncipes

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Rafael Tavares - publicado em 30/07/13

Sem perder o bom humor e a sutileza, o Papa não só abriu seu coração, mas tratou com muito rigor algumas tentações do presente da Igreja

Em um encontro com bispos brasileiros e de outros pontos do continente – durante a JMJ Rio2013 –, o Papa Francisco não se esquivou de uma conversa aberta e enérgica.

Sem perder o bom humor e a sutileza, o Santo Padre não só abriu seu coração aos seus irmãos no episcopado, mas tratou com muito rigor algumas tentações do presente da Igreja. Ele advertiu, aconselhou e animou os bispos a viverem o espírito de serviço que anima o pastor, lembrando que é o serviço, e não o status, o que deve mover o coração de um bispo, deixando de lado o que o Papa chamou de “espírito de príncipes”, para entrar em uma dinâmica realista e proativa no ministério.

Muitas coisas poderíamos destacar neste encontro histórico do Papa com os bispos latinos. Francisco falou com tanta propriedade e contundência que praticamente poderíamos chamar este histórico diálogo como o guia para levar as diretrizes de Aparecida à ação no que diz respeito ao episcopado. Uma iniciativa não só brilhante, como necessária, especialmente diante do fato que metade dos cristãos do mundo vive neste continente e quando o próprio sucessor de Pedro é Latino.

Nesta coluna, ao menos nas linhas deste artigo, tentaremos acompanhar o diagnóstico do Papa sobre a realidade e a marcha da Igreja, na América e no mundo. Francisco destacou desafios que ele mesmo chamou de “tentações” do nosso mundo moderno e como estas tomam forma na América Latina.

Comecemos assim por uma tentação perversa que destacou o Papa: o agnosticismo. Para muitos, ser agnóstico implica praticamente uma exclusão da Igreja ou uma postura um passo distante do ateísmo. Ser agnóstico tornou-se um sinônimo de anti-católico, ou uma espécie de religião sem Deus. O Papa, porém, não excluiu os católicos (nem os bispos) da tentação do agnosticismo, já que este se trata no fundo de viver como se Deus não existisse.

Para isto, basta que um católico deixe de lado o espírito de viver na presença de Deus, tendo-o como centro de sua existência, que o “vírus” do agnosticismo começa a espalhar-se no corpo da Igreja. E, talvez, o pior sintoma desta epidemia é que a missa dominical não é vacina para este vírus.

Sim, existem católicos praticantes que são no fundo agnósticos. Homens e mulheres que vão à Igreja, comungam, vivem longe do pecado mas separam radicalmente sua vida de sua fé apenas pronunciadas as palavras finais da missa: ite missa est. O que deveria servir de exortação à missão vira uma espécie de página virada na semana e uma tarefa a menos na lista de afazeres da vida. Nada disto pode estar mais distante da perspectiva de Francisco que vem pedindo consistentemente que os católicos, começando pelos bispos, cabeças de suas Igrejas particulares, vivam uma vida em Cristo sem medo de ir contra a corrente, sem mediocridade, sem o desejo de ser servidos ou viver longe da realidade dos que a sociedade empurrou para as periferias.

A mensagem para os bispos está repleta de elementos que Francisco usou nos seus discursos aos jovens. O Papa pôde expressar com toda sinceridade a realidade de algumas pastorais e em geral do cuidado pastoral da Igreja com todas as sílabas: “estamos atrás neste aspecto”.

As palavras do pontífice vieram quase em um tom de desabafo, e mais ainda vindas do Sucessor de Pedro na missão que Jesus lhe confiou: fortalecer a fé dos discípulos. Francisco sabe que na América Latina o tema das pastorais se presta a muitas ações pastorais pouco ou até contra produtivas. Não poucas pastorais foram, digamos de maneira figurativa, sequestradas pela ideologia. Talvez em poucas circunstâncias um pontífice falando a bispos usa palavras tão sinceras e tão fortes neste aspecto. Interessantemente ainda, o tema esbarra em outro problema destacado pelo Santo Padre que traz muito dano à Igreja: a inversão de papéis entre leigos e clérigos, ou também chamado clericalismo.

Tanto a clericalização do laicado, na qual absurdos como participações indevidas nos sacramentos e praticamente uma substituição do padre como cabeça das atividades apostólicas de suas paróquias, como a laicização do clero, que para supostamente estar mais perto das ovelhas, deixam as vestimentas e a profundidade de seu sacerdócio nas suas homilias e ação pastoral são ações que deixam a Igreja atrás das necessidades do nosso tempo.

Por um lado, leigos se omitem de seu compromisso apostólico assumido na confirmação porque acham que o apostolado é para os padres e religiosos. Por outro, e não poucas vezes, vemos uma excessiva participação dos clérigos na vida cristã de suas paróquias, ou na aquisição de um certo status que os levam a sentir-se por cima e não junto às ovelhas, impregnando-se de seu odor como pedia o Papa em uma anterior ocasião.

Qualquer um destes extremos, segundo o próprio Francisco, são sumamente daninhos à Igreja. O corpo de Cristo tem missões definidas, algumas designadas aos ministros ordenados, e outras que estes não devem nem mesmo aproximar-se, como no caso da política. Deste último temos um exemplo lamentável no caso de Fernando Lugo.

O tema aberto por Francisco, ou poderíamos falar até de mais de um, penetrou de forma inequívoca na consciência do episcopado. O discurso foi uma espécie de exortação e com tal propriedade e conhecimento que serviu de alento e quase um pronunciamento ex-cathedra para América Latina. Não há dúvida de que por mais que 80% dos latino americanos façam o sinal da cruz, o secularismo avança ferozmente no continente da esperança dentro e fora da Igreja.

Suas palavras não só foram uma chamada de atenção, mas um convite à ação e à esperança. Sabemos que a Igreja sempre navegará em águas turbulentas, mas precisa de pastores com pulso firme e mãos gentis para que Ela possa atravessar as ondas do secularismo e da mediocridade que se levantam em nossa cultura para que assim cumpra sua viagem ao seu destino final. As tentações que Francisco traçou devem ser tomadas como advertências. A partir delas nenhum pastor pode alegar desconhecimento nem desorientação depois de tal claridade vinda do bispo de Roma.

Rezemos para que os nossos pastores possam viver aquilo que o Papa os recomendou para viverem fielmente seu ministério: um ardente espírito de serviço e humildade unido ao valor por anunciar em um mundo cada vez mais surdo a Deus que Ele vive, Ele reina e é Senhor da história da Igreja e da humanidade inteira.

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