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Pio XII abandonou os judeus durante a guerra?

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Aleteia Vaticano - publicado em 06/08/13
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Uma obra de teatro, artigos de imprensa, histórias e lendas acusam Pio XII de ter abandonado os judeus durante a 2ª Guerra Mundial, ao não ter condenado a Shoah de forma explícita. Alguns disseram que Pio XII foi o Papa de Hitler, antissemita. O que aconteceu realmente?Pio XII fez tudo o que pôde pelos judeus, de muitas formas, durante a Segunda Guerra Mundial. Depois da tomada de posição da Igreja na Holanda contra o nazismo, ele soube que suas declarações públicas haviam causado represálias dramáticas contra as comunidades judaicas.

Pio XII percebeu rapidamente que os protestos contra o nazismo comportariam graves repercussões para as populações e poderiam se revelar como denúncias contraproducentes para os judeus.

Na Holanda, por exemplo, quando o então bispo de Utrecht protestou contra o nazismo, a repressão foi imediata e terrível. Após a carta dos bispos dos Países Baixos condenando “o trato injusto e sem misericórdia reservado aos judeus”, lido nas igrejas em julho de 1942, os nazistas deportaram multidões de judeus e de cristãos, entre eles Edith Stein. A Holanda ostenta, devido a estes protestos, o triste recorde de exterminação da comunidade judaica (85%).

Na Polônia, o arcebispo Sapiéha, de Cracóvia, e outros dois bispos poloneses pediram ao Papa que não publicasse a carta sobre o que estava acontecendo na Polônia, dada a ferocidade das represálias.

Todos os bispos alemães também dissuadiram o Papa de falar fortemente. Hitler vigiava estreitamente a Igreja.

O próprio Papa confiou aos seus emissários a tarefa de percorrer a Europa para recolher informações sobre as perseguições: “Digam-lhes que o Papa sofre com eles, sofre com os perseguidos (…). Se, neste momento, não levanta mais a voz, é para não causar males piores” (cf. Atas e documentos da Santa Sé relativos à 2ª Guerra Mundial: 20 volumes recolhidos durante 15 anos por três jesuítas).

Robert Kempner, magistrado judeu de origem alemã, procurador adjunto no processo de Nuremberg, escreveu sobre o tema em 1964: “Qualquer posicionamento com caráter propagandístico da Igreja contra o governo de Hitler não teria sido somente um suicídio premeditado, mas teria acelerado o assassinato de um número muito maior de judeus e de sacerdotes”.

Sobrevivente do Holocausto, o Grão-Rabino da Dinamarca explicou que, “se o Papa tivesse sido mais explícito, Hitler sem dúvida teria massacrado muito mais que 6 milhões de judeus e talvez 10 milhões de católicos”.

De fato, uma proporção muito elevada do clero europeu foi assassinada nos campos de concentração.

O Papa então pôs em marcha uma política de ações secretas, contribuindo para salvar, na Itália e no mundo inteiro, milhares de judeus. Esta política eficaz de ações secretas se inscreve na continuidade da sua ação pessoal em seus inícios como sacerdote, depois como núncio e finalmente como papa.

Em sua juventude, um dos grandes amigos do jovem Pacelli, Guido Mendez, era judeu. Haviam celebrado juntos o Shabbat e Mendez ensinou hebraico ao futuro papa. Pio XII o ajudou a escapar para a Palestina no começo da guerra.

Desempenhou o cargo de núncio apostólico na Alemanha, de 1917 a 1929, primeiro em Munique e depois em Berlim. Dos 44 discursos pronunciados durante esses 12 anos, 40 denunciam um aspecto ou outro da ideologia nazista.

Em 1917, interveio para proteger os judeus da Palestina contra os Turcos Otomanos.

Em 1926, ajudou o chefe da organização sionista mundial a reunir-se com as autoridades do Vaticano para promover um lar judaico na Palestina.

Em julho de 1933, foi o protagonista de uma concordata com o Reich de Hitler, para proteger um mínimo de instituições e de liberdades a favor dos católicos alemães, e para dar uma base jurídica a eventuais protestos. Assinou-a apesar do seu desgosto pelo comportamento iníquo do governo alemão, que pressionou para prender mais de 90 sacerdotes e para fechar 9 jornais católicos.

Em março de 1935, em uma carta aberta ao bispo de Colônia, refere-se aos nazistas como “falsos profetas, orgulhosos como Lúcifer”. Novamente em 1935, diante de milhares de peregrinos em Lourdes, supera as ideologias “possuídas pela superstição da raça e do sangue”. Centenas de documentos confirmando a oposição de Dom Pacelli ao nazismo podem ser consultados no site da Fundação “Pave the way” (cf. link no final).

Depois foi secretário de Estado e trabalhou ativamente (existem rascunhos seus, escritos à mão) para escrever a grande encíclica de condenação do nazismo, Mit brennender Sorge, que se difundiu, ocultou e leu inesperadamente em alemão, em 14 de março de 1937, em todas as igrejas da Alemanha, porque já não existia liberdade de imprensa.

Durante o seu mandato, o secretário de Estado protestou em 55 cartas oficiais ao governo alemão. Ribbentrop e Steengracht, ministro e subsecretário de Assuntos Exteriores do III Reich, declararam em Nuremberg: “Tínhamos gavetas cheias dos protestos do Vaticano”.

Convertido em papa em 2 de março de 1939, foi dos primeiros em falar, em sua rádio-mensagem de Natal de 1942, de “centenas de milhares de pessoas que, sem falta alguma da sua parte, e às vezes pelo simples fato de sua nacionalidade ou de sua raça, são entregues à morte ou a um progressivo extermínio”.

Sua primeira encíclica como papa, Summi pontificatus, de 1939, era tão claramente antirracista, que os aviões aliados lançaram milhares de cópias na Alemanha.

Quando, em 20 de setembro de 1943, os alemães, que haviam invadido Roma 10 dias antes, exigiram dos judeus da cidade 50kg de ouro, sob pena de serem deportados, a comunidade judaica não pôde reunir mais do que 35kg; o grão-rabino de Roma, Israel Zolli, apelou a Pio XII, quem, sem hesitar, mandou fundir os vasos sagrados das paróquias de Roma e contribuiu com os 15kg que faltavam.

O Vaticano alugou barcos especiais para evacuar judeus duas vezes por ano, entre 1939 e 1945, até a República Dominicana, Canadá, México e Cuba. Como muitas nações não aceitavam os judeus, foram-lhes proporcionados em Roma certificados falsos de Batismo.

O Papa pessoalmente freou a deportação de milhares de húngaros, apelando ao regente da Hungria.

Deteve pessoalmente a deportação de judeus romanos em 16 de outubro de 1943. Em um dia, o Vaticano conseguiu esconder, alimentar e manter mais de 7 mil judeus, apesar dos fuzis alemães sob suas janelas. A quase totalidade das basílicas, igrejas, seminários e conventos albergou e ajudou os judeus. Sor Pascalina Reynart, a secretária de Pio XII, procurava alimentos para os conventos que escondiam os judeus de Roma, às vezes nos mosteiros de clausura, o que supunha necessariamente uma dispensa papal.

Em 1943, 3.500 judeus foram alojados em Castel Gandolfo e 400 foram inscritos na Guarda Pontifícia – quase a metade da comunidade judaica de Roma. Cerca de 7 mil judeus de Roma foram salvos pela Igreja. Durante o processo de Eichmann, de 1961, o Papa foi objeto de uma sentença que vale a pena reler, por parte de Gideon Hausner, procurador geral do Estado em Jerusalém: “Em Roma, em 16 de outubro de 1943, organizou-se um grande arresto no antigo bairro judaico. O clero italiano participou da operação de salvamento, os mosteiros abriram suas portas aos judeus, o Papa interveio pessoalmente a favor dos judeus detidos em Roma”.

Quando se entregou ao cardeal Palazzani a medalha dos justos por ter salvado judeus no seminário de Roma, este afirmou: “O mérito corresponde inteiramente a Pio XII, que ordenou fazer todo o possível para salvar os judeus da perseguição”.

Sabe-se também que Pio XII era regularmente informado sobre as tentativas de assassinato de Hitler, entre 1939 e 1940. Sir d’Arcy Osborne, britânico encarregado de negócios, que estava em contato com Pio XII sobre este tema, anota em seu diário: “Jamais na história um papa esteve comprometido de maneira tão delicada em uma conspiração para derrocar um tirano pela força”.

E depois da guerra, foi mais uma vez o Papa Pio XII quem decidiu a abstenção do Vaticano, que permitiu a criação do Estado de Israel na ONU em 1948.

Reconhece-se que a ação da Igreja salvou mais de meio milhão de judeus e que Pio XII sempre a incentivou. Ele, somente ele, salvou mais judeus que todos os demais líderes religiosos do mundo juntos.

Entre 1943 e 1945, em Roma, o general Karl Wolff ameaçou várias vezes sequestrar e eliminar o Papa, exterminar toda a cúria, ocupar o Vaticano, enquanto paralelamente afirmava a Hitler que o Papa cooperava.

O general e chefe nazista em Roma confirmou estas informações muitas vezes antes da sua morte, e uma entrevista com ele está disponível no site da Fundação “Pave the Way”. A deportação do Papa deveria ser feita a Lichtenstein, mas o general, pensando que seria um desastre para a Alemanha, que correria o risco da deserção dos soldados católicos do exército, garantia constantemente a Hitler que o Papa cooperava. Os informes que faziam acreditar que o Papa se inclinava às vezes às posições alemãs, são os únicos documentos que levaram alguns a pensar em algum tipo de compromisso, mas é preciso analisar o contexto em que foram escritos.

Pio XII, por sua parte, esteve permanentemente atormentado pela dramática alternativa em que se encontrava: agir em tudo o que fosse possível, mas sempre em segredo, mas preservar as populações, correndo o risco de aparentar que não fazia nada, ou fazer declarações públicas e ser considerado um herói, mas desatando, com isso, uma repressão terrível contra uma multidão de inocentes.

O Papa formou um governo no exílio para proteger-se contra as ameaças nazistas e determinou as disposições do conclave que elegeria o novo Papa, em um país livre, se ele chegasse a ser detido.

Depois da guerra, todos os judeus que haviam vivido de perto os acontecimentos comemoraram com admiração a política de ação secreta do Papa a favor deles. Mas, em 1963, a peça teatral “O vigário”, escrita por dois comunistas, com a ajuda de documentos da KGB, para prejudicar a Igreja, fez nascer uma lenda negra sobre Pio XII, apresentando-o como indiferente e inclusive hostil à causa dos judeus.

Esta ação da KGB estava motivada pelo fato de o Papa Pio XII também ser um Papa anticomunista.

Depois dessa data, os pseudoescândalos se sucederam: a obra de John Cornwell, o filme “Amém”, de Costa-Gavras, a placa contra Pio XII no Yad Vashem etc. As manipulações, apesar de serem denunciadas pelos historiadores sérios, continuaram infelizmente sendo desconhecidas pelo grande público.

Mas antes de 1963, todos os responsáveis de Israel agradeceram sem cessar ao Papa e elogiaram seus esforços. Depois da guerra, por exemplo, o ancião cônsul de Israel em Milão, Pinhas Lapide, declarou: “A Igreja Católica sob o pontificado de Pio XII foi o instrumento que salvou 700 mil, inclusive provavelmente até 860 mil judeus de uma morte certa nas mãos dos nazistas. Os números superam muito os das demais igrejas, instituições religiosas e organizações de socorro juntas” (Three Popes and the Jews, 1967)
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Com a morte de Pio XII, Golda Meir, primeira-ministra de Israel, declarou na ONU, em 1958: “Durante os 10 anos do terror nazista, quando o nosso povo sofreu um espantoso martírio, a voz do Papa se elevou para condenar os verdugos e para expressar sua compaixão às vítimas. Perdemos um grande Servidor da Paz”.

Albert Einstein, em 23 de dezembro de 1940, diria ao Time Magazine: “Somente a Igreja permaneceu em pé e firme para enfrentar as campanhas de Hitler para suprimir a verdade. Antes, eu não havia sentido nenhum interesse pessoal pela Igreja, mas agora sinto por ela grande carinho e admiração, porque somente a Igreja teve a coragem e a obstinação de sustentar a verdade intelectual e a liberdade moral. Devo confessar que o que eu antes desprezava agora elogio incondicionalmente”.

De fato, todos os outros foram covardes ou hostis: o grão-mufti de Jerusalém foi a Berlim para jurar lealdade a Hitler e uma legião muçulmana combateu ao serviço dos nazistas na Bósnia, junto ao exército alemão. Roosevelt, Churchill, De Gaulle, Stalin, não fizeram declaração alguma a favor dos judeus. Os membros da resistência que explodiram trens em toda a Europa nunca tentaram deter ou sabotar os comboios de deportados. Os EUA salvaram e acolheram somente 22 mil judeus no total, quando poderiam ter feito muito mais. No final da guerra, os britânicos rejeitaram os judeus provenientes dos campos de concentração que queriam entrar na Palestina.

O rabino David Dalin, de Nova York, fez um precioso estudo histórico em 2001, que concluiu assim: “Pio XII não foi o Papa de Hitler, longe disso. Ele foi um dos apoios mais firmes da causa judaica, no momento em que era mais necessário (…). Podemos ler no Talmud que ‘quem salva uma só vida salva a humanidade’. Pio XII, mais que algum outro homem de Estado do século XX, realizou isso em um momento em que o destino dos judeus europeus estava ameaçado. Nenhum outro papa foi tão elogiado pelos judeus antes dele, e não se enganaram. Sua gratidão, assim como a de todos os sobreviventes do Holocausto, prova que Pio XII foi, verdadeira e profundamente, um Justo entre as Nações”.

Os pesquisadores, incluindo os judeus, confirmam a verdade histórica conhecida desde o final da guerra, com o apoio de inúmeros testemunhos a favor de Pio XII e centenas de documentos. Os acusadores de Pio XII não puderam identificar nenhuma prova documental contra ele.

A difamação de Pio XII não é justa e, paradoxalmente, corre o risco de reforçar as tentações negacionistas, pois as pessoas, cedo ou tarde, descobrirão a verdade e o sentimento natural de cólera, mais forte quanto mais fortemente e durante mais tempo tenha se propagado o erro, provocará inevitavelmente questionamentos que poderiam afetar injustamente questões históricas muito mais graves.

É por este motivo que, entre os defensores mais ativos das virtudes heroicas de Pio XII, existem muitos judeus (é possível ver o caso de Gary Krupp, por exemplo, no site da Fundação “Pave the Way”).

Os arquivos do Vaticano foram abertos até 1939 – algumas seções, até 1947 –, a pedido dos detratores de Pio XII, mas parece que nenhum deles foi consultá-los nos dois últimos anos.

Continuar difundindo a lenda nascida em 1963, contra a verdade histórica, constitui uma mentira e uma difamação; não presta nenhum serviço aos judeus, nem à verdade, nem à história.

Uma passagem do livro “Luz do Mundo”, de Bento XVI, serve de conclusão para este artigo, oferecendo um breve resumo.

Pode-se concluir este artigo com um trecho do livro de Bento XVI, “Luz do Mundo”, no qual ele oferece uma síntese sobre o tema: Pio XII “fez tudo o que pôde para salvá-los. Certamente, podemos nos perguntar, novamente: por que ele não protestou de maneira mais clara? Acho que ele viu as consequências que um protesto aberto teria acarretado. Pessoalmente, sabemos, ele sofreu muito por estas coisas. Ele sabia que, na verdade, deveria se pronunciar, mas a situação o impedia. Hoje, há pessoas que afirmam que, ainda que ele tenha salvado muita gente, tinha concepções antiquadas sobre os judeus, que não estava à altura do Vaticano II. Mas esta não é a questão. O decisivo é o que ele fez e tentou fazer; e acho que, neste ponto, é preciso reconhecer realmente que ele foi um dos grandes justos, que salvou muitos judeus, a tantos como nenhum outro”.