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Qual é a verdadeira história da Guerra dos Cristeros do México (a “Cristiada”)?

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Aleteia Vaticano - publicado em 07/08/13
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Muitos católicos, inclusive mexicanos, não sabem nada da Guerra dos Cristeros. Qual foi a causa do conflito, como ele terminou e por que não ouvimos falar nada sobre ele antes?Os cristeros se levantaram em armas para preservar a liberdade religiosa

A Guerra dos Cristeros do México (também chamada de “Cristiada”) foi um conflito armado entre os fiéis católicos e o governo do México sobre o direito à liberdade religiosa. A guerra, que começou em 1927 e durou mais de três anos, foi uma resposta às agressivas medidas adotadas pelo presidente Plutarco Elías Calles para erradicar a Igreja do México. Este é o tema do filme “Cristiada”.O México tem uma longa história de perseguição religiosa contra a Igreja, apesar do fato de que a maioria dos mexicanos é católica.

A perseguição religiosa está profundamente enraizada na história do México, desde a morte do Pe. Miguel Hidalgo e, depois, do Pe. José María Morelos, que participaram da Guerra da Independência do México (1820-1821). Nota do editor: ambos os sacerdotes foram excomungados pelo seu papel na insurgência, bem como todo o exército revolucionário. Os mexicanos nunca se esqueceram de que a hierarquia da Igreja esteve contra eles durante a luta pela independência.

Houve uma perseguição religiosa em 1870, semelhante à Guerra dos Cristeros. Durante essa época, a resistência católica contra as políticas do presidente Sebastián Lerdo de Tejada (1872-1876) foi chamada de “Religioneros” ou “Religionarios” (1873-1876).

Houve outra perseguição também, de certa forma, durante a Revolução Mexicana (1910-1917). Nota do editor: a Constituição Mexicana de 1917 incluiu fortes medidas anticlericais (nos artigos 3 e 130), que negavam o reconhecimento legal à Igreja, exigiam que os sacerdotes se registrassem e tivessem suas atividades limitadas, proibiam a educação religiosa, nacionalizavam as propriedades da Igreja e ilegalizavam a celebração de cerimônias religiosas fora das igrejas.

A Guerra dos Cristeros (1926-1929) foi uma resposta ao ataque direto contra a fé católica por parte do presidente Plutarco Calles. A aplicação estrita das regras anticlericais da Constituição Mexicana de 1917 foi conhecida como “Lei Calles”.

O presidente mexicano Plutarco Elías Calles abraçou uma forma radical de ateísmo e socialismo, que o conduziu a adotar medidas drásticas para erradicar o catolicismo do México.

É importante saber que Plutarco Elías Calles cresceu em meio à pobreza e à privação. Foi o filho ilegítimo de um pai alcoolista, que não dispunha de meios para cuidar da sua família e que mais tarde a abandonou. Sua mãe, María de Jesús Campuzano, morreu quando ele tinha apenas dois anos de idade. Quem se encarregou dele foi seu tio, Juan Bautista Calles, de quem tomou o sobrenome. Ateu fervente, Juan Bautista educou seu sobrinho em um ódio fanático contra a Igreja Católica.

Calles quis erradicar o catolicismo e criar uma nova forma de vida. Ele lia muitos livros e artigos de autores baseados na utopia socialista e quis o mesmo para o México. Foi por esta visão que Calles decidiu manter os Estados Unidos e os governos europeus à margem dos interesses petrolíferos do México. Ele quis que seu país estivesse totalmente sob o controle do seu povo e da sua terra.

No começo, os fiéis e a hierarquia adotaram posturas pacíficas em sua resistência à chamada “Lei Calles”.

O movimento cristero foi organizado pela “Liga Nacional de la Defensa de la Libertad Religiosa” ou “Liga Nacional Defensora de la Libertad Religiosa” (LNDLR). A LNDLR foi um grupo de direitos civis e religiosos, estabelecido em 1925.

Houve diversos protestos pacíficos em todo o México, organizados por diferentes grupos. Além disso, coletaram mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas ao Congresso para pedir a abolição da Lei Calles. Em todo momento, encontraram resistência ou foram ignorados. O último recurso para resistir foi por meio de um boicote econômico, que foi um êxito; no entanto, o governo, vendo o poder que adquiriam e o efeito econômico resultante do boicote, lançou um ataque mais direto contra a Igreja, mediante prisões, intimidações e execuções.

Os bispos mexicanos trabalharam incansavelmente para modificar a Lei Calles. O Papa Pio XI aprovou esta ação. Ao não poder chegar a um acordo com o regime Calles, e com o fim de evitar enfrentamentos e derramamento de sangue, os bispos pediram à Santa Sé autorização para suspender o culto católico em 31 de julho de 1926 – na véspera da entrada em vigor da lei.

Mais tarde, o Papa Pio XI escreveu uma carta encíclica ao clero e aos fiéis do México para encorajá-los e dar-lhes esperança durante esta perseguição. A Santa Sé não podia fazer muito mais que isso. Em 18 de novembro de 1926, o Papa enviou sua carta encíclicaIniquis Afflictisque (sobre a perseguição da Igreja no México), oferecendo orações e estímulo durante este momento difícil.

A resistência armada começou em 1927, em Los Altos (Jalisco) e se difundiu por todo o México, até tornar-se uma verdadeira guerra civil.

Os primeiros levantamentos para defender a liberdade religiosa no México ocorreram nos dias 1º e 2 de janeiro de 1927, no norte do estado de Jalisco (Los Altos). Este acontecimento foi o primeiro que teve êxito em rejeitar as tropas do governo. A vitória estimulou o movimento, razão pela qual houve mais manifestações nesta região.

Um vez vencidas as primeiras batalhas, os Estados ao redor seguiram os mesmos passos; mas foi somente depois de que a Liga Católica contratou o general Enrique Gorostieta que tais levantamentos esporádicos se tornaram claramente um exército cristero.

Neste momento, grande parte do México estava envolvida na Guerra Cristera, exceto alguns Estados nos quais não houve nenhum levantamento, porque não sofreram a perseguição. Estima-se que cerca de 25 mil cristeros perderam a vida durante os três anos de duração desta guerra, e aproximadamente 65 mil soldados do governo.

Nota do editor: a Igreja reconhece um grande número de mártires da Guerra Cristera, incluindo o Beato Miguel Augustín Pro, um jesuíta assassinado em 23 de novembro de 1927, o Beato José Sánchez del Río, um cristero de 15 anos de idade, executado em 10 de fevereiro de 1928, e o Beato Anacleto González Flores, líder da resistência pacífica, morto em 1º de abril de 1927. O Padre Pro foi beatificado em 1988, 25 mártires foram canonizados em 2000 e 13 foram beatificados em 2005 (incluindo González Flores e Sánchez del Río).

O embaixador dos Estados Unidos no México ajudou a negociar uma trégua entre o governo do México e os cristeros, mas isso não acabou com a perseguição dos líderes cristeros nem da Igreja.

O embaixador americano Dwight Morrow foi o meio pelo qual a guerra teve uma trégua. Em uma das diversas reuniões que teve com o presidente Calles, o embaixador ofereceu apoio militar em troca de petróleo, para que a guerra terminasse de uma vez por todas. No final, no entanto, dependeu das habilidades diplomáticas do clero católico e dos leigos para negociar o acordo de paz que acabou com a Cristiada.

Tristemente, a trégua assinada pelo governo mexicano e a Igreja Católica foi, sem dúvida, uma armação para os cristeros. O regime de Calles rompeu rapidamente a promessa de cumprir os compromissos combinados e, durante os três primeiros meses depois da trégua, mais de 500 líderes e 5 mil cristeros foram executados. Morreram mais líderes cristeros durante esse breve período do que durante os três anos de guerra.

O advogado mexicano católico exilado Octavio Elizonde afirmou em uma carta que, a pedido do Vaticano, os cristeros se desarmaram e aceitaram a “trégua” apresentada pelo governo mexicano. Em obediência ao Vaticano, depuseram as armas, e assim foram caçados e executados.

O presidente Calles foi responsável pelo massacre, já que continuou mantendo o controle do governo e determinando o futuro do México até 1934. Depois, Lázaro Cárdenas ganhou a presidência e já não quis ser um fantoche de Calles.

Ninguém é capaz de explicar adequadamente o ódio extremo e irracional de Calles contra a Igreja. Talvez tenha sido uma combinação de cobiça e ideologia jacobina. De qualquer forma, Cárdenas também odiou a Igreja, mas o seu fanatismo foi mais pragmático e os tempos haviam mudado em meados da década de 30.

Nota do editor: de acordo com a investigação do Pe. Brian Van Hove, cerca de 40 sacerdotes foram assassinados no México entre 1926 e 1934. Inclusive em 1935, seis anos depois da “trégua”, cerca de 2.500 sacerdotes se viram obrigados a esconder-se e 6 bispos foram exilados. Em 1926, havia 3 mil sacerdotes no México e, em 1934, restavam apenas 334.

Ainda que as leis anticlericais continuem fazendo parte da Constituição Mexicana, o governo não obriga o seu cumprimento.

Ainda existem alguns artigos “anticlericais” na Constituição Mexicana, mas o governo prometeu não impô-los novamente. Nota do editor: foi somente depois de 1940, quando o católico Manuel Ávila Camacho chegou à presidência, que a imposição das leis anticlericais da Constituição Mexicana deixou de existir.

A relação entre o Estado e a Igreja melhorou há poucos anos. O ex-presidente Vicente Fox (2000 a 2006) e seu sucessor, Felipe Calderón (2006 a 2012), católicos, foram mais indulgentes com a Igreja, até o ponto de restabelecer as relações diplomáticas com o Vaticano.

Mas a perseguição pode acontecer novamente, se as pessoas se esquecerem do passado. A tarefa de defender a nossa liberdade religiosa é um direito dado por Deus e devemos fazê-lo valer cada vez que ela for atacada. Uma frase muito poderosa do filme “Cristiada” define isso perfeitamente: “Não podemos permitir que os ateus tirem a nossa liberdade”.

O momento de defender a nossa liberdade religiosa é agora!

Referências:

Esta pergunta foi respondida por Ruben Quezada, autor de “Para maior gloria: a verdadeira história da Cristiada” (Ignatius, 2012). O livro é o complemento oficial do filme com o mesmo nome, interpretado por Andy García, Eva Longoria, Eduardo Verástegui e o legendário ator Peter O’Toole, entre outros atores internacionalmente conhecidos.

Quezada, um especialista reconhecido da Guerra dos Cristeros, é o diretor de Catholic Resource Center y de St. Joseph Communications, Inc., no Sul da Califórnia.