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O renascer da esquerda

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Marcelo López Cambronero - publicado em 03/09/13

Recuperar a luta pela igualdade, pela justiça e pela fraternidade exigirá um esforço titânico, que deve ir além da razão secular e do materialismo

As correntes de pensamento político se relacionam com a história, como organismos vivos que se adaptam ao seu ambiente para sobreviver. Nascem em um momento concreto, como resposta aos problemas de uma época, e o fazem cheirando a recém-nascidos, acolhendo esperanças e abrindo horizontes. Pouco a pouco, começam a reconhecer as mudanças de circunstâncias, tendo de adaptar-se, sofrendo mutações, reconstruções e, em suma, evoluindo para manter-se à altura do seu tempo e não ser sepultados no esquecimento.

Nesta evolução, é inevitável que esse vulcão de promessas milagrosamente ajustadas aos anseios de um povo vá se cristalizando e, no final, quando, em sua velhice, já sabe que não lhe é possível suportar mais mudanças, acaba, na prática, sendo conservador, reacionário, um remorso do qual nem sempre é fácil livrar-se.

O marxismo não ficou à margem desta lei que governa a evolução do pensamento político. Quando surgiu dentro do panorama internacional da segunda metade do século XIX, as análises, críticas e propostas de Karl Marx e Friedrich Engels se tornaram a vanguarda do progresso, ao mesmo tempo em que abriam o caminho rumo a um mundo melhor. O marxismo unia o espírito científico mais sério da sua época ao romantismo que, já desde jovem, havia acompanhado as primeiras poesias do seu fundador.

Falava de leis econômicas que se cumpriam fatalmente ao longo da história e que levavam, passando por mil formas execráveis de escravidão, ao fim da exploração do homem pelo homem, à libertação do trabalho, à fraternidade universal e à paz perpétua. Um paraíso na terra, construído a partir da ciência e da inteligência política.

No entanto, depois de uma saga interminável de desventuras, o discurso marxista, pacificado, domado e feito pragmático pelos sociais-democratas e pelos sociais-comunistas, é hoje um pensamento que, no máximo, enfeita sem eficácia os escritórios dos funcionários de partido, convertendo-se em um apêndice do capitalismo, ao qual acolhe e protege como uma governanta que o amava intensamente, ao mesmo tempo em que, de vez em quando, o repreende, franzindo a testa.

O marxismo, não como viu a luz em sua origem, mas como se apresenta nas estruturas de partido que hoje nos dominam, é um pensamento de direita, conservador e burguês, do qual não podemos esperar nenhuma novidade. Talvez um ou outro trabalho malfeito para conservar o status quo. A proposta política mais inteligente e fresca da história se tornou parte intrínseca do sistema imperante e, com ele, caminha em direção ao precipício, até desaparecer da nossa vista e, assim, deixar de afetar nossa mente pós-moderna, que deve limpar o jardim de ervas daninhas e resíduos indesejáveis se quiser ver florescer sementes de universos mais humanos.

A esquerda desapareceu dos nossos arcos parlamentares, também nos países latino-americanos, nos quais alguns querem levantar novamente sua bandeira – mas lhes resta apenas o mastro, com o qual partirão a cabeça de quem se opuser. Não nos deixemos enganar pela parafernália propagandista, cada vez mais indigesta. A esquerda morreu e é tarefa nossa, a da geração que vai assumindo pouco a pouco as rédeas da sociedade, renová-la, revivê-la e desenvolvê-la. Esta é uma exigência da liberdade, da igualdade, da fraternidade, da justiça e, sobretudo, da fome. Acima de tudo, levem em consideração a fome.

"O East End de Londres é um pântano cada vez mais extenso de miséria e desespero", escrevia Engels em sua obra "A situação da classe trabalhadora na Inglaterra" (1845). De fato, todas as cidades industrializadas da segunda metade do século XIX mostravam o mesmo aspecto lamentável: massas de trabalhadores transformados em indigentes que cumpriam longas jornadas, assim como suas mulheres e filhos, para obter um salário que só garantia o nível mais básico de subsistência. Os outros filhos, os menores, eram frequentemente drogados para que aguentassem na cama até a chegada dos seus famintos pais. Como se chegou a uma situação assim?


A revolução industrial foi a maior virada na situação do ser humano sobre a terra desde o Neolítico. O homem deixou, pouco a pouco, de depender da sua capacidade de adaptação ao meio. Dessa maneira, ocorreu um evento de consequências cósmicas: um animal deixou de evoluir, ao livrar-se da lei da adaptação ao ambiente, e começou, com o uso da sua razão, a tornar o mundo mais humano, ou seja, a obrigar o meio a evoluir para adequar-se às suas necessidades e desejos.

Este foi precisamente o processo que a revolução industrial veio interromper. Ela provocou que muitos camponeses, que antes eram donos das suas terras, do seu tempo e, portanto, das suas vidas, fossem arrastados pela fome aos subúrbios das grandes cidades, onde se amontoaram em bairros empobrecidos. Ao chegar, encontraram um modelo social, uma forma de vida organizada e estabelecida segundo um novo deus olímpico – o mercado –, ao qual era preciso adaptar-se ou morrer. Eles não podiam fazer nada para mudar ou dominar o poder despótico do mercado, que lhes exigia o sacrifício da vida, da prole, da sua existência inteira. Evoluir ou morrer. Tal foi o grau de alienação que o capitalismo em expansão havia trazido.

Este foi o primeiro resultado social da vitória política do pensamento moderno, apontada pelo liberalismo como corrente predominante. Era uma posição que santificava – e santifica – a criminalidade social, afirmando que o melhor caminho para chegar ao maior lucro econômico em termos absolutos era que cada um buscasse o próprio interesse. Quem ajudava o próximo somente pelo valor intrínseco da sua vida, porque vale o sangue de Cristo, era um "anti-sistema". O interesse pessoal, o implacável egoísmo, eram elevados aos altares como princípios científicos sobre o quais se construía um renovado saber, o primeiro saber que deveria governar acima de qualquer outra ciência: a economia.

Nestas circunstâncias, o marxismo se tornou a alavanca política mais importante que nenhuma mente humana jamais chegaria a imaginar. Marx e Engels descreveram, com habilidade e critério, toda a brutalidade do capitalismo; elaboraram o primeiro grande projeto de libertação política do homem, que substituiria todo modelo de libertação religiosa. Dos escritos desses homens nasceu um verdadeiro pensamento de esquerda, ou seja, amante da igualdade, da liberdade, da justiça, repleto de uma esperança anunciada como capaz de ganhar o futuro.

É verdade, e não podemos negar, que a ciência na qual Marx e Engels alicerçaram seu projeto era muito dependente da sua época e, sobretudo, bebia das mesmas fontes do seu adversário, o capitalismo. Eram ramos de uma mesma genealogia, que acabaram compartilhando os traços da idiossincrasia familiar. Na verdade, Marx também acreditava que o egoísmo era o motor da história, uma potência capaz de moldar o desenvolvimento das sociedades, que não eram mais que o resultado do conflito permanente entre duas classes: a dos proprietários dos meios de produção e a dos que não ostentavam essa propriedade e se viam obrigados a depender dos primeiros.

Esta era a tensão suportada pelos oprimidos, escravos, servos, proletários; e dessa tensão era preciso libertar-se, levando-a ao extremo, isto é, fazendo que os mais miseráveis vencessem a guerra contra a burguesia, inevitavelmente à custa de um banho de sangue. O futuro imaginado – o fim da exploração, a liberdade – exigia o sacrifício de pelo menos uma geração. Marx acreditava firmemente que levar o egoísmo até a sua apoteose era a maneira mais eficaz de nos livrarmos dele.

O outro aspecto fundamental, talvez o mais importante, em que o liberalismo e o
marxismo coincidiam escrupulosamente, era a consideração de que o mundo não consiste mais que no material e que, portanto, deve ser explicado exclusivamente em termos materialistas. Se o material estrutura e explica todo o panorama, a matéria se torna a realidade mais importante, e a ela devem conformar-se nossas esperanças. O materialismo é sobretudo uma "terapia do desejo", capaz de controlá-lo, reduzi-lo e mantê-lo dominado. Dessa forma, a única salvação que cabe esperar é a que pode vir da política, que é a arte da gestão do material, do possível. Uma boa gestão tornará impossível que ocorra o imprevisto. Não existe nenhum outro ópio mais eficaz para o povo que situar a política no lugar da religião.

O marxismo se apresentava como a alternativa vencedora. À luz das suas explicações científicas, que previam o desenvolvimento dos conflitos econômicos até a chegada da vitória do proletariado, parecia estúpido apostar em outro cavalo. Seria preciso ser verdadeiramente um inimigo do povo, um ferrenho conservador para tentar opor-se não a uma ideologia concreta, mas à irrefreável marcha da história, que havia se tornado agora marxista – ou pelo menos era o que parecia.

Com o passar dos anos, o marxismo, como corrente ideológica, viu-se obrigado a acompanhar as mudanças das circunstâncias, a evoluir. O primeiro problema que enfrentou foi com o impensável descumprimento de algumas das leis econômicas que havia elaborado, precisamente das mais "macroeconômicas". O sistema capitalista não só não sofria crises cada vez com maior frequência e gravidade, senão que conseguia que fossem distantes no tempo e encontrava vias – certamente, não infalíveis, como bem sabemos – para prevê-las e solucioná-las. Passadas algumas décadas, parecia claro que o capitalismo não sucumbiria por si só.

Este fato, cada vez mais evidente, produziu uma grandíssima crise nos partidos que tinham sido constituídos no alvorecer do marxismo. Alguns – a maioria até o final da 2ª Guerra Mundial – propuseram agir sobre as instituições para provocar o agravamento da situação, até torná-la insustentável. Eram os partidários da tomada violenta do poder, das revoluções, do terrorismo, das greves políticas indefinidas, em suma, da luta contra a opressão. Outros, ao contrário, começaram a perder a fé em uma vitória total e imediata e começaram a pensar em um marxismo "pós-marxista", mais pragmático.

Eduard Bernstein (1850-1932), que é o pensador que mais influenciou os partidos socialistas e comunistas europeus atuais – muito mais que o próprio Marx, que é para eles pouco mais que aquele avô romântico que lutou na guerra por uns ideais que agora carecem de sentido –, atreveu-se a indicar e a demonstrar que os postulados científicos do mestre eram previsões extremamente contingentes e que não se cumpririam. Não tinha sentido esperar que o capitalismo se rompesse, mas, atendendo à nova situação política estabelecida pelos sistemas de partidos, era mais adequado acomodar-se e prosperar em seu interior. À vista de que os proletários eram numericamente mais, sem dúvida o socialismo triunfaria nas eleições e poderia iniciar um programa de reformas para melhorar, pouco a pouco, a vida das pessoas. Para isso, contava com um poderoso instrumento, que ainda podia ser um contrapeso frente ao mercado: o Estado. O objetivo já não seria o fim do Estado após a necessária ditadura do proletariado, mas a sobrevivência de um Estado forte, que fosse domando o mercado. Aceitava-se, então, a estrutura própria do capitalismo e as partidocracias. Assim nascia a social-democracia.

Que o marxismo
tinha como uma das suas evoluções a "ditadura do partido" não deve nos escandalizar hoje, já que faz parte do desenvolvimento de muitos dos projetos políticos fascistas que surgiram nas primeiras décadas do século XX. O leninismo, que para muitos foi uma renovação das esperanças marxistas, é um filho fiel ao seu tempo, e Lênin, que desde o começo se mostrou como um ditador intransigente e cruel, um dos piores criminosos políticos do século passado, também. Quando Stalin quis tornar a União Soviética o maior e mais sofisticado campo de concentração, não conseguiu utilizar os Gulag que já haviam sido construídos, porque estavam lotados.

Agora nos interessa o presente. Após a 2ª Guerra Mundial, todos os partidos que se consideravam de esquerda foram acolhendo a inspiração do revisionismo de Bernstein e abandonando de coração a utopia que, por outro lado, não tem lugar em corações materialistas, por definição.

O resultado desta adaptação do marxismo aos Estados de partidos burgueses está à vista de todos. Em primeiro lugar, foram abandonados, por puro pragmatismo, os ideais internacionalistas. As eleições são nacionais e é nelas que se decide a distribuição do poder, que é o que interessa agora. Se cada um busca seu próprio interesse, não cabe esperar que produza muitos votos chamar de "camaradas" os que morrem de fome nas profundezas da África. Precisamente por isso, os partidos socialistas se transformaram em modernos aspiradores que pegam de tudo e não representam nenhum segmento social, nem sequer os pobres ou menos favorecidos. Propriamente, o deputado representa a elite política que domina o seu partido e que lhe dita em que deve votar em cada caso.

O que resta do que um dia foi a esquerda aceita e defende sem hesitação o capitalismo, já que acredita, com toda seriedade e convicção, que é o melhor modelo possível, ou talvez o único, e só se diferencia dos que se denominam liberais por matizes relativos ao peso que o Estado deve exercer sobre nossos ombros. De fato, os socialistas e "eurocomunistas" querem utilizar os instrumentos estatais para converter seu desgastado moralismo em legislação, e o laicismo simplista na religião de um novo estado confessional, com o qual a pessoa já não sabe quem está à direta de quem, ou se é que nenhum dos dois, liberais e pós-marxistas, deixa à sua direta algum espaço que possa ser ocupado por alguém.

Recuperar a luta pela igualdade, pela justiça e pela fraternidade exigirá um esforço titânico, que deve ir além da razão secular, muito além do materialismo e dos atuais Estados de partidos. Tememos que os protagonistas do panorama político atual não nos sejam de grande utilidade, já que todos eles, inclusive os sindicatos de classe (a dominante), são conservadores no sentido mais literal – que é aqui o mais real.

Agora só existe a direita, e será necessário propor um novo programa político, radicalmente diferente, que responda a uma nova época, na qual o mercado novamente quer nos converter em animais em evolução, por meio da imposição de transformações tecnológicas que se sucedem, e nos constrange utilizando a coação social, a um ritmo frenético.

É necessária uma nova terapia do desejo, que nos torne livres – partindo da raiz da nossa alma imortal – do consumismo. Não podemos deixar que o mercado e seus sequazes, utilizando agora o Estado como seu aríete, nos imponham sua cega e triste concepção da vida, que condena tantos à exclusão, à injustiça e à morte por inanição. Façamos nossas as palavras do poeta Miguel Hernández, e adotemos aquele lema legendário: "Para que venha o pão justo à boca da fome dos pobres, aqui estou, aqui estamos".

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