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Entrevista com o Papa Francisco: seus grandes ensinamentos

Intervista Papa su Civiltà Cattolica – pt

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Aleteia Vaticano - publicado em 20/09/13

Confira uma seleção dos melhores trechos da entrevista de quase 6 horas que o Papa Francisco concedeu à revista "Civiltà Cattolica"

Selecionamos os principais trechos de uma longa entrevista (quase 6 horas, divididas em 3 dias) que o Papa Francisco concedeu ao Pe. Antonio Spadaro, diretor da revista Civiltà Cattolica. Para ler uma tradução da entrevista completa, clique aqui. E para ler o texto original, clique aqui.

Que é Jorge Mario Bergoglio?

Eu tinha uma pergunta preparada, mas decidi não seguir o esquema pré-estabelecido e vou formulá-la à queima-roupa mesmo: "Quem é Jorge Mario Bergoglio?".

Ele ficou me olhando em silêncio. Perguntei, então, se era lícito fazer-lhe esta pergunta… Ele fez um gesto de aceitação e me disse: "Não sei qual poderia ser a resposta exata… Eu sou um pecador. Esta é a definição mais exata. E não é uma forma de falar ou um gênero literário. Sou um pecador".

O Papa continuou refletindo, concentrado, como se não estivesse esperando esta pergunta, como se fosse necessário pensar mais sobre ela.

"Bem, talvez eu poderia dizer que sou atento, que sei como agir, mas que, ao mesmo tempo, sou bastante ingênuo. Mas a melhor síntese, a que vem lá do fundo e que sinto ser a mais verdadeira é esta: sou um pecador a quem o Senhor dirigiu seu olhar. Sou alguém para quem o Senhor olhou. Meu lema, 'Miserando atque eligendo' ('Com misericórdia o escolheu', N. da T.) é algo que, no meu caso, sempre considerei muito verdadeiro."

O Papa Francisco tirou este lema das homilias de São Beda o Venerável, quem, comentando a passagem evangélica da vocação de São Mateus, escreve: "Jesus viu um publicano e, olhando-o com misericórdia o escolheu, dizendo: Segue-me".

Acrescenta: "O gerúndio latino 'miserando' parece intraduzível, tanto em italiano como em espanhol. Eu gosto de traduzi-lo com outro gerúndio que não existe: 'misericordiando'".

O Papa Francisco, seguindo a linha da sua reflexão, disse-me, dando um salto cujo sentido ainda não acabo de compreender: "Eu não conheço Roma. São poucas as coisas que conheço. Entre elas, Santa Maria a Maior: eu costumava ir sempre lá". Rindo, eu comento: "Entendemos muito bem, Santo Padre!". "Bem, então – prossegue –, conheço Santa Maria a Maior, São Pedro… Mas quando eu vinha a Roma, ficava sempre na Via della Scrofa. De lá, eu costumava visitar a igreja de São Luís dos Franceses, para contemplar o quadro da vocação de São Mateus, de Caravaggio." Comecei a intuir o que o Papa estava querendo dizer.

"Esse dedo de Jesus, apontando assim… para Mateus. Eu estou desse jeito. Eu me sinto assim. Como Mateus." E, neste momento, o Papa se decidiu, como se tivesse captado a imagem de si mesmo que estava procurando: "O gesto de Mateus me impressiona. Ele agarra o seu dinheiro, como se estivesse dizendo: 'Não, eu não! Não, este dinheiro é meu!'. Isso é o que eu sou: um pecador a quem o Senhor dirigiu seu olhar…. E foi isso que eu disse quando me perguntaram se eu aceitava a eleição como Pontífice". E murmurou: "Peccator sum, sed super misericordia et infinita patientia Domini nostri Jesu Christi confisus et in spiritu penitentiae accepto”.

A Igreja é um hospital de guerra?

O Papa Bento XVI, ao anunciar sua renúncia ao pontificado, descreveu o mundo atual como submetido a diversas mudanças e agitado por questões de enorme importância para a vida de fé, que exigem grande vigor de corpo e alma. Eu perguntei ao Papa, também à luz do que ele tinha acabado de dizer: "Do que a Igreja mais precisa neste momento? Reformas? Quais são seus desejos para a Igreja dos próximos anos? Com que Igreja o senhor 'sonha'?".

O Papa Francisco, referindo-se ao começo da minha pergunta, disse: "O Papa Bento realizou um ato de santidade, de grandeza e de humildade. É um homem de Deus". E assim ele mostrou grande carinho e estima pelo seu predecessor.

"Vejo com clareza – continuou – que o que a Igreja precisa com mais urgência hoje é uma capacidade de curar feridas e dar calor ao coração dos fiéis, proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de guerra após uma batalha. Que inútil é perguntar a um ferido se ele tem altos índices de colesterol ou açúcar! É preciso curar suas feridas. Depois vemos o resto. Curar feridas, curar feridas… É preciso começar pelo mais elementar."

"A Igreja, às vezes, se deixou envolver em pequenas coisas, em pequenos preceitos, quando o mais importante é o anúncio primeiro: 'Jesus Cristo te salvou!'. E os ministros da Igreja devem ser, antes de tudo, ministros da misericórdia. Por exemplo, o confessor sempre corre o risco de ser rigoroso demais ou frouxo demais. Nenhum dos dois é misericordioso, porque nenhum dos dois realmente cuida da pessoa. O rigoroso lava as mãos e se remete ao que foi mandado. O frouxo lava as mãos dizendo simplesmente 'isso não é pecado' ou algo semelhante. É preciso acompanhar as pessoas, as feridas precisam ser curadas."

"Como estamos tratando o povo de Deus? Eu sonho com uma Igreja mãe e pastora. Os ministros da Igreja têm de ser misericordiosos, cuidar das pessoas, acompanhando-as, como o bom samaritano, que lava, limpa e consola seu próximo. Isso é Evangelho puro. Deus é maior que o pecado. As reformas organizativas e estruturais são secundárias, ou seja, vêm depois. A primeira reforma deve ser a das atitudes."

"Os ministros do Evangelho devem ser pessoas capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar com elas na noite, de saber dialogar e inclusive descer à sua noite e escuridão sem perder-se. O povo de Deus precisa de pastores, e não funcionários, 'clérigos de escritório'. os bispos, especialmente, precisam ser homens capazes de apoiar com paciência os passos de Deus no seu povo, de maneira que ninguém fique atrás, bem como acompanhar o rebanho com seu olfato, para encontrar novas veredas."

"Ao invés de ser somente uma Igreja que acolhe e recebe, mantendo suas portas abertas, busquemos ser uma Igreja que encontra caminhos novos, capaz de sair de si mesma, indo até aquele que não a frequenta, até aquele que foi embora, até aquele que é indiferente. Quem abandonou a Igreja, às vezes o fez por razões que, se bem compreendidas, podem ser o início de um retorno. Mas é preciso ter audácia e coragem."

Aproveito o que o Santo Padre está dizendo para falar daqueles cristãos que vivem situações irregulares para a Igreja, ou diversas situações complexas; cristãos que, de uma maneira ou de outra, mantêm as feridas abertas. Penso nos divorciados que voltaram a se casar, nos casais homossexuais e em outras situações difíceis. Como fazer uma pastoral missionária nestes casos? Onde encontrar um ponto de apoio? O Papa dá a entender, com um gesto, que compreendeu o que eu estava tentando dizer e me respondeu:

"Temos que anunciar o Evangelho em todos os lugares, pregando a boa notícia do Reino e curando, também com a nossa pregação, todo tipo de ferida. Em Buenos Aires, eu recebia cartas de pessoas homossexuais, que são os verdadeiros 'feridos sociais', porque me dizem que sentem que a Igreja sempre os condenou. Mas a Igreja não quer fazer isso. Durante o voo no qual eu voltava do Rio de Janeiro, comentei que, se uma pessoa homossexual tem boa vontade e busca Deus, eu não sou ninguém para julgá-la. Ao falar isso, eu disse o que o Catecismo diz."

"A religião tem direito de expressar suas próprias opiniões ao serviço das pessoas, mas Deus, na criação, nos fez livres: não é possível uma ingerência espiritual na vida pessoal. Certa vez, uma pessoa, para me provocar, perguntou-me se eu aprovava a homossexualidade. Eu então lhe respondi com outra pergunta: 'Diga-me, Deus, quando vê uma pessoa homossexual, aprova sua existência com carinho ou a rejeita e a condena?'. Sempre precisamos levar em consideração a pessoa. E aqui entramos no mistério do ser humano. Nesta vida, Deus acompanha as pessoas e é nosso dever acompanhá-las partindo da sua condição. É preciso acompanhar com misericórdia. Quando isso acontece, o Espírito Santo inspira o sacerdote com as palavras mais oportunas."

"Esta é a grandeza da confissão: que se analise caso por caso, que se possa discernir o que é melhor para uma pessoa que busca Deus e sua graça. O confessionário não é uma sala de tortura, mas o lugar da misericórdia, no qual o Senhor nos incentiva a dar o melhor de nós. Penso na situação de uma mulher que carrega nas costas o fracasso de um casamento, no qual também houve um aborto. Depois disso, essa mulher voltou a se casar e agora vive em paz, com 5 filhos. O aborto é um grande peso para ela, e ela está sinceramente arrependida. Ela anseia por retomar a vida cristã. O que o confessor faz?"

"Não podemos continuar insistindo somente em questões referentes ao aborto, ao casamento homossexual e ao uso de anticoncepcionais. É impossível. Eu falei muito destas questões e recebi muita bronca por isso. Mas, quando se fala destes temas, é preciso contextualizar. No demais, já conhecemos a opinião da Igreja, e eu sou filho da Igreja. Mas não precisamos ficar falando destas coisas o tempo todo."

"Os ensinamentos da Igreja, sejam dogmáticos ou morais, não são todos equivalentes. Uma pastoral missionária não fica obcecada por transmitir de forma desestruturada um conjunto de doutrinas, para impô-las insistentemente. O anúncio missionário se concentra no essencial, no necessário, que, por outro lado, é o que mais apaixona e atrai, é o que faz o coração arder, como com os discípulos de Emaús."

"Temos, portanto, de encontrar um novo equilíbrio, porque, de outra maneira, o edifício moral da Igreja corre o risco de cair, como um castelo de cartas, de perder o frescor e o perfume do Evangelho. A proposta evangélica deve ser mais simples, mais profunda e irradiante. É só de uma proposta assim que depois surgem as consequências morais."

"Digo isso pensando também na pregação e nos conteúdos da nossa pregação. Uma boa homilia, uma verdadeira homilia, deve começar com o primeiro anúncio, com o anúncio da salvação. Não há nada mais sólido, profundo e seguro que este anúncio. Depois virá uma catequese. E só depois se poderá extrair alguma consequência moral. Mas o anúncio do amor salvífico de Deus é prévio à obrigação moral e religiosa."

"Hoje, parece que às vezes prevalece a ordem inversa. A homilia é a pedra angular para medir a capacidade de encontro de um pastor com o seu povo, porque quem prega tem de reconhecer o coração da sua comunidade, para buscar onde continua vivo e ardente o desejo de Deus. Por isso, a mensagem evangélica não pode ser reduzida a alguns aspectos que, ainda sendo importantes, não são em si o coração do ensinamento de Jesus."

E o papel da mulher na Igreja?

O Papa se referiu mais de uma vez a este tema em diversas ocasiões. Em uma entrevista, afirmou que a presença feminina na Igreja é pouco percebida, porque a tentação do machismo não deu espaço para tornar visível o papel que corresponde à mulher na comunidade. Ele retomou o tema durante a viagem de volta do Rio de Janeiro, afirmando que ainda não existe uma teologia profunda da mulher. Eu lhe perguntei: "Qual deve ser o papel da mulher na Igreja? O que pode ser feito para lhe dar uma maior visibilidade?".

"É preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Tenho medo de uma solução ao estilo 'machismo de saia', porque a mulher tem uma estrutura diferente do homem. Mas os discursos que ouço sobre o papel da mulher geralmente se inspiram em uma ideologia machista. As mulheres estão formulando questões profundas que devemos enfrentar. A Igreja não pode ser ela mesma sem a mulher e o papel que esta desempenha. A mulher é imprescindível para a Igreja."

"Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isso porque não podemos confundir 'função', com 'dignidade'. É preciso, portanto, aprofundar mais na figura da mulher na Igreja. Temos de trabalhar mais, até elaborar uma teologia profunda da mulher. Só depois disso poderemos refletir melhor sobre a sua função dentro da Igreja. Nos lugares em que se tomam as decisões importantes, é necessário contar com o gênio feminino. Temos este desafio hoje: refletir sobre o lugar específico da mulher, inclusive nos campos em que se exerce a autoridade, nos diversos âmbitos da Igreja."

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