Tomé é como nós, que precisamos das evidências objetivas e das comprovações empíricas para acreditarmosMuitos consideram São Tomé como o padroeiro da nossa geração. Somos filhos da modernidade, que nos ensinou que pensamos e logo existimos, através do mestre Descartes, filósofo francês, que apesar de acreditar em Deus, não abdicava de sua razão para tudo.
A experiência que São Tomé fez da ressurreição de Jesus de Nazaré, seu companheiro, seu mestre, em quem acreditou a ponto de largar tudo para segui-lo, poderia nos mostrar que o erro de Descartes é não ter percebido que Deus é um mistério de amor e salvação e não um mistério que a lógica humana pode decifrar.
O primeiro erro de Tomé foi ter se afastado da comunidade quando lhe sobreveio a desolação suprema do fracasso e da morte de Jesus. Assim, estando longe, não estava perto dos companheiros quando Jesus lhes apareceu ressuscitado atravessando portas fechadas e paredes espessas, trazendo-lhes o dom da paz que os encheu de nova confiança e lhes confortou os corações, expulsando deles o medo e a incredulidade.
Avisado pelos outros, deslumbrados pela descoberta de que Jesus, que haviam visto morrer, estava vivo, Tomé dá uma resposta que bem podia ser nossa diante das coisas que não conseguimos circunscrever com nossa cabeça e nossa razão. Tomé diz que se não tocar com suas próprias mãos as chagas que os pregos fizeram nas mãos de Jesus, se não puder colocar sua mão no lado traspassado pela lança do soldado, não acreditará. Precisa ver para crer. Precisa que a evidência lhe penetre pelos sentidos, senão não dará sua adesão àquilo que outros lhe contaram.
Tomé é como nós, que precisamos das evidências objetivas e das comprovações empíricas para acreditarmos. E como Deus não age nem se manifesta nesta linha, mas só se pode encontra-lo na gratuidade do desejo e do amor , achamos que Ele não existe, ou que se esqueceu de nós, ou que é uma coisa inventada pela humanidade para suportar a dureza da vida, ou que é uma projeção de nossas carências e frustrações. Secretamente, talvez seja isso que Tomé haja pensado e sentido: “esses aí estão tão loucos e desesperados que agora inventaram isso para se consolar mutuamente. Como vou acreditar nisso, eu que sei que a morte é o único lugar de onde não se volta?”
A beleza do texto evangélico que vai nos mostrar o Ressuscitado aparecendo novamente aos onze, desta vez com a presença de Tomé, residirá no fato de que não só a misericórdia do Crucificado agora glorificado dará a Tomé o que ele pede. Mas lhe dará muito mais do que jamais pôde imaginar. É novamente Deus que desconcerta a arrogância do ser humano apresentando-se humilde, oferecendo-se amoroso, buscando –o para atraí-lo novamente desde sua soberba à comunhão de seu amor. Em lugar de repreender Tomé e fulmina-lo com o esplendor de sua glória, mansamente lhe coloca ao alcance a experiência inefável de tocar as marcas de sua dolorosíssima Paixão, agora glorificada pelo poder de Deus a fim de que sua fé seja novamente despertada do torpor em que se encontrava. E convida: “ Toca minhas chagas . Mete a mão em meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”.
Tomé perde completamente sua postura arrogante e o que vemos agora é um homem sadiamente humilhado pela revelação da dureza de seu coração, de sua descrença, de seu orgulho, que cai de joelhos e faz uma humilde confissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus!”.
O Ressuscitado continua pedagogicamente seu diálogo com Tomé estendendo o que quis ensinar a este a todos os que , depois dele, serão submetidos às mesmas dúvidas e às mesmas tentações: “Tu creste, Tomé, porque viste. Bem aventurados os que não viram e creram.”
Peçamos a intercessão de São Tomé para ver se nossa fé aumenta um pouquinho e se curvamos um pouco nossa arrogância que exige sinais, provas e comprovações de tudo que acontece ou deixa de acontecer em nossa vida. Que o Evangelho da fé provada e posta à prova, mas também amorosamente confirmada de São Tomé possa nos ensinar que Deus está disposto a tudo para nos atrair a sua intimidade. A tudo, até mesmo a ceder a nossas um tanto estúpidas exigências.
Mas é importante aprender também que , neste mundo onde tudo se prova e se comprova, até mesmo violentamente; onde quem não tem um papel de identidade simplesmente não existe; onde velhinhos doentes são obrigados a sair de suas casas sob um sol causticante a fim de comprovar que estão vivos e receber uma magra aposentadoria; é importante viver a bem-aventurança de crer sem ver. Crer que – como dizia o grande escritor João Guimarães Rosa – quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo. Crer na palavra e no testemunho dos outros quando nos falam de Deus, de seu amor e sua bondade, embora não o estejamos experimentando a nível sensível. Crer que Deus está disposto a qualquer coisa, – mas qualquer coisa mesmo – para ir buscar-nos na distância mais longínqua onde nosso pecado e nossa soberba nos tenha colocado.
É por isso que a devoção da Igreja, sabiamente, nos oferece como possibilidade humilde e adorante repetir no momento da consagração, na missa , as palavras de Tomé. Quando o sacerdote repete as palavras da instituição da Eucaristia: “Isto é meu corpo. Isto é meu sangue” somos carinhosamente convidados pela Mãe Igreja a dizer em nosso coração a oração de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”. E a esperar que a graça incomensurável do amor desse Deus que ressuscitou Seu Filho da morte e desse Filho que se dá em comida e bebida para nosso alimento comoverá nosso coração, curvará nossa dura cerviz e aumentará nossa fé.
(Publicado em Shalom, no dia 10 de outubro de 2013)