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Eutanásia e menores de idade: um caminho sem volta?

Eutanasia minori – pt

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Lucandrea Massaro - Aleteia Vaticano - publicado em 10/12/13

Entrevista com o pe. Renzo Pegoraro, chanceler da Pontifícia Academia para a Vida, sobre a decisão da Bélgica de eliminar a idade mínima para escolher a morte

É manchete na Bélgica o primeiro “sim” do parlamento nacional à possibilidade de menores de idade recorrerem à eutanásia. A prática já era legalizada para os adultos do país, assim como ocorre na Holanda e em Luxemburgo. Agora, a proposta de estender a eutanásia aos menores conseguiu de uma comissão do senado belga o seu primeiro e contundente sinal verde. Sem especificar uma idade mínima para o exercício legal dessa escolha, o texto fala genericamente de “menores de idade”, acrescentando apenas que "um psicólogo deverá avaliar a sua capacidade de discernimento" (Euronews, 29 de novembro).

Há perplexidade em muitos ambientes, especialmente nos círculos mais próximos da Igreja católica. O medo é que a medida seja motivada pela necessidade de cortar custos na saúde pública: a eutanásia significaria menos investimentos em tratamentos paliativos e menos hospitalizações a custear.

O semanário Vida explica que “a máscara dos ‘direitos’ esconde situações bem diferentes. Nem todos percebem, mas essa decadência está sendo acelerada com a contribuição de todos, seja por boa ou má fé. As principais autoridades religiosas do país já ressaltaram que a contraposição, neste caso, não é entre o tratamento terapêutico agressivo e a eutanásia: a contraposição é entre os cuidados paliativos e o alívio da dor, por um lado, e o tratamento agressivo e/ou a eutanásia, por outro. É uma questão muito particular, em que os supostos ‘laicos’ que apresentaram a proposta de lei escorregaram" (28 de novembro).

Para entender melhor este problema que, sem dúvida, repercutirá no debate europeu, Aleteia entrevistou o pe. Renzo Pegoraro, chanceler da Pontifícia Academia para a Vida.

Pe. Renzo, não é a primeira vez que a Bélgica nos dá uma notícia desse tipo, não é? A eutanásia já existia no país…

Pegoraro: Mas, infelizmente, o que temíamos também aconteceu. É uma situação de ladeira abaixo. Mais uma queda em direção a uma cultura de morte.

Por que a percepção do valor da vida mudou tanto nos últimos anos?

Pegoraro: Tem muitos fatores que nós precisamos estudar e entender. Primeiro, uma sociedade baseada na eficiência, numa vida que é medida e avaliada com base na utilidade, na eficiência e na beleza. Isso nos faz perder de vista o valor da vida em si mesma, o valor do acolhimento. Em segundo lugar, nós sofremos uma invasão da tecnologia na vida, achando que podemos controlar e dominar todas as fases da vida. Isso provoca uma mudança de perspectiva. Em terceiro lugar, existe um excesso de subjetivismo e de individualismo, que transforma os direitos humanos nos "meus direitos", numa desculpa para tentar um controle completo e total, que nos faz perder o valor intrínseco da vida e, naturalmente, o respeito por ela. É uma cultura contra a vida, uma cultura de morte, que se manifesta nesse caso, no caso dos doentes que não têm nenhuma perspectiva de recuperação, que não têm nenhuma garantia de uma abordagem cultural e médica de acompanhamento e tratamento.

Isso nos leva a pensar no outro aspecto dessa cultura, o tratamento agressivo.

Pegoraro: Isso mesmo. A mentalidade do controle e da dominação pode se transformar ou num tratamento terapêutico agressivo ou na eutanásia, e a Igreja condena as duas situações, porque elas não respeitam o homem nem a dignidade do homem. Por um lado, você tem o tratamento agressivo e desproporcional, que não respeita a pessoa nem a sua condição. Por outro, você tem a pretensão de antecipar a morte, de causar a morte, determinando o fim da pessoa. O desafio é acompanhar a medicina e os seus progressos, que têm que ser valorizados, com humanidade, com solidariedade e com boa assistência para acompanhar a pessoa até a morte digna. Nós temos que garantir essa inviolabilidade e o cuidado adequado da vida humana.

Uma das objeções contra a Igreja é a dor. Algumas pessoas pensam que o catolicismo é um pouco cético no tocante ao tratamento da dor, aos cuidados paliativos.

Pegoraro: E não é nada disso. Pelo contrário. Nós temos que dissipar alguns equívocos e reconhecer um percurso histórico. Já faz mais de cinquenta anos, desde o papa Pio XII, que a Igreja reconheceu a obrigação moral de aliviar a dor e usar tudo o que a medicina oferece para eliminar ou controlar a dor. É uma responsabilidade tanto do médico e dos profissionais da saúde em geral quanto do paciente e dos familiares dele: garantir o máximo de serenidade e dignidade para a pessoa. A morfina e outros tratamentos são lícitos, como a prática médica sugere. Temos todo o campo mais amplo e mais articulado dos cuidados paliativos. É necessário cuidar dos doentes como doentes: eles não podem ser deixados sozinhos, porque a solidão é um dos grandes dramas que tantas vezes afetam os pacientes. É o paciente que tem que avaliar até que ponto, por razões pessoais ou de fé, ele pode aceitar certos tratamentos que podem afetar a sua lucidez. Mas a mensagem da Igreja é clara: aliviar a dor e enxugar toda lágrima, acompanhar as pessoas em toda a sua jornada.

A Igreja católica está sozinha nessa defesa da vida?

Pegoraro: Nós temos que entender o contexto de secularização rápida e consistente naqueles países [Bélgica, Holanda e Luxemburgo, ndr], a estrutura social e o papel mais poderoso dos médicos e dos tratamentos. Uma capacidade de desempenhar um papel central, que parte da ideia de que a resposta para todo sofrimento está na medicina. Mas sofrimento e dor não são a mesma coisa. A dor é um fato fisiológico. O sofrimento está ligado também a fatores psicológicos e espirituais das pessoas. Existe a ideia de que o sofrimento de ver a morte se aproximando pede uma resposta sempre médica e que existe uma solução médica que é a antecipação da morte. Isso é um jeito de entender errado o papel da medicina, a ideia da liberdade e até uma distorção do conceito de compaixão e de cuidado. Suspender o tratamento é uma coisa, fazer uma intervenção ativa para acelerar a morte é outra coisa bem diferente.

Supondo que a eutanásia fosse aceitável para um sujeito adulto: no caso dos menores, não acontece uma manipulação do conceito de autodeterminação?

Pegoraro: Pois é, esse extremo de liberar a eutanásia para menores levanta sérias preocupações e causa muita tristeza. É aquela ladeira abaixo, que já era de se esperar e que agora é um fato: da afirmação inflexível da autodeterminação e da liberdade de uma pessoa, que, quando está doente, fica muito influenciável pela própria doença, pela dor, pela presença ou ausência da família, pelo próprio sentimento da morte, nós passamos para o caso dos menores, que são mais vulneráveis e mais condicionáveis ainda. Temos que entender a relação entre a liberdade do sujeito e a liberdade e as responsabilidades dos profissionais da saúde. No caso do menor, tudo isso fica muito comprometido, porque o menor, por definição, não tem a maturidade plena para decidir sobre coisas tão fundamentais, mesmo que a doença seja tão grave a ponto de sugerir isso. É surpreendente você alegar autodeterminação aqui. O contexto dos pais também não fica claro, o envolvimento deles nisso: podemos entender que em alguns casos haja um sentimento de resignação, mas aceitar o fato da morte e acelerar esse caminho é desconcertante! E por último, a avaliação psicológica, nesse caso, em vez de ser um acompanhamento para encontrar apoio, serviria apenas para afirmar que a pessoa está bem ciente da decisão. Mas os cuidados paliativos sempre previram o apoio psicológico para procurar sentido, não para acelerar a morte. Enfim, há muitas preocupações com essa decisão da Bélgica, que abre caminho para um precedente doloroso.

Qual é a situação na Europa? Um possível "efeito dominó"?

Pegoraro: Difícil. Esperamos que não. No momento, eu diria que não. Há dúvidas e perplexidade geral nos outros países. A Europa se expandiu e nós precisamos aprender a caminhar juntos, como europeus, não só como países soltos. Entender quais são os espaços da liberdade individual: podemos entender a rejeição de tratamentos e a responsabilidade que o sujeito individual assume, uma responsabilidade que é aceita e respeitada pelas instituições e que é daqueles que recusam o tratamento e aceitam a morte como resultado dessa escolha. Essa é uma escolha que moralmente não é compartilhável, mas legalmente ou socialmente é tolerável. Outra coisa bem diferente é autorizar o médico ou o enfermeiro a praticar a eutanásia, a matar diretamente o doente a pedido dele próprio. Nós temos que ser muito precisos e definir um respeito pela liberdade da pessoa em decisões que não são moralmente compartilháveis, mas também definir quais são as obrigações dos profissionais de saúde, que terão de se comprometer sempre com a vida, com o bom tratamento e com o bom acompanhamento, e nunca ser agentes ativos da morte do paciente. Médicos e enfermeiros têm limites a respeitar diante dos pedidos dos pacientes, porque existe uma missão pública de respeitar e cuidar da vida, e isso é um desafio a ser considerado em âmbito europeu.

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