Entrevista com o pe. Renzo Pegoraro, chanceler da Pontifícia Academia para a Vida, sobre a decisão da Bélgica de eliminar a idade mínima para escolher a morte
É manchete na Bélgica o primeiro “sim” do parlamento nacional à possibilidade de menores de idade recorrerem à eutanásia. A prática já era legalizada para os adultos do país, assim como ocorre na Holanda e em Luxemburgo. Agora, a proposta de estender a eutanásia aos menores conseguiu de uma comissão do senado belga o seu primeiro e contundente sinal verde. Sem especificar uma idade mínima para o exercício legal dessa escolha, o texto fala genericamente de “menores de idade”, acrescentando apenas que "um psicólogo deverá avaliar a sua capacidade de discernimento" (Euronews, 29 de novembro).
Há perplexidade em muitos ambientes, especialmente nos círculos mais próximos da Igreja católica. O medo é que a medida seja motivada pela necessidade de cortar custos na saúde pública: a eutanásia significaria menos investimentos em tratamentos paliativos e menos hospitalizações a custear.
O semanário Vida explica que “a máscara dos ‘direitos’ esconde situações bem diferentes. Nem todos percebem, mas essa decadência está sendo acelerada com a contribuição de todos, seja por boa ou má fé. As principais autoridades religiosas do país já ressaltaram que a contraposição, neste caso, não é entre o tratamento terapêutico agressivo e a eutanásia: a contraposição é entre os cuidados paliativos e o alívio da dor, por um lado, e o tratamento agressivo e/ou a eutanásia, por outro. É uma questão muito particular, em que os supostos ‘laicos’ que apresentaram a proposta de lei escorregaram" (28 de novembro).
Para entender melhor este problema que, sem dúvida, repercutirá no debate europeu, Aleteia entrevistou o pe. Renzo Pegoraro, chanceler da Pontifícia Academia para a Vida.
Pe. Renzo, não é a primeira vez que a Bélgica nos dá uma notícia desse tipo, não é? A eutanásia já existia no país…
Pegoraro: Mas, infelizmente, o que temíamos também aconteceu. É uma situação de ladeira abaixo. Mais uma queda em direção a uma cultura de morte.
Por que a percepção do valor da vida mudou tanto nos últimos anos?
Pegoraro: Tem muitos fatores que nós precisamos estudar e entender. Primeiro, uma sociedade baseada na eficiência, numa vida que é medida e avaliada com base na utilidade, na eficiência e na beleza. Isso nos faz perder de vista o valor da vida em si mesma, o valor do acolhimento. Em segundo lugar, nós sofremos uma invasão da tecnologia na vida, achando que podemos controlar e dominar todas as fases da vida. Isso provoca uma mudança de perspectiva. Em terceiro lugar, existe um excesso de subjetivismo e de individualismo, que transforma os direitos humanos nos "meus direitos", numa desculpa para tentar um controle completo e total, que nos faz perder o valor intrínseco da vida e, naturalmente, o respeito por ela. É uma cultura contra a vida, uma cultura de morte, que se manifesta nesse caso, no caso dos doentes que não têm nenhuma perspectiva de recuperação, que não têm nenhuma garantia de uma abordagem cultural e médica de acompanhamento e tratamento.
Isso nos leva a pensar no outro aspecto dessa cultura, o tratamento agressivo.
Pegoraro: Isso mesmo. A mentalidade do controle e da dominação pode se transformar ou num tratamento terapêutico agressivo ou na eutanásia, e a Igreja condena as duas situações, porque elas não respeitam o homem nem a dignidade do homem. Por um lado, você tem o tratamento agressivo e desproporcional, que não respeita a pessoa nem a sua condição. Por outro, você tem a pretensão de antecipar a morte, de causar a morte, determinando o fim da pessoa. O desafio é acompanhar a medicina e os seus progressos, que têm que ser valorizados, com humanidade, com solidariedade e com boa assistência para acompanhar a pessoa até a morte digna. Nós temos que garantir essa inviolabilidade e o cuidado adequado da vida humana.
Uma das objeções contra a Igreja é a dor. Algumas pessoas pensam que o catolicismo é um pouco cético no tocante ao tratamento da dor, aos cuidados paliativos.
Pegoraro: E não é nada disso. Pelo contrário. Nós temos que dissipar alguns equívocos e reconhecer um percurso histórico. Já faz mais de cinquenta anos, desde o papa Pio XII, que a Igreja reconheceu a obrigação moral de aliviar a dor e usar tudo o que a medicina oferece para eliminar ou controlar a dor. É uma responsabilidade tanto do médico e dos profissionais da saúde em geral quanto do paciente e dos familiares dele: garantir o máximo de serenidade e dignidade para a pessoa. A morfina e outros tratamentos são lícitos, como a prática médica sugere. Temos todo o campo mais amplo e mais articulado dos cuidados paliativos. É necessário cuidar dos doentes como doentes: eles não podem ser deixados sozinhos, porque a solidão é um dos grandes dramas que tantas vezes afetam os pacientes. É o paciente que tem que avaliar até que ponto, por razões pessoais ou de fé, ele pode aceitar certos tratamentos que podem afetar a sua lucidez. Mas a mensagem da Igreja é clara: aliviar a dor e enxugar toda lágrima, acompanhar as pessoas em toda a sua jornada.