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Liberdade e justiça apenas para os católicos?

With Liberty and Justice for Catholics Only Brian G Wilso – pt

Brian G Wilson

Stephen Herreid - Aleteia Vaticano - publicado em 08/01/14

A ideia de liberdade é um saco de pancadas para alguns católicos exasperados: ao denunciarem os males que a esquerda perpetra em nome da falsa liberdade, eles acabam queimando também a bandeira da liberdade verdadeira

Algumas semanas atrás, em um artigo que escrevi, eu comentei que muitos católicos liberais não conseguem defender as liberdades econômicas, civis e religiosas delineadas na Doutrina Social da Igreja. É preciso destacar também que existe um número crescente de católicos que se reconhecem como tradicionais e que rejeitam a ideia de uma “liberdade total”. Eles veem a liberdade como nada mais que “hedonismo de esquerda” e ficam perplexos quando um conservador a defende. Ao aceitar erroneamente essa falsa definição de liberdade, esses católicos garantem a sua própria e peculiar recompensa: o “gosto” de fazer oposição cerrada ao inimigo facilmente odiado que eles chamam de "modernidade" ou "Iluminismo".

Esse inimigo representa tantos aspectos da vida moderna que rejeitá-lo “por atacado” nos pouparia da encrenca de navegar com atenção e prudência por entre as batalhas culturais de hoje: é como dar um desdenhoso tchau para o "mundo moderno" em vez de definir a verdadeira liberdade e defendê-la de quem a corrompe, deturpa ou destrói. Há quem zombe até mesmo quando a liberdade religiosa da Igreja é atacada: "Liberdade? Isso é uma construção do Iluminismo. Eu não tenho nada a ver com isso. Eu sou fiel à Igreja tradicional na luta contra a modernidade". Desse jeito, o católico pode até abandonar a Igreja perseguida ao deus-dará, dando-se por mais satisfeito com a própria rejeição à "modernidade" do que com o amor concreto e objetivo pela Igreja.

Santo Agostinho escreveu que "a lei não é capaz de tornar os homens bons e, sem homens bons, não pode haver uma sociedade boa". Os motivos para a atual rejeição católica da liberdade se baseiam principalmente no pressuposto de que a lei pode, sim, tornar os homens bons, e de que a imoralidade da sociedade é resultado da incompetência do governo. Os católicos caíram no erro de equiparar liberdade com abuso da liberdade, assim como liberdade individual de escolha com as piores escolhas que um indivíduo pode fazer. Em outras palavras, eles adotaram a definição de liberdade fornecida pela esquerda radical em sua defesa do "direito de escolher" o infanticídio. Essa "liberdade" não é liberdade alguma: é só um estratagema que assume as funções alternadas de atração e de chicote para manter “na linha” quem tenta defender a verdadeira liberdade.

Essa ideia falsa de liberdade é um saco de pancadas para alguns católicos exasperados: ao denunciarem os males que a esquerda perpetra em nome da falsa liberdade, eles acabam queimando também a bandeira da liberdade verdadeira. Esse ritual ocorre diariamente em muitos cantos da blogosfera católica e foi recentemente trazido à tona, aqui na Aleteia, por um artigo de Mark Gordon. Gordon fez uma ligação entre o pensamento de John Courtney Murray, pai dos ensinamentos da Igreja sobre a liberdade religiosa, e o Estado abortista que atualmente está se concentrando em esmagar a liberdade religiosa que Murray, o papa e tantos outros delinearam na Dignitatis Humanae. Diante das sombras da nova legislação norte-americana sobre a saúde pública (o “HHS mandate”), é difícil imaginar como os católicos arrumam tempo para atacar os defensores da liberdade religiosa contra o Estado em vez de ajudá-los.

Os católicos que rejeitam a tradição americana (e britânica) de liberdade ordenada têm que fechar os olhos para o Concílio Vaticano II, que afirmou a liberdade institucionalizada presente na ordem americana. Aliás, no tocante à liberdade, alguns católicos norte-americanos têm conseguido se manter interiormente desleais tanto ao seu país quanto à sua Igreja há mais de meio século, graças a uma aparente alergia à liberdade que os fundadores da nação defenderam e que os nossos Santos Padres abençoaram.

Como outros católicos, eu acredito que o pensamento político ocidental foi atingido pelas rupturas em torno do Iluminismo e da Reforma. Em particular, na vertente iluminista caracterizada pelos terrores da Revolução Francesa e pelo Estado esquerdista e abortista norte-americano, a ideia de "liberdade" tem sido um instrumento retórico nos ataques contra a moralidade e contra a própria Igreja. Se nós, modernos, retornamos a uma ordem política em sintonia com a lei natural, isto se deve ao resgate do direito comum inglês, da sua incorporação à ordem norte-americana e da sua manutenção por cidadãos norte-americanos conscientes, desde os fundadores da nação até John Courtney Murray, Russell Kirk, William F. Buckley, Michael Novak e, hoje, Robert George.

Essa tradição da “common law” inglesa foi meticulosa e reverentemente desenvolvida durante séculos por cristãos devotos que levaram em consideração as obras de Aristóteles, Agostinho e Tomás de Aquino. Os fundadores dos Estados Unidos herdaram essa tradição. Eles "conheciam a filosofia política, assim como a história e o direito", escreve Russell Kirk. Eles tiveram o cuidado de unir "a autoridade do costume social com a autoridade dos grandes livros. Eles respeitavam a sabedoria dos seus ancestrais. Eles respeitavam, em particular, a sabedoria religiosa". Os seus “pressupostos políticos eram compostos de doutrinas religiosas judaicas, ensinamentos cristãos, filosofia clássica, aprendizado medieval e literatura inglesa”. Eles também testaram a sua política medindo-a com "a experiência histórica do mundo antigo, a sociedade medieval, o desenvolvimento social inglês e a experiência colonial americana… Somos uma nação moderna apenas num sentido restrito". Podemos encontrar, na tradição do direito comum inglês, uma concepção meticulosamente preservada de "liberdade ordenada", mantida longe das mãos corruptoras da esquerda moderna, que a reduziria a mera licenciosidade e a transformaria em arma para usos totalitários, eugênicos e anticristãos.

A fundação dos Estados Unidos foi um processo trabalhoso de transplante desse conceito de liberdade ordenada e virtuosa para o nosso continente. O totalitarismo moderno, por outro lado, pula esse processo cuidadoso na sua realidade concreta e força a criação de um teatro, que, superficialmente, se assemelha à ordem paternalista medieval católica, um Frankenstein político moderno que se inclina contra as funções da própria ordenação política medieval católica. O comunismo, por exemplo, é, em sua essência, excessivamente ordenado: ele exclui a conexão do governo com os seus propósitos para com as pessoas, desconectando-o do seu significado na vida dos governados e tornando-o um mero exercício de poder pelo poder.

Nem todos os anticatólicos que existiram durante muito tempo na América do Norte foram uma simples caricatura da intolerância religiosa dos protestantes americanos. Poucos americanos anticatólicos influentes foram motivados simplesmente por uma desconfiança modernista do passado. A principal contrariedade deles ao catolicismo romano na América do Norte nasceu, na verdade, da suspeita de que os católicos poderiam ser mais simpáticos à vertente totalitária das práticas políticas modernas do que à tradição inglesa, essencialmente conservadora, da liberdade ordenada. O primeiro Congresso Continental chegou a publicar a sua preocupação com a possibilidade de os católicos romanos canadenses "se tornarem um risco e virarem instrumentos do poder destinados a reduzir as antigas colônias protestantes livres ao mesmo estado de escravidão deles próprios".

Essa paranoia anticatólica era amplamente infundada, a ponto de, em meados do século XIX, Alexis de Tocqueville ter escrito: "Eu nunca conheci um católico inglês que não valorizasse tanto quanto qualquer protestante as instituições livres do seu país". A lealdade desses católicos à instituição americana de liberdade ordenada não exigia que eles abandonassem a fidelidade a Roma. Roma é que fez valer a posição católica americana louvada por Tocqueville promulgando-a com toda a autoridade de um concílio da Igreja:

"Acima de tudo isso, o concílio pretende desenvolver a doutrina dos papas recentes sobre os direitos invioláveis da pessoa humana e a ordem constitucional da sociedade. Este concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade significa que todos os homens devem estar livres de coação por parte de indivíduos ou de grupos sociais e de qualquer poder humano, de tal modo que ninguém deve ser forçado a agir de forma contrária às suas próprias crenças, seja privada ou publicamente, seja a sós ou em sociedade com outros, dentro dos devidos limites. O concílio declara, ainda, que o direito à liberdade religiosa tem o seu fundamento na própria dignidade da pessoa humana tal como conhecida através da palavra revelada de Deus e através da razão. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa deve ser reconhecido constitucionalmente por todos os governos e tornar-se, assim, um direito civil".

Se, por um lado, os anticatólicos dos Estados Unidos estavam equivocados em grande medida, não há nenhuma dúvida, por outro lado, de que existia entre alguns católicos uma intolerância religiosa que justificava o “roubo” da agência moral dos homens (a liberdade) mediante a citação do final de "O Bem" tal como concebido nos ensinamentos católicos. A Igreja nunca puniu essa intolerância entre os católicos e, embora a maioria não tenha aderido a essa postura, ela parece estar ressurgindo atualmente. Conheci e li os escritos de não poucos católicos que exibem uma confiança ingênua na autoridade divinamente outorgada ao Estado. Eles admiram, até, o poder do Estado laico moderno, que, superficialmente, recorda o coercivo "paternalismo" a que Bento XVI se referia como "humilhante".

Embora esses católicos ainda conservem uma esperança conspiratória num milagroso golpe que desmanchará a "modernidade" (incluindo, ao que parece, os ensinamentos da Igreja "moderna" sobre a dignidade humana e sobre a liberdade religiosa), devemos ficar do lado da Igreja que atualmente está perdendo a sua liberdade em nosso país. Promulgar as virtudes naturais e os princípios da moral cristã é, propriamente, o papel da Igreja. Isso não quer dizer que todos devamos nos voltar contra o nosso país e aguardar as ordens de Roma (a Igreja sempre foi um corpo formado muito mais por leigos do que por clérigos), mas sim que a manutenção da virtude pública é um dever especialmente impresso na consciência cristã. Os fundadores deste país entendiam, e assim o articularam quase “ad nauseam”, que, sem o exercício livre e reto da consciência cristã, a moralidade pública desmoronaria e, como nos últimos dias do Império Romano, derrubaria consigo a ordem política.

Qualquer governo limitado que serve mais para proteger a liberdade dos seus cidadãos do que para impor a eles a moralidade é um governo que permite o mal. Assim como Deus permite que o diabo percorra o mundo em busca da ruína das almas, os fundadores da nossa pátria estabeleceram uma ordem política que deixa a porta aberta para a corrupção. E também nos exortaram a vigiar essa porta, armados e prontos. Deus também nos exorta a ficar vigilantes contra o mal, armando-nos com a revelação e com a lei natural, que os nossos fundadores foram humildes o suficiente para recomendar aos cidadãos norte-americanos, mas não arrogantes o suficiente para interpretá-la e aplicá-la à força.

Testemunhamos, hoje, um governo voltado a desfazer o que os nossos fundadores nos legaram e o que os nossos Santos Padres nos pediram preservar. Quer vençamos ou não, engajar-nos na guerra pela liberdade que o nosso presidente ameaça é um dever tão patriótico quanto cristão. Em 1997, o beato João Paulo II nos recordou a "responsabilidade grave e de longo alcance" que os Estados Unidos têm perante os próprios cidadãos e o resto do mundo. Ele elogiou o compromisso dos nossos fundadores “de construir uma sociedade livre, com liberdade e justiça para todos”, e advertiu que este compromisso “precisa ser constantemente renovado se os Estados Unidos quiserem cumprir o destino que inspirou os seus fundadores a comprometerem a vida, a fortuna e a honra sagrada”. O papa elogiou a proteção dos direitos humanos pelos Estados Unidos, particularmente "o direito humano fundamental à liberdade religiosa, garantia de todos os outros direitos humanos". O pontífice sabia que esse direito fundamental não é produto de um Estado católico, dependente de um monarca católico ou baseado em um projeto político medieval. Ele citou John Dickinson, um dos signatários da Declaração de Independência dos Estados Unidos, que disse, em 1776: "As nossas liberdades não vêm das cartas; estas são apenas a declaração de direitos preexistentes. Elas não dependem de pergaminhos nem de selos; elas vêm do Rei dos Reis e Senhor de toda a terra".

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