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A verdadeira abertura do papa Francisco

البابا فرنسيس في مقابلته العامة مع المؤمنين 08-01-2014 – pt

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Pe. Antonio Spadaro - publicado em 09/01/14

A instrumentalização das suas palavras veio a calhar tanto para os seus detratores de "direita" quanto para quem o exalta a fim de usá-lo em prol da "esquerda"

A educação é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo. Este é um dos pontos que o papa Francisco destacou na sua recente conversa com os superiores gerais, publicada em “La Civiltà Cattolica”. Infelizmente, alguns jornais que falaram de "abertura aos casais gays" se desviaram do que o papa realmente disse e do grande desafio que ele delineou. A instrumentalização das suas palavras veio a calhar tanto para os seus detratores de "direita" quanto para quem o exalta a fim de usá-lo em prol da "esquerda".

O que exatamente o papa disse? Que o educador "deve perguntar-se como proclamar Jesus Cristo a uma geração que muda". Este é o ponto: a "tarefa educativa hoje é uma missão chave, chave, chave". Para ser mais claro, ele deu alguns exemplos citando experiências próprias, em Buenos Aires, sobre a preparação necessária para acolher em contextos educativos as crianças e os jovens que vivem situações familiares problemáticas: "Lembro-me do caso de uma criança muito triste, que acabou contando à professora o motivo desse estado de espírito: ‘a namorada da minha mãe não gosta de mim’. Nas escolas, a porcentagem de crianças cujos pais são separados é altíssima". São duas situações diferentes, mas que representam claramente a complexidade dos desafios: a dos filhos de pais divorciados e a das crianças que têm como referência em casa duas pessoas do mesmo sexo.

O papa Francisco, mais do que ver "problemas" para a fé, enxerga questões a encarar e desafios a enfrentar: janelas, não paredes. Ao anunciar a renúncia ao ministério petrino, Bento XVI retratou o mundo de hoje como "sujeito a mudanças rápidas e agitado por questões de grande importância para a vida da fé". E questões geram debates. Francisco acolheu o testemunho de Bento: se os problemas não são transformados em desafios, eles acabam bloqueando a ação e a reflexão ou endurecendo a consciência atormentada por medos e pela desolação espiritual. Bergoglio enfrenta a realidade com coragem e confiança em Deus, como homem de fé.

O papa mantém os olhos abertos para a realidade e sabe muito bem que os desafios educacionais de hoje não são os mesmos de antes. Ele sabe que, em palavras dele próprio, "as situações que vivemos hoje apresentam novos desafios que, às vezes, são até difíceis de entender". Não podemos fechar os olhos para isto.

Por quê? Por uma razão clara e precisa: porque devemos anunciar o evangelho a uma geração sujeita a mudanças rápidas. O papa não se "abriu aos casais gays", como publicaram algumas agências de notícias tentando ligar as palavras do papa a um debate nacional recente [na Itália]. O papa abriu os olhos para os desafios que a mudança em nossa sociedade apresenta ao anúncio do Evangelho. Neste sentido, é bastante correto dizer que o papa deu início a um debate sobre a educação. Suas perguntas, de fato, foram estas: "Como anunciar o Cristo a esses meninos e meninas? Como anunciar o Cristo a uma geração que muda?”. E fez um apelo: "Temos que tomar cuidado para não dar a eles uma vacina contra a fé".

Bergoglio ultrapassa qualquer enrijecimento de esquerdas ou de direitas e diz algo que muito poucos observaram: o desafio da educação está ligado ao desafio antropológico. Este é um aspecto candente que o papa destacou com a sua simplicidade habitual, alertando os educadores cristãos: há situações difíceis até mesmo de entender, mas que devemos encarar se quisermos que o Evangelho seja anunciado a toda criatura.

Anos atrás, falando aos educadores, Bergoglio escreveu que as escolas católicas "não devem de modo algum aspirar à formação de um exército hegemônico de cristãos que sabem todas as respostas, mas ser o lugar onde todas as perguntas são bem-vindas e onde, à luz do evangelho, é incentivada a pesquisa pessoal". O desafio é grande: ele requer profundidade e atenção à vida.

O papa não está legitimando nada: nenhuma lei, nenhum comportamento que não corresponde à doutrina da Igreja. Está dizendo apenas que não é só com a reafirmação de princípios que se anuncia o evangelho às pessoas de hoje, mas que é preciso se aproximar das pessoas, muitas vezes feridas existencial e socialmente, do jeito que elas são, no lugar em que elas estão, em primeiro lugar para tentar entender o que elas estão vivendo. Ele o reiterou com firmeza na entrevista que fiz com ele em agosto para “La Civiltà Cattolica”. Misericórdia significa isto: não justificar os pecados, mas acolher com doçura a humanidade pela qual Cristo foi crucificado. E isto para anunciar a palavra da salvação de modo eficaz.

O papa está bem consciente de que os homens e as mulheres de hoje estão interpretando a si mesmos de maneira diferente do passado, com categorias diferentes daquelas com que ele está familiarizado. A antropologia à qual a Igreja se refere tradicionalmente, bem como a linguagem com que a tem expressado, é uma referência sólida, resultante também da sua sabedoria e da sua experiência milenar. No entanto, parece que o homem a quem a Igreja se volta não é mais capaz de entender tais referências como antes.

A Igreja é chamada, assim, a responder ao enorme desafio antropológico. Para ser sal e luz, com toda a riqueza da sua tradição e doutrina, a Igreja também deve ser "farol" que ilumina a partir de uma posição elevada e estável, mas também "tocha" que sabe mover-se em meio aos homens, acompanhando-os na sua estrada, às vezes difícil e com trechos acidentados. Em suma: o desafio educacional cristão consiste em evitar que a luz de Cristo acabe sendo para muitos uma lembrança distante, ou, pior ainda, que fique nas mãos de um pequeno e seleto grupo de "puros": isto transformaria a Igreja em uma seita. Paulo VI, tão caro a Francisco, tinha escrito que evangelizar significa "levar a boa nova a todos os grupos da humanidade, que se transformam"; sem isto, continuava ele, a evangelização corre o risco de se transformar numa decoração, num revestimento superficial (Evangelii Nuntiandi, 18-20).

Mais recentemente, em 2009, o papa Bento XVI, durante o vôo para a República Tcheca, disse que a Igreja "tem um patrimônio de valores que não são coisas do passado, mas constituem uma realidade muito viva e presente, capaz de oferecer uma orientação criativa para o futuro". É precisamente desta orientação criativa que existe necessidade, a fim de que o homem seja ajudado a viver hoje de acordo com o evangelho. E a orientação criativa pede o esforço da compreensão e da aceitação dos desafios que o papa Francisco está vivendo dia após dia no seu ministério petrino.

(Publicado no "Corriere della Sera", 7 de janeiro de 2014)

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