Uma Ucrânia integrada à Europa limita o revanchismo russo, alivia a pressão russa sobre a Polônia e os países bálticos e garante a não reconstituição “de facto” da União SoviéticaO meu fascínio pela Ucrânia começou em 1984, durante um ano sabático no Centro Internacional Woodrow Wilson para Acadêmicos. Lá, um dos primeiros amigos que fiz foi o Dr. Bohdan Bociurkiw, professor ucraniano-canadense da Universidade Carleton, de Ottawa. Nosso primeiro ponto em comum foi o interesse pela liberdade religiosa por trás da cortina de ferro. Poucas semanas depois, Bohdan me deu aulas particulares sobre a história e a cultura da sua terra natal, incluindo uma aprofundada introdução à história da Igreja greco-católica ucraniana (IGCU).
Em 1984, a IGCU era não apenas a maior das Igrejas orientais católicas, mas também o maior corpo religioso do mundo a viver sob um regime de proscrição e perseguição. Proibida na União Soviética pelo infame sobor de Lviv de 1946, uma farsa orquestrada pela polícia secreta soviética, a IGCU tinha conseguido manter a sua vida eclesial apesar das circunstâncias draconianas. A maioria dos seus bispos e do clero foi deportada para gulags; os seminários e a vida litúrgica da Igreja continuaram clandestinamente, muitas vezes escondidos em florestas.
Entretanto, o líder da IGCU, cardeal Josyf Slipyj (o modelo de "papa das estepes" de Morris West em "As Sandálias do Pescador"), nunca abandonou a esperança em um futuro diferente. Durante o exílio romano, Slipyj lançou as bases para uma instituição que Bohdan Bociurkiw não viveu para ver, mas com a qual teria exultado: a Universidade Católica Ucraniana (UCU), em Lviv, a única instituição católica de ensino superior na ex-URSS.
Nos últimos quinze anos, eu dei aulas para estudantes e pós-graduandos da UCU na série de conferências Tertio Millennio. Eu vi, ao longo desse tempo, a autoconfiança, a maturidade intelectual e o compromisso deles com a construção de um futuro decente para o seu país. Em julho passado, tive a honra de fazer o discurso de formatura na UCU, onde falei dos mártires da Ucrânia do século XX como a base sobre a qual uma Ucrânia livre e virtuosa poderia ser construída no século XXI.
Menos de cinco meses depois, alguns dos graduandos para quem eu tinha discursado, e alguns dos alunos com quem eu tinha discutido as bases morais e culturais da democracia durante um seminário de filosofia na véspera do discurso, estavam na linha de frente de uma onda massiva de protestos públicos na Ucrânia, iniciados quando o governo corrupto do presidente Viktor Yanukovich interrompeu abruptamente as negociações com a União Europeia sobre a eventual entrada da Ucrânia no bloco.
A sociedade civil ucraniana foi praticamente destruída pelo comunismo. Os protestos ucranianos dos últimos dois meses testemunham o renascimento espontâneo da sociedade civil, liderado em grande parte por jovens sem memória do comunismo, que sabem que as atuais condições morais e culturais do seu país são intoleráveis – sem falar da economia em frangalhos e da política abominável. Entre os líderes desses jovens que lutam por democracia e desses ativistas dos direitos humanos há graduados e estudantes da UCU, que aprenderam sobre a sua própria dignidade como homens, mulheres e cidadãos em uma universidade que leva a formação do caráter tão a sério quanto a formação intelectual.
Vladimir Putin entende muito bem a grande importância estratégica do futuro da Ucrânia, mas muitos norte-americanos, incluindo o governo, não. Uma Ucrânia integrada à Europa limita o revanchismo russo, alivia a pressão russa sobre a Polônia e os países bálticos e garante a não reconstituição “de facto” da União Soviética. Uma futura liderança russa, percebendo que o jogo revanchista de Putin não vingou, poderia parar de dar de ombros ao mundo e voltar-se aos grandes problemas internos da Rússia. Há muita coisa em jogo na Ucrânia, geopoliticamente.
E há muita coisa em jogo também moralmente. O levantamento popular ucraniano do final de 2013 não foi motivado por uma sede insaciável de MTV e de outras expressões da decadência ocidental. Foi motivada por um profundo anseio de verdade, justiça e decência elementar na vida pública. A Igreja greco-católica ucraniana, uma Igreja da “periferia” de que o papa Francisco nos fala, está totalmente envolvida na briga pelo futuro moral da Ucrânia. Essa brava Igreja merece a solidariedade dos católicos do mundo inteiro.