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Divulgação dos arquivos secretos de Pio XII: “a espera será breve”

L’archivio vaticano sulla Shoa presto accessibile? – pt

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Emanuele D'Onofrio - Aleteia Vaticano - publicado em 29/01/14

O relator da causa de beatificação do papa Eugenio Pacelli, pe. Peter Gumpel, fala dos seus vinte anos de trabalho em meios aos papéis de um pontificado convulso

Poucos dias depois da divulgação de novos boatos sobre a abertura dos arquivos secretos do Vaticano, notícia que foi prontamente redimensionada pelo pe. Federico Lombardi, a Aleteia procurou a pessoa que estudou mais que qualquer outra os documentos do arquivo secreto de Pio XII: o padre jesuíta Peter Gumpel, relator da causa de beatificação do papa Eugenio Pacelli.

Aqui o pe. Gumpel nos conta um pouco sobre os arquivos secretos vaticanos.

Pe. Gumpel, como o senhor começou a trabalhar na causa de Pio XII?

Gumpel: Em 1º de setembro de 1960, eu fui chamado à cúria generalícia da Companhia de Jesus. Até aquele momento, eu era prefeito de estudos e professor no Pontifício Colégio Germânico-Húngaro. Fui nomeado primeiro assistente e, caso fosse preciso, vice-postulador geral da nossa ordem, que tinha setenta causas de beatificação e canonização e trinta causas de não jesuítas, em especial de leigos. Era um grande trabalho. Ao mesmo tempo, eu fui encarregado de auxiliar o professor Paolo Molinari, o postulador geral, que tinha sido chamado como perito no Concílio Vaticano II, uma nomeação que queriam atribuir a mim também e que eu recusei. Eu poderia acompanhar de dentro todo o andamento do concílio e ter livre acesso ao trabalho das comissões, incluindo a teológica. Mais tarde, em 1983, depois de ter sido consultor teólogo da Congregação para as Causas dos Santos durante doze anos, o papa João Paulo II me nomeou relator, com a nova legislação de 1983.

Quais são as funções e os direitos do relator no tocante aos arquivos?

Gumpel: O relator é um oficial maior de primeira classe na hierarquia vaticana. Eu fui designado para a Congregação das Causas dos Santos para trabalhar em oitenta causas e verificar se todo o material apresentado à congregação era confiável, do ponto de vista histórico e teológico, ou se havia lacunas, e, caso necessário, pedir novas investigações: em resumo, eu tinha que controlar tudo. E para fazer esse trabalho, por ordem do papa João Paulo II, eu tive acesso ilimitado a todos os arquivos do Vaticano, particularmente aos arquivos secretos e aos arquivos da Secretaria do Estado.

Qual foi o impacto do contato com os arquivos?

Gumpel: Depois dessa ordem do papa, eu fui convidado a fazer uma primeira visita ao arquivo secreto vaticano. Um oficial superior teve a gentileza de me acompanhar durante três horas para me mostrar o que havia lá, para que eu conhecesse a situação. Naquela visita, eu vi prateleiras de muitas centenas de metros de comprimento, com grandes caixas enfileiradas nessas prateleiras. Pedi para ver o conteúdo de uma ou duas. Encontrei dentro delas uma mistura de coisas, materiais extremamente heterogêneos, e me perguntei como é que se tinha chegado àquela situação. Eles me explicaram o seguinte: durante a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, não era raro chegarem num só dia mais de mil cartas para a Santa Sé, de conteúdos muito diversificados. Na época, a equipe era bem limitada, dava uma resposta rápida e guardava as cartas naquelas caixas, com a esperança de algum dia poder ordená-las.

Mas porque esse material foi mantido como "secreto"?

Gumpel: É preciso entender uma coisa importante: todos os países têm um prazo durante o qual os arquivos de Estado não podem ser consultados. Em alguns casos, são trinta anos, em outros cinquenta, em alguns até cem anos. O Vaticano não tem nenhuma lei que determine esse prazo, mas há uma regra que diz que os arquivos relacionados com um pontificado se tornam acessíveis depois de setenta anos da morte daquele papa. Isso quer dizer que, no caso de Pio XII, de cuja causa eu era responsável como relator, os atos do pontificado só deveriam ser abertos em 2028, já que ele morreu em 9 de outubro de 1958.

Qual é o material que existe nesse arquivo de Pio XII?

Gumpel: Muitas pessoas não fazem ideia. Fala-se em 16 milhões de páginas! É uma enormidade de cartas recebidas pela Santa Sé, respostas enviadas etc. Você pode imaginar o trabalho gigantesco para colocar aquele material em ordem. A equipe era muito limitada: nos primeiros vinte anos, só tínhamos dois arquivistas profissionais. Agora tem muito mais, pela necessidade de tornar esses arquivos finalmente acessíveis. É isso o que nós queremos, até para conseguir refutar definitivamente tantos ataques e tantas estupidezes que são ditas sobre aquele pontificado.

Qual é o período que o material do arquivo abrange?

Gumpel: O arquivo abrange todo o período de Pio XII. Se alguém quiser entender as coisas que aconteceram durante a guerra, tem que ver também as coisas precedentes, porque elas explicam muitas decisões que foram tomadas. Também é interessante olhar para os doze anos em que Pacelli foi núncio apostólico na Alemanha e, depois, para os nove anos em que ele foi secretário de Estado de Pio XI. Pio XI morreu em fevereiro de 1939, ou seja, os atos e arquivos dele já estão abertos. Mas quem é que os consulta? Quase ninguém. Temos que lembrar também que a Santa Sé, com o papa Paulo VI, deu a ordem de publicar documentos diplomáticos relacionados com a Segunda Guerra Mundial. São doze volumes, com milhares e milhares de documentos, uma coleção intitulada “Atos e Documentos da Santa Sé Relativos ao Período da II Guerra Mundial”. Eles já foram publicados. Eu tive contato com os três peritos envolvidos na preparação desses volumes. O primeiro volume saiu em 1963 e o último, ou seja, o décimo segundo, em dezembro de 1981. Levou 18 anos, portanto. Esses especialistas acharam as caixas do jeito que eu também achei. Uma caixa atrás da outra, eles foram pegando na mão cada documento que estava lá dentro, selecionaram o que era de interesse e publicaram milhares e milhares de páginas que estão hoje disponíveis. Mas quem as lê? Pouquíssima gente. Eu constatei isso em conversas particulares com professores universitários, especialmente da América do Norte, e notei que muitas dessas pessoas não sabem nem italiano, nem alemão, e, portanto, não tiveram a oportunidade de estudar esses documentos. Mesmo o francês é um problema para eles. Mas nós esperamos, de todas as maneiras, que, dentro de um prazo relativamente breve, todos os documentos do arquivo secreto do Vaticano e do arquivo da Secretaria de Estado sejam disponibilizados.

Como é que os arquivistas trabalham?

Gumpel: O trabalho que precisava ser feito, em primeiro lugar, era reunir o que tinha que ficar junto, porque, durante anos, muitos documentos afins ficaram espalhados em diversas caixas. Depois, tinha que ser feita uma divisão por assunto: havia algumas cartas pedindo dinheiro, outras pedindo informações sobre pessoas desaparecidas, outras são documentos estritamente diplomáticos. Enfim, uma mistura de coisas. Uma possibilidade era separar tudo em pastas. A vantagem é que assim os documentos ficam soltos e podem ser fotocopiados mais facilmente. Depois, é preciso atribuir um número para cada material, para que o pesquisador encontre facilmente o que está procurando. Além disso, e esse é um trabalho gigantesco, é necessário fazer índices com as dezenas de milhares de nomes que são mencionados: este é um primeiro índice, um índice de pessoas, que permite verificar com relativa facilidade se uma pessoa X teve contatos com a Santa Sé e sobre quais assuntos. Depois, vem um segundo índice: por diocese, por país, e assim por diante, para saber se uma diocese teve contatos com a Santa Sé naquele período, qual era o assunto, qual foi a resposta recebida etc. E o terceiro índice é temático: para cada assunto, pode-se saber quais foram as respostas da Santa Sé para os governos, as posições fundamentais que foram adotadas. Tudo isso exige muito tempo.

Eles ainda estão trabalhando nisso?

Gumpel: Sim, e já fizeram um trabalho muito bom. Eu pergunto regularmente ao prefeito dos arquivos secretos, o bispo Dr. Sergio Pagano: "Quando é que vocês vão deixar tudo pronto?". Ele é muito cauteloso e não quer estabelecer uma data determinada, mas, sem especificar quando exatamente eles vão abrir os arquivos, podemos acreditar que será uma espera curta.

Há trinta anos, de qualquer modo, o senhor já trabalhou com essas caixas.

Gumpel: Sim. Logo depois da minha nomeação como relator, eu combinei com os poucos arquivistas da época, com quem eu tinha relações muito cordiais, até porque eles sabiam que tinha sido o papa quem tinha me dado essa ordem, para que eles me enviassem uma cópia dos documentos que eles achassem que poderiam me interessar. Eles fizeram isso regularmente, e, à medida que o trabalho avançava, aos poucos, eu pude trabalhar na posição que apresentamos em 2004. Não tivemos pressa. Em alguns casos, as postulações avançaram com pressa, mas eu sou um historiador profissional: é necessário examinar cada questão para ter certeza científica. Nesse arquivo não há nada que eu não tenha visto. O postulador, o professor Molinari, e eu, examinamos cada coisa até o fundo, para apresentá-las à congregação e submetê-las a três discussões: primeiro, a dos historiadores; depois, a dos teólogos; finalmente, a dos cardeais e bispos da congregação. Tivemos treze avaliadores que foram unânimes ao dar um parecer extremamente positivo e aconselharam o então pontífice, agora emérito, Bento XVI, a fazer imediatamente a declaração das virtudes heroicas do papa Pacelli. Bento XVI, para quem eu tinha trabalhado bastante quando ele era prefeito da Congregação do Santo Ofício, quis considerar pessoalmente as coisas, porque há várias objeções à causa de beatificação.

De parte de quem, em particular?

Gumpel: Elas vêm principalmente de três fontes. Primeiro, dos comunistas, que fizeram uma grande propaganda, cheia de informações falsas, contra Pio XII; em particular, os russos soviéticos, mas também os comunistas italianos, embora em menor medida. A segunda fonte é a maçonaria, que, em grande parte, sempre foi muito anticatólica. Há também grupos maçônicos humanitários, mas os verdadeiros maçons, ingleses e franceses, se dizem livres pensadores e são contra qualquer religião. A terceira fonte, e isso é doloroso para mim, são alguns grupos de judeus. Mas quando se fala de grandes grupos de pessoas de uma nação, de uma religião etc., é preciso distinguir sempre. Eu recebi a visita de oitocentos rabinos, extremamente fiéis à lei de Moisés, que me disseram: "Nós não temos nada a ver com esses ataques contra Pio XII. Sabemos que ele salvou milhares e milhares de pessoas. Estamos muito agradecidos". Mas há judeus, em muitos casos ateus, que fizeram uma campanha para afirmar que o papa não tinha feito nada, indo contra as afirmações de muitos judeus de primeira grandeza. Para citar apenas um exemplo: Martin Gilbert, que é considerado o maior especialista no Holocausto, é 100% a favor de Pio XII.

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