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“Ninguém vem em nosso auxílio. Até onde teremos que sofrer?”

Violência na República Centro-Africana

AIS Brasil

Violência na República Centro-Africana  

Fundação AIS - publicado em 10/02/14

República Centro Africana: enquanto na capital, Bangui, a situação se mostra estável, em outras localidades o futuro está cada vez mais incerto. No norte do país, os últimos dias foram, mais uma vez, de violência e ataques à missões católicas

A alegria foi grande que levou as pessoas a dançarem pelas ruas quando foi anunciada a notícia da renúncia do presidente interino Djotodia em 10 de janeiro. Duas semanas depois, antigos rebeldes do grupo Séléka se retiraram de Bouar. "Eles estavam armados até os dentes e partiram em comboio na direção do Chade", relata o padre Beniamino Gusmeroli. Mas a alegria inicial não durou muito tempo: no mesmo dia em que se retiraram de Bouar, os rebeldes entraram em Bocaranga com 31 veículos. Lá, eles atacaram a estação de missão dos Capuchinhos, onde cerca de 2.500 refugiados se abrigavam.

"Foi um dia apocalíptico – descreve o padre polaco capuchinho, Robert Wnuk – Por todo lado se podia ouvir tiros e explosões. Haviam muitos grupos de rebeldes. Eles forçaram a entrada em todas as casas. As mulheres refugiadas estavam sentadas no chão com seus filhos. Os rebeldes ameaçaram os sacerdotes e também dispararam contra a igreja", relata o padre Robert. "Eles atiraram como se fossem loucos." As balas deixaram grandes buracos nas paredes e no chão. 120 cartuchos gastos foram encontrados na casa. Uma mulher e um homem morreram e um dos frades foi ferido. Um médico foi espancado e por pouco uma bala não atinge sua cabeça. Os rebeldes roubaram todos os carros e levaram dinheiro, computadores, telefones e câmeras de fotografia. Depois seguiram para o convento das irmãs, onde o mesmo cenário se repetiu. Ainda neste mesmo dia os rebeldes atacaram a missão em Ngaoundaye, onde tomaram como refém um frade, libertando-o mais tarde. No dia seguinte saquearam a estação missionária dos Capuchinhos em Ndim.

Padre Robert não pôde acreditar no que aconteceu em sua missão, em meio aos muitos refugiados indefesos: "Estes são crimes de guerra, crimes contra a humanidade! Crimes contra mulheres e crianças indefesas! Os autores estão agora no Chade que, embora tenha fechado suas fronteiras, evidentemente deixou os criminosos entrarem no país, armados e com os carros que roubaram das missões e organizações de ajuda humanitária." Em seu desespero e decepção ele se pergunta: "As tropas de proteção estão no país já a alguns meses. Mas na realidade eles estão apenas em Bangui, na capital. Supostamente vieram para proteger a população civil. Foram muitas as vezes em que pedimos ajuda às autoridades em Bangui e Bouar, mas sempre a mesma resposta: 'Veremos o que pode ser feito. Já fizemos uma nota da ocorrência.' Eles dão respostas como esta durante uma intervenção militar? Nos pedem, no telefone, informações sobre a situação, e, em seguida, ninguém faz nada. Ninguém! Até onde teremos que sofrer?"

Enquanto isso, os rebeldes do Séléka também se retiraram de Bozoum. Pouco antes haviam incendiado 1.300 casas nas imediações, fazendo 6.000 pessoas desabrigadas. No quartel do grupo Séléka, agora vazio, há frases pelas paredes, tais como: "Esta é a lei do Inferno", assinada por alguém que se intitula "o Diabo Encarnado".

"A decisão da ONU a favor de uma intervenção militar veio tarde demais", critica Padre Aurélio Gazzera, há vinte anos trabalhando na República Centro Africana. "O reinado de oito meses de terror pelo Séléka criou um clima de ódio e vingança que explodiu em fúria louca e demoníaca dirigida contra todos: contra os muçulmanos, muitos dos quais lucraram com o Séléka e que foram protegidos pelos rebeldes. Assim se vingavam do resto da população, que muitas vezes era vista pelos muçulmanos como cúmplices dos Anti-Balaka".

O padre carmelita italiano explica que é um erro apresentar o Anti-Balaka como "milícia cristã", como muitas vezes é feito. "Não há muito de cristianismo neles – explica ele – Eles carregam fetiches e amuletos de proteção e estão cheios de raiva depois de suportar longos meses de assaltos e violência. Uma explosão de loucura tem acontecido. Há execuções arbitrárias, as pessoas com deficiência são deixadas para trás, e assim por diante. Precisamos de uma forte presença militar em toda a região para parar com tantas mortes!" O missionário, que conduz as negociações de paz com todos os grupos da população em Bozoum, relata que as conversas são tensas e difíceis pelo fato de que muitos adeptos do Anti-Balaka consomem bebidas alcoólicas em demasia e, assim, tornam-se imprevisíveis. Em muitos lugares a Igreja também protege os muçulmanos que vivem com medo de vingança. Assim, por exemplo, o Padre Aurélio fornece água potável e arroz às suas próprias custas aos refugiados muçulmanos e tenta impedir um novo massacre entre os anti-Balaka e muçulmanos, pensando, sobretudo, na proteção das mulheres e crianças.

Durante a retirada do Séléka, Padre Aurélio quase foi morto quando vários muçulmanos, indignados, atacaram com pedras e armas. Um rebelde Séléka e um outro muçulmano lhe protegeram e lhe salvaram a vida. Nisto, na cidade de Bozoum, os rumores foram se espalhando de que o sacerdote estava morto. Quando, pela noite, chegou em sua missão com seu carro destroçado, as pessoas choraram de alegria. "Eles estendiam suas roupas na frente do meu carro e me receberam como se eu fosse o Messias. Foi inacreditável. Rezamos uma Ave Maria em ação de graças – também por aqueles que cometem o mal."

Muito mais orações serão necessárias para aqueles que cometem o mal. Em Bossemptélé, onde esta semana 80 pessoas foram mortas e o Séléka ainda saqueou o hospital dos Padres Camilianos, os anti-Balaka agora exigem dinheiro das freiras carmelitas. As irmãs foram informadas de que se não pagarem no prazo de dois dias, então deverão entregar os civis muçulmanos, inocentes, que têm procurado refúgio na missão. Caso contrário, os membros do Anti-Balaka vão invadir as instalações do convento e matar todos os muçulmanos.

A violência é uma espiral cada vez mais rápida. E também um desastre humanitário porque a situação no país está resultando em mais e mais crianças desnutridas. E ainda assim há momentos de esperança: "Em Bozoum as crianças estão agora em condições de voltar para a escola", diz feliz o padre Aurélio. E há também pequenos milagres: Um catequista tinha fixado um rosário como sendo a fechadura da sua porta. Os rebeldes não se atreveram a quebrar a porta. Mas o maior milagre é a coragem com que, dia a dia, padres e religiosos católicos colocam suas próprias vidas em risco contra um turbilhão de violência. Eles tentam salvar o que pode ser salvo. "Agora tenho de voltar para os refugiados, Tchau", diz o padre Beniamino Gusmeroli. Para os missionários, o servir e a coragem são coisas do dia a dia.

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