Ainda não há consenso sobre quando exatamente se pode afirmar que uma pessoa está morta
Evocamos a situação história na qual se elaborou uma das primeiras definições de morte cerebral: uma comissão em Harvard, em 1968, que tinha entre seus objetivos determinar os parâmetros que permitem ter certeza de estar diante de um cadáver, para facilitar a extração dos seus órgãos.
Com esses parâmetros, pensou-se, seria possível deixar de "manter" artificialmente (com aparelhos caros, não nos esqueçamos) aqueles corpos de pessoas falecidas, mas que conservavam funções vitais graças à tecnologia. Por outro lado, haveria segurança de que a extração dos órgãos desses corpos mantidos artificialmente em condições "vitais" não provocaria sua morte, dado que já estariam mortos.
O relatório de Harvard de 1968 estabelecia uma série de parâmetros a partir dos quais se poderia constatar que o cérebro havia deixado de coordenar e manter a unidade do organismo, razão pela qual a pessoa estaria morta, apesar da aparência de vitalidade, o que seria simplesmente resultado do uso dos modernos aparelhos de reanimação e sustentação da vida.
É preciso constatar que existem no mercado diversas teorias sobre quais são os critérios para constatar a morte cerebral; alguns preferem falar especificamente de morte encefálica. Da mesma forma, nem todos concordam na hora de indicar que partes do encéfalo deveriam ser consideradas para ver se a pessoa está morta ou não.
Alguns, por exemplo, supõem que haveria morte quando há dano no córtex do cérebro. Outros, no entanto, consideram que só há morte quando há danos irreversíveis em todas as partes do encéfalo: cérebro, cerebelo e tronco cerebral.
O panorama se torna mais complexo se recordamos que um filósofo como Hans Jonas considerou eticamente incorreto usar a ideia de morte cerebral para extrair órgãos de um corpo humano enquanto ele continua unido aos aparelhos que o mantêm com certas funções "vitais".
Segundo o autor, a morte não é algo que pode ser identificado com um momento concreto nem a partir de sinais de dano cerebral irreversível, mas um processo. Para Jonas, só seria lícito extrair órgãos naqueles corpos que foram desconectados dos aparelhos, quando já fosse evidente que não tinham nenhuma atividade cardíaca nem respiratória autônoma.
Existem pensadores do âmbito católico, como Josef Seifert e Robert Spaemann, que também se opõem ao uso da ideia de morte cerebral para permitir a extração de órgãos vitais de um corpo cuja morte não teria sido constatada com a suficiente certeza, mas por meio de parâmetros inseguros, insuficientes ou mal utilizados, como o da morte cerebral.
Outros autores, também do âmbito católico, como o cardeal Elio Sgreggia, mostram-se mais abertos a um uso eticamente correto da constatação da morte a partir do critério neurológico (morte encefálica), ou seja, partindo de uma série de parâmetros que indicam a perda da unidade mínima necessária para que um organismo esteja dotado de vida autônoma. Tais parâmetros, quando determinam que houve um cessar irreversível de todas as funções encefálicas, seriam suficientes para estar seguros de que estamos diante de um cadáver.
Como se pode ver, estamos diante de um tema complexo e com muitas perspectivas. Há, no entanto, alguns critérios fundamentais que não podem ser deixados de lado e que, infelizmente, não são compartilhados pelos que abordam esta temática.
Tais critérios são:
– É preciso respeitar sempre a pessoa humana.
– É preciso ajudá-la a conservar sua vida na medida do possível e sem menoscabo do respeito aos outros.
– Promover tudo aquilo que proteja a saúde e que permita uma atenção adequada às pessoas doentes.