Criar um filho como católico será mesmo pior do que abusar dele sexualmente?Quem acompanha a onda neo-ateia provavelmente já ouviu falar de uma das mais recentes e controversas tentativas de Richard Dawkins de se manter na mídia: o acadêmico inglês apareceu no site da rede Al Jazeera afirmando que educar uma criança dentro de uma religião é uma forma de abuso infantil. Mais ainda: para ele, esta “forma de abuso” é pior que o abuso sexual.
Meu primeiro impulso ao ler isso foi rir e me perguntar qual seria a próxima de Dawkins.
Mas não ri. Na mesma hora, eu me lembrei que vivemos num incipiente Estado policial mundial. Vivemos num mundo em que a Alemanha mandou internar um adolescente católico que tinha sido educado em casa, por julgar que ele “sofre de fobia escolar”. Vivemos num mundo em que os Estados Unidos quiseram deportar a família desse mesmo adolescente alemão, que tinha fugido da Alemanha para a América do Norte em busca de refúgio. Vivemos num mundo em que os pais que tentam transferir seu bebê de hospital podem perder a guarda do filho. Vivemos num mundo em que os pais de adolescentes “sexualmente confusos” são proibidos por Estados como a Califórnia de oferecer aconselhamento cristão aos seus próprios filhos. E assim por diante. O verdadeiro abuso contra as crianças é revoltante, e é por isso que são inventados tantos supostos abusos contra elas: alegar abusos virou uma ferramenta poderosa na mão de engenheiros sociais ávidos por invadir a casa dos cidadãos e arrancar deles os seus filhos, a fim de “reeducá-los” de acordo com os seus particulares critérios e visões de mundo.
A família, unidade básica da sociedade, é frágil e insubstituível. Ela é, de longe, o lugar mais seguro em que uma criança pode crescer. As crianças cujas famílias não são intactas têm mais propensão, estatisticamente, a viver e permanecer na pobreza. E um dos laços mais fortes que unem uma família é a fé em comum. Quando ataca esse laço, Dawkins está efetivamente (e conscientemente) espatifando a molécula coesa da família nuclear em minúsculos átomos isolados, cujos únicos protetores serão os mercenários das agências laicas de serviço social.
Os ateus não são as únicas pessoas que já atacaram a família em nome de um “bem maior”. Elizabeth I, da Inglaterra, subornou crianças católicas para abandonarem a fé dos seus pais. O Império Otomano sequestrava frequentemente meninos cristãos ortodoxos para criá-los como muçulmano janízaros. A monarquia francesa proibiu famílias huguenotes de criar seus filhos como protestantes. Mais infame ainda foi o caso de Edgardo Mortara, um menino judeu que morava nos Estados Pontifícios nos tempos do papa Pio IX: sua babá católica batizou ilegalmente o menino e, com a desculpa de que ele tinha se tornado cristão, o próprio papa raptou a criança dos seus pais judeus a fim de garantir o seu “direito” a uma educação católica. O que há em comum entre todos esses casos? Há alguém se intrometendo e despedaçando a vida de uma família por não gostar da religião dessa família.
Na maioria dos casos, porém, até mesmo os cristãos mais intolerantes reconhecem, com Tomás de Aquino, que o direito dos pais de transmitir a sua fé aos filhos supera qualquer pretensão do Estado de promover as suas visões da ortodoxia. E são os Estados laicos modernos os que mais rejeitam esta doutrina da lei natural; são eles que vão até dentro das famílias para perturbá-las e tentar “reestruturá-las”, desde os bolcheviques que proibiram a catequese das crianças até os nazistas que tentaram empurrar todas as crianças para fora das igrejas e para dentro da Juventude Hitlerista. Atualmente, escolas públicas em Estados como Massachusetts são obrigadas a ensinar que as uniões gays equivalem ao casamento, por mais que não cumpram, evidentemente, um dos requisitos fundamentais do conceito de casamento natural, que é a abertura à vida por parte dos cônjuges, devendo estes, portanto, ser um homem e uma mulher. Escolas e pais católicos são livres para discordar (pelo menos por enquanto). Mas é bom ficarmos atentos: alguns tribunais canadenses já decidiram, por exemplo, que a ética sexual cristã “induz ao discurso de ódio” e que, por isso, é punível pela lei.
Quando uma figura influente como Richard Dawkins declara que pais religiosos são abusadores de crianças, essas declarações não são apenas provocações; elas são balões de teste, inflados e soltos no ar por inimigos zelosos da liberdade e da religião para ver até onde eles conseguem voar. Se Dawkins levar esse tipo de afirmação adiante, mais gente vai falar do assunto e acabar concordando acriticamente com ele; e, em breve, você vai ouvir na mídia aquelas “sérias” e “equilibradas” discussões sobre esta afirmação desvairada. Os grandes jornais vão entrar na onda. Em pouco tempo, os poucos jornais e revistas católicos serão forçados a publicar refutações detalhadas, tentando (sem sucesso) motivar os católicos a se oporem a esses disparates. É assim que o consenso é fabricado. Foi assim que a mídia e outras elites venderam para tanta gente o “casamento” homossexual num espaço tão curto de tempo.
Eu aprendi, com a fascinante leitura de “Os Cientistas de Hitler”, de John Cornwell, que também foi assim que a eugenia racista foi vendida ao país mais educado da história do mundo: a Alemanha da década de 1920. É esclarecedor traçar detalhadamente a sequência de etapas que leva uma noção (um “meme”, palavra do próprio Dawkins) do estado de “hipótese” até, sucessivamente, os estados de “afirmação provocativa”, “parecer controverso”, “posição generalizada” e, finalmente, “consenso”.
No caso da tentadora pseudociência da eugenia, o processo digestivo começou com Francis Galton, primo e discípulo de Charles Darwin. Desenhando inferências falsas e descuidadas a partir do trabalho do seu parente mais rigoroso, Galton teorizou que o processo de seleção natural poderia ser acelerado e menos doloroso (ou seja, menos “gente inadequada” nasceria e precisaria morrer) se houvesse uma “administração científica” do plantel humano. Aqui, a ciência foi pressionada a servir aos preconceitos das classes altas e, em pouco tempo, conferências acadêmicas na Grã-Bretanha, na Alemanha e nos EUA estavam sendo convocadas para debater de que maneira a raça humana poderia “ser produzida” com mais eficácia, a exemplo do gado de raça. Cátedras acadêmicas de eugenia foram criadas em instituições de pesquisa de primeira linha, como o Instituto Kaiser Wilhelm e, nos EUA, o Cold Spring Harbour Carnegie Institution for Experimental Evolution. Os legisladores observaram que havia um crescente “consenso” entre os cientistas. Por volta de 1920, com o apoio da Planned Parenthood de Margaret Sanger e com o financiamento, entre outros, do magnata dos cereais Harvey Kellogg, mais de uma dúzia de Estados norte-americanos tinham promulgado leis que exigiam a esterilização de “idiotas” e “imbecis”, o que, na prática, significou que cidadãos norte-americanos foram castrados (sim, castrados) depois de serem reprovados em testes de QI. A exposição dos crimes nazistas e o Movimento pelos Direitos Civis ajudou a desacreditar as pretensões da eugenia; a última lei de esterilização compulsória nos Estados Unidos foi revogada no Estado da Virgínia. Quando? Apenas em 1974.
A verdade nua e crua é que a ciência que sustenta toda a aventura eugênica foi descuidada e irremediavelmente tendenciosa, focada em reproduzir os preconceitos dos pesquisadores e totalmente insuficiente para sustentar um empreendimento tão radical quanto o de refazer a espécie humana. Muitas vezes, decisões tão graves quanto as de esterilizar cidadãos norte-americanos se basearam em relatos anedóticos ou em julgamentos subjetivos de algum pesquisador, como Harry Laughlin, do Eugenics Records Office [Escritório de Registros Eugênicos, ndr]. Diz a Wikipédia:
“A primeira pessoa que a nova lei obrigou a ser esterilizada na Virginia foi Carrie Buck, com ‘base’ no ‘fato’ de que ela era ‘uma provável mãe potencial de filhos socialmente inadequados’. Seguiu-se um processo judicial. Harry Laughlin, que nunca tinha conhecido Carrie Buck, deu um depoimento endossando a conveniência de esterilizá-la e chamando os membros da família dela de ‘classe ignorante e inútil de brancos antissociais do Sul’”.
É neste ponto que Richard Dawkins rasteja para trás no curso da história. Voltemos ao caso da entrevista que ele deu à rede Al Jazeera afirmando que ensinar religião a uma criança é pior do que abusar dela sexualmente. Pois bem, você sabe qual foi a “prova” que este célebre cientista de Oxford apresentou para “fundamentar” esta hipótese, conforme relatado pelo jornal britânico Daily Mail?
O entrevistador Mehdi Hasan perguntou a Dawkings: “Você acredita mesmo que ser criado na religião católica é pior do que ser vítima de abusos de um padre?”.
O professor Dawkins respondeu: “Existem matizes no fato de se sofrer abuso por parte de um padre, e eu citei um exemplo de uma mulher dos Estados Unidos que me escreveu dizendo que, quando ela tinha sete anos de idade, um padre abusou sexualmente dela dentro do carro. Na mesma época, morreu uma amiga dela, também de sete anos de idade, que era de uma família protestante, e disseram a ela que, por ser protestante, a amiga tinha ido para o inferno e ficaria assando no inferno para sempre. Ela me relatou esses dois abusos. O abuso físico ela superou. Era nojento, mas ela superou. Mas o abuso mental, de ter que ouvir aquilo sobre o inferno, ela levou anos para superar”.
É isso mesmo: Richard Dawkins leu uma anedota em uma carta de uma desconhecida e, com base neste incidente, elaborou uma teoria universal e propôs uma política social que violasse o direito de milhares de milhões de pais no mundo inteiro, exatamente como foi feito pelos cientistas racistas da Alemanha e dos Estados Unidos, que usaram seus testes tendenciosos de QI para assediar pacientes desamparados e mutilá-los em nome do “bem maior”.
Agora você sabe: Richard Dawkins pratica ciência nazista, só que sem sotaque alemão.
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“Queridinho” de neo-ateus em geral, Richard Dawkins também já declarou a respeito da gestação de um bebê com Síndrome de Down: “Aborte isso e tente de novo“. Confira:
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