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Francisco iniciou a reforma da Igreja em sua casa e em si mesmo

March 19, 2014 – Pope Francis during general audience – pt

© MASSIMILIANO MIGLIORATO/CPP

March 19, 2014: Pope Francis waves as he leaves at the end of the weekly general audience in St. Peter's Sq. at the Vatican.

Aleteia Vaticano - publicado em 19/03/14

Em apenas um ano de pontificado, como pode ter aumentado tanto o nível de interesse da sociedade pela Igreja Católica?

Por ocasião do primeiro ano de pontificado do Papa Francisco, o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos e presidente da Pontifícia Comissão para América Latina, pronunciou algumas palavras ontem, dia 18, no auditório Pio X. Confira, a seguir, alguns trechos da sua intervenção:

Primeiro ano do Papa Francisco: surpresa de Deus

Já se passou um ano desde que Jorge Mario Bergoglio, Papa Francisco, sucedeu Bento XVI, primeiro papa a renunciar por escolha pessoal, plenamente livre e ponderada. Com esta surpresa imensa que inaugura uma virada do papado na nossa época, Francisco correspondeu multiplicando as surpresas, mostrando ter compreendido bem os gestos históricos de seu venerável antecessor.

Sobretudo na escolha do nome, Francisco, que anuncia uma reforma da Igreja, não é tão convencional. Surpresa do continente de proveniência, América Latina, o “fim do mundo”, onde abundam as “periferias existenciais” que, para o Papa latino-americano, indicam um lugar espiritual que exige o vigor da missão da Igreja.

Surpresa do título por ele preferido, "Bispo de Roma", para colocar o acento numa colegialidade episcopal de forte potencialidade ecumênica. Surpresa de sua residência, não ao interno do Palácio Apostólico, mas no meio das pessoas e próximo daqueles que passam. Surpresa do seu estilo, muito espontâneo, que acumula simpatia e alegria da parte dos fiéis – que constituem a base do povo de Deus – e favorece a familiaridade.

Surpresa dos seus gestos, que exprimem a sua vontade de comportar-se como uma pessoa normal: pagar a conta no hotel, carregar a mala, visitar os santuários para confiar-se à Virgem Maria, ligar para os amigos, ou até para pessoas necessitadas que ele escolhe dia após dia.

A pergunta que não quer calar no final do primeiro ano de pontificado de Francisco é: em apenas um ano de pontificado, como pode ter aumentado tanto o nível de interesse da sociedade pela Igreja Católica? Como pode a estima geral pelo Papa Francisco constituir um salto qualitativo para evangelização, uma espécie de salto inesperado, do qual os observadores, dentro e fora da comunidade eclesial, mantêm comentários sem fim?

O Papa Francisco não tem estratégias de comunicação, ele é uma estratégia! Não construiu um plano para atuar por um ano como fruto de uma perfeita programação e de um tipo de magia na realização. Pelo contrário. O cardeal Bergoglio não pensava em ser eleito e esperava, sim, que voltaria a Buenos Aires, próximo das ovelhas que a ele haviam sido confiadas e das quais possui verdadeiramente o cheiro.

Eis, sem dúvida a primeira chave do seu sucesso. O Papa Francisco foi pego de surpresa e não se perguntou como entrar em um papel de pastor universal determinado. Em plena simplicidade e autenticidade, ele continuou a ser bispo, o bispo de Roma, depois de ser bispo de Buenos Aires.

Fazendo assim, iniciou a reforma da Igreja com a reforma do ministério petrino, dando a ele um caráter mais imediata e diretamente pastoral, abolindo as distâncias criadas e mantidas pelos costumes seculares impostos pelas monarquias deste mundo. Daí a sua paixão pela evangelização dos pobres e os seus contínuos apelos por uma conversão pastoral que transmita a todos os batizados a consciência da identidade missionária. 

Francisco iniciou a reforma da Igreja com sua própria casa e, mais ainda, consigo mesmo. Contam que, em Buenos Aires, nos momentos em que era fotografado, em ocasiões como uma cerimônia de Crisma, precisava se esforçar para sorrir, porque sempre foi bastante sóbrio. Que mudança, agora que seu sorriso radiante se tornou sua marca registrada! É um detalhe, mas que revela um estado de ânimo e uma alegria interior que sabe se comunicar. 

Mais profundamente, creio que podemos compreender o sentido desse novo pontificado a partir de Santo Inácio de Loyola. Santo Inácio foi um convertido de coração tenro e compassivo, gratificado com o dom das lágrimas, mas foi também um soldado pronto para os mais duros sacrifícios, um peregrino-mendicante como Francisco de Assis, que aspirava à Terra Santa e à evangelização, um companheiro de Jesus, missionário na alma, homem sem fronteiras, e sobretudo arrastava multidões com uma extraordinária habilidade.

Enraizar-se na história da Companhia de Jesus demonstra isso. Todos esses traços do grande santo espanhol se encontram em Francisco, que une a paixão do Evangelho ao sentido profundo do discernimento espiritual, a serviço de uma reforma da Igreja que se afirma mais por atração do bem que pelo constrangimento de uma disciplina.

Francisco evangeliza pela atração, envolvendo meios simples como a pregação diária em Santa Marta com uma linguagem acessível, que muitos fiéis gostam de escutar e retransmitir para além de suas redes de contato. O Papa utiliza imagens originais e palavras fortes, que acompanham gestos que se imprimem na memória e chamam a atenção das mídias.

As suas frases, são “twittáveis” e efetivamente “twittadas” aos quatro cantos do mundo, de pessoa a pessoa, levando uma onda de interesse de pessoas distantes da Igreja e um lançamento de entusiasmo a muitos jovens e menos jovens. As multidões que vão às catequeses das quartas-feiras e aos Ângelus dominicais confirmam que a atividade não se detém em uma curiosidade passageira que não tardaria a esvanecer, mas sobre algo mais profundo que convida a uma séria reflexão.

O Papa argentino lança desafios que envolvem uma revisão de vida pessoal e comunitária. Fugir da “espiritualidade mundana”, da ambição, dos privilégios, das fofocas, considerar as funções como um serviço e não como um poder de comando a ser obedecido. 

Três prioridades resultam da sua ação pastoral: os pobres, as famílias e os jovens. Primeiro, os pobres, todos os pobres, nada que possa surpreender, sendo ele um papa de ideal franciscano. Mas a amplitude do seu projeto impressiona e ao mesmo tempo inquieta certos ambientes que o têm acusado de “marxismo”. “Como gostaria de uma Igreja pobre e pelos pobres!”. Uma Igreja consciente da trágica situação da humanidade de hoje, na qual a Igreja mesma se assemelha a um hospital que cuida dos feridos dispersos após uma áspera batalha.

Esta dramática imagem da Igreja captura a atenção, atualiza a consciência de uma necessidade de salvação que é profundamente humana e religiosa ao mesmo tempo. Francisco é guiado pela convicção de que somente Cristo Salvador responde verdadeiramente aos desafios da pobreza e da injustiça, assim como da violência e da guerra. “Sendo rico, Cristo se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza” (cf. 2 Cor 8, 9). Ao invés de fazer cálculos minuciosos, ele se deixa guiar da inspiração do Espírito Santo, que sopra onde quer, de modo imprevisível, e que Francisco sabe acolher verdadeiramente bem, à maneira de Santo Inácio.

Os jovens de hoje habitam em um novo mundo, o continente digital, de onde são originários, porque conhecem e utilizam espontaneamente as tecnologias de comunicação; neste continente digital, as pessoas de minha geração se sentem mais como imigrantes ou refugiados.

Papa Francisco se ambientou rapidamente neste novo mundo e a sua rede de followers se tornou seu transmissor e multiplicador de suas mensagens evangélicas. Ele adéqua a própria linguagem à cultura virtual dos jovens, embora testemunhando sem ambiguidade que Jesus não é uma ideia, um sonho, ou um ídolo virtual, mas uma Pessoa real com a qual se pode viver uma amizade que transforma a vida.

Caros amigos da América Latina, saúdo-vos e felicito-me convosco ao término do primeiro ano de Francisco, o primeiro papa latino-americano. Estamos muito orgulhosos de que o nosso concidadão tenha conquistado, em pouco tempo, um seguimento no mundo inteiro como chefe da Igreja Católica. Estamos orgulhosos, sendo profundamente solidários com ele, “discípulos missionários”, convencidos e convincentes, entusiastas para responder ao seu apelo.

O nosso reconhecimento a Deus pela graça de suas alegres surpresas e o nosso reconhecimento a Francisco pelo seu belo exemplo de pastor não serão verdadeiramente significativos se não respondermos, com uma conversão pessoal e comunitária, à graça inesperada deste novo pontificado. Que Nossa Senhora de Guadalupe nos sustente e nos proteja neste compromisso.

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