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A dignidade da pessoa e as políticas estatais sobre reprodução humana

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Zenit - publicado em 08/04/14
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O aumento do número de pessoas humanas sobre o planeta é um fato absolutamente indesejável, a ser desestimulado, e mesmo combatido, por todas as políticas oficiais
Gente é bom. Este é o princípio jurídico estabelecido logo no art. 1º, III, da Constituição Federal, que, em linguagem técnica, os juristas costumam chamar de “princípio da dignidade da pessoa humana”.

Se gente é bom, se as pessoas são dignas, elas não são dignas apenas individualmente. A proclamação de uma “dignidade” irrestrita do “indivíduo” humano negaria completamente o que a própria Constituição quer estabelecer ao elencar a pessoa humana ao lado da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da soberania e do pluralismo como fundamentos para a nossa própria sociedade. “Pessoa” é sempre mais que indivíduo. Indivíduo é o ser em seu isolamento. “Pessoa” é o ser em relação.

Limitar a dignidade da pessoa humana à simples maximização dos interesses de cada indivíduo é promover exatamente o contrário do que o ordenamento deseja: pode ser do interesse de um indivíduo, numa determinada circunstância, e dentro de uma determinada ideologia, que os demais ao seu redor sejam eliminados. Mas uma eliminação assim, de muitos em nome dos interesses de um, jamais promoveria a dignificação da pessoa humana como tal.

Um dia destes, almoçando com uma professora de direito ambiental, ela me perguntou, durante uma conversa: “será que a terra não estaria melhor se a maioria das pessoas fossem eliminadas? Se pensássemos bem”, dizia ela, “a reprodução humana sempre viola a nossa dignidade como espécie, porque provoca um aumento de degradação ambiental que prejudica a todos. Olho com alegria as políticas populacionais que visam manter, ou mesmo reduzir, a população humana, pelo bem da própria humanidade.”

Esta fala, que me chocou muito, simplesmente verbalizou um entendimento que é corrente, embora muitas vezes não explícito, nos meios acadêmicos e jurídicos: o de que o aumento do número de pessoas humanas sobre o planeta é um fato absolutamente indesejável, a ser desestimulado, e mesmo combatido, por todas as políticas oficiais.

Duas políticas são adotadas com base nesta visão: a promoção de relações humanas sexuadas não reprodutivas como tão ou mais dignas do que aquelas reprodutivas, por um lado, e a esterilização em massa dos casais reprodutivos, inclusive pela promoção pública do aborto como método supremo de controle populacional, por outro.

Este não é um fenômeno brasileiro, é um fenômeno mundial, e basta ligar a televisão para se deparar com a promoção irrestrita de políticas assim. Há, no entanto, aí, um grande paradoxo: em nome da promoção de uma pretensa dignidade da pessoa humana, declara-se que o surgimento de novas pessoas humanas ofende a dignidade da pessoa humana. Ou seja, para estes o ser humano é bom, desde que não produza mais seres humanos.

Não há, no entanto, como declarar que o ser humano é intrinsecamente bom e, ao mesmo tempo, declarar que produzir mais seres humanos é intrinsecamente ruim. Não estou falando aqui de planejamento familiar, de responsabilidade reprodutiva, que são realidades absolutamente desejáveis, uma vez que passam pelo reconhecimento de que os seres humanos são essencialmente seres materiais, e que portanto precisam lidar bem com as relações materiais e econômicas que estabelecem com os outros e com o meio ambiente em razão da sua simples existência. A falta de responsabilidade na reprodução é um acidente ruim num fato bom em si mesmo.

Trato aqui da política estatal deliberada de controle populacional que pressupõe, no seu âmago, que mais seres humanos é uma realidade ruim por si mesmo – que acidentalmente pode ser boa quando a fertilidade é baixíssima e os genitores são economicamente poderosos. Não há como partir desde pressuposto e declarar que políticas assim promovem a dignidade da pessoa humana. Aquilo que é intrinsecamente bom, intrinsecamente digno, continua bom quando se reproduz, independentemente da presença eventual de circunstâncias adversas. Aquilo cuja reprodução é má também é mau em si mesmo, e só pode ser intrinsecamente desprovido de dignidade. Negar, pois, a bondade intrínseca da reprodução humana é negar, portanto, a própria dignidade da pessoa humana.

Paradoxo maior assim é que tal opção anti-humanista se dá no mesmo contexto de políticas públicas em que a promoção da atividade sexual indiscriminada pelo Estado pressupõe uma opção, nunca explicitada, pela ideia de que os instintos sexuais humanos não podem nem devem ser reprimidos, e que cabe ao Estado seu direcionamento. É como se as pessoas fossem bichos no cio: não se pode imaginar que animais sejam capazes de controlar seus próprios impulsos libidinosos, mas o dono deve direcioná-los sempre em favor do rebanho e dos seus próprios interesses comerciais. Esta promoção de atividade sexual indiscriminada sempre caminha, portanto, junto com a defesa da redução das taxas de fecundidade: valorização do sexo homossexual, difusão gratuita dos meios de anticoncepção sob o pretexto do “sexo seguro”, promoção indiscriminada do aborto, e, recentemente, a pretexto de "combater iscriminações", a própria criminalização da opinião contrária como "crime de fobia".

Quando o Estado passa por cima das famílias e promove o controle de natalidade, quando estimula e direciona a afetividade das pessoas para relações inférteis, equiparando-as ou sobrevalorizando-as em comparação com as relações responsáveis e férteis, quando publicamente festeja o decréscimo puro e simples das taxas de natalidade em nome da preservação ambiental, quando esteriliza em massa as mulheres e os homens, quando se cega para as diferenças biológicas e corporais entre as pessoas, não está lidando com gente, mas vê sua população como gado. Não se pode negar que o conceito de “dignidade da pessoa humana” é aberto e impreciso, mas não é absolutamente vazio de conteúdo: há condutas estatais que evidenciam o claro desamor pela humanidade, que são indiscutivelmente atentadoras da dignidade humana. Como dizia o poeta, “gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente”.