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Os ativistas pró-vida deveriam necessariamente ser contra a pena de morte?

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John Zmirak - Aleteia Vaticano - publicado em 09/04/14

Não. Defender o inocente não implica renunciar à punição do culpado

Com a condenação do abortista infanticida Kermit Gosnell, surgiu a questão: ele deveria receber a pena de morte, como qualquer condenado da Pensilvânia que tenha cometido três assassinatos?
Gosnell acabou sendo condenado à prisão perpétua.

Um herói acadêmico dos ativistas pró-vida e dos defensores do casamento, o prof. Robert George, da Universidade de Princeton, escreveu um comovente apelo por misericórdia, pedindo que os defensores da vida nascitura se manifestassem contra a pena capital, mesmo neste caso.

Eu escrevi a minha própria resposta, argumentando que, às vezes, a justiça e a genuína misericórdia exigem o carrasco.

Desde os escritos de São Paulo, os católicos aceitam que o Estado tem o direito de aplicar a pena de morte. O Antigo Testamento está cheio de crimes para os quais a escritura aceita nada menos que a punição capital. Tradicionalmente, apresentavam-se duas razões que justificavam a pena de morte. Ambas aparecem nos escritos de Tomás de Aquino e cada uma foi citada pelo Catecismo do Concílio de Trento e pelos papas subsequentes até Pio XII. São elas:

1) Manter a sociedade em segurança.

2) Servir à justiça com punições condizentes com os crimes.

As duas justificativas apareceram na primeira edição do novo Catecismo da Igreja Católica. Mas quando o beato João Paulo II publicou a Evangelium Vitae, ele revisou o catecismo para eliminar a segunda razão, admitindo a pena de morte apenas nos casos em que não houvesse nenhum outro meio para manter a sociedade segura. Não vou repetir aqui o debate sobre o quanto essa inovação nos obriga ou não em consciência; os fiéis católicos divergem a este respeito. Mas ela teve notável influência: para alguns ativistas pró-vida, tornou-se quase dogmática a opinião de que devemos nos opor à pena de morte ferrenhamente, a menos que ela seja um último recurso absoluto.

Eu gostaria de examinar a gama de possíveis argumentos em favor desta postura e quais deles realmente se sustentam:

Argumento 1: “Você não pode se dizer pró-vida se é a favor de matar”.

Esta tentativa de argumentação tem força emocional, mas pouca lógica. Se esta afirmação é verdadeira, os pró-vida devem se tornar absolutos pacifistas e renunciar ao uso da força até mesmo em legítima defesa pessoal. Poucos pagariam esse preço. Eu não faria isso. Nem você deveria.

Há um reconhecimento crescente da dignidade da pessoa humana, que tem levado a maioria das sociedades desenvolvidas a renunciar à pena capital. Isto é progresso moral e a Igreja está certa em endossá-lo, corrigindo os seus ensinamentos anteriores e imperfeitos sobre o assunto.

Mas há muitos problemas aqui. Por um lado, a renúncia à pena de morte nas sociedades ocidentais veio acompanhada, quase simultaneamente, pela legalização do aborto. Quando começamos a poupar o culpado, começamos a alvejar os inocentes. É difícil ver nisto uma tendência a uma dignidade humana maior. Pelo contrário: parece que a nossa noção de justiça (punir os culpados e proteger os inocentes) começou a ruir. Foi substituída por um utilitarismo cru, que diz coisas como: “Não precisamos executar ninguém para nos manter seguros, mas… Olha, aqueles fetos estão realmente nos incomodando…”.

Argumento 2: “Se quisermos mesmo testemunhar a santidade da vida, temos que defender todas as vidas. Inclusive a dos culpados”.

Este não é um argumento moral, mas tático, e merece um olhar cuidadoso. Mesmo quem apoia a pena de morte a serviço da justiça reconhece que o aborto e a eutanásia são questões muito mais importantes. Eu já propus o seguinte aos liberais pró-escolha, que chamavam de hipócrita quem era pró-vida e ao mesmo tempo favorável à pena de morte: "Caros liberais pró-escolha, vamos fazer um acordo: eu deixo de apoiar a pena de morte e vocês param de apoiar o aborto. Se vocês pararem de matar os inocentes, nós concordamos em parar de matar os culpados". Ninguém aceitou a minha proposta, porque, para a maioria dos ativistas pró-escolha, o aborto não é uma questão de morte, mas de sexo. Eles enxergam o aborto como uma espécie de “penicilina”, que “cura” uma “doença sexualmente transmissível e desagradável” chamada gravidez. Ponto final. Pessoas que não se preocupam nem com os seus próprios filhos que ainda não nasceram não se deixam influenciar nem sequer pela nossa ternura para com os assassinos.



Embora essa tática seja bem-intencionada e aparentemente razoável, ela não funciona. 

Argumento 3: “O século XX foi palco de tanta destruição cruel da vida humana por parte dos governos (uma estimativa fala em 169 milhões de civis mortos) que nós deveríamos tirar esse poder do Estado para sempre o mais cedo possível. Ditaduras como a da China e a da Arábia Saudita executam cidadãos quase com indiferença. Temos que combater a cultura da morte abraçando a vida, inclusive nas suas formas mais repugnantes”.

Agora o debate está esquentando. Uma saudável desconfiança de quem está no poder e quer acabar com a vida dos outros é uma resposta razoável para os cem anos seguintes a 1914. A experiência pessoal de João Paulo II em dois Estados totalitários (e com o crédito de ter ajudado a derrubar o bloco soviético) poderia muito bem tê-lo levado a pensar nesta linha. E vale a pena levar essa ideia a sério: os governos laicos modernos cresceram tão sem lei e sem princípios que esbanjaram (pelo menos até agora) um notável clamor por mais justiça. Podemos cooperar com eles para manter a ordem e proteger as nossas vidas e propriedade, mas devemos aprender a vê-los, em grande parte, como uma conspiração de ladrões (tal como Agostinho via o Império Romano). Os países que toleram o aborto são os últimos lugares em que os magistrados podem pretender agir como superintendentes de Deus.

Argumento 4: “Nós mesmos, como sociedade, nos revelamos muito insensíveis para com a vida inocente. Somos tentados, com incrível facilidade, a concordar com o aborto, com a eutanásia, com as pesquisas que usam células-tronco embrionárias, com a fertilização in vitro e com outros abusos de embriões humanos. Perdemos a pretensão de aplicar a pena de morte a serviço da justiça porque demonstramos que simplesmente não nos preocupamos de verdade com a justiça. Nenhuma nação que comete tantos crimes contra os inocentes pode lidar de maneira sóbria com a morte dos culpados”.

Este último argumento, que o brilhante Anthony Esolen me sugeriu, envolve um pensamento mais profundo. Considerando que damos de ombro diante dos ataques de drones que destroem aldeias inteiras e diante do aumento dos milhões de abortos cometidos todos os anos, talvez seja mera hipocrisia chamarmos de "justiça" a execução de um condenado. Uma sociedade cristã poderia condenar alguém à morte em punição aos seus crimes precisamente por acreditar que esse alguém tem uma alma imortal. Quando os laicistas modernos executam alguém, eles pensam que estão destruindo esse alguém para sempre. Isto seria um ato de vingança, que não devemos incentivar nestes tempos de espírito sangrento.

Os dois últimos argumentos são suficientes para me fazer pensar, mas não para me convencer. A decadência do respeito pela justiça, penso eu, não será interrompida por um afastamento ainda maior dela, nem pela afirmação de que podemos matar pessoas quando elas nos põem em risco, mas não quando elas merecem. Esse princípio soa muito próximo do utilitarismo: a questão da vida ou da morte de um criminoso não se fundamenta nos seus atos, mas no quanto as nossas prisões são seguras ou no quanto ele representa uma ameaça para nós. Podemos então executar inocentes que ameaçam o nosso bem-estar? A China impôs o aborto exatamente por esse motivo.

Não há outra resposta a não ser lutar por justiça em todas as fases da vida e da morte, respondendo a argumentos tolos e sentimentais com lógica clara e analogias sólidas. Esta é a minha favorita: a pena de morte está para o aborto assim como as sentenças de prisão estão para os sequestros. Mas considerando a dificuldade da maioria das pessoas com as analogias, eu não sei se este argumento vai comovê-las.

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