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A verdade sobre a relação entre a Santa Sé e a comunidade internacional

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Photo/Jean-Marc Ferre

Corrado Paolucci - Aleteia Vaticano - publicado em 08/05/14

Dom Tomasi fala sobre a questão dos abusos sexuais e as medidas de prevenção aplicadas pelo Vaticano

O compromisso da Santa Sé, o encontro do papa com Ban Ki Moon e as últimas notícias sobre o combate aos abusos contra menores: dom Silvano Maria Tomasi, observador permanente da Santa Sé junto à ONU em Genebra, retoma esses temas após o relatório apresentado na última segunda-feira, em que tinha reiterado o compromisso da Santa Sé no combate à tortura e na defesa dos direitos invioláveis ​​da pessoa humana, mencionando também as novidades que o Vaticano está criando no âmbito jurídico, sem esquecer a importância do Evangelho.

Esta foi a conversa que Aleteia teve com ele:

ALETEIA: O Comitê da Convenção contra a Tortura lida com tratamentos cruéis cometidos e, de alguma forma, permitidos dentro de um país. Por que, no caso dos abusos sexuais cometidos por padres e, portanto, ligados a atos de indivíduos particulares, há quem decida envolver o Vaticano em processos jurídicos?

Dom Tomasi: O Comitê da Convenção contra a Tortura abriu uma brecha, por assim dizer, para uma série de questionamentos sobre os abusos sexuais cometidos por pessoas que trabalham para a Igreja porque o artigo 16 da Convenção fala de "tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes que não sejam atos de tortura tal como definida no artigo 1º, caso cometidos por funcionário público ou por qualquer outra pessoa no exercício de funções oficiais ou sob sua instigação, ou com o seu consentimento expresso ou tácito". E, com certa legitimidade, parece-me, cabe neste artigo o abuso sexual contra menores. Por esta razão é que estão sendo levantadas as questões sobre a responsabilidade da Igreja no tocante aos padres pedófilos e a casos que ocorreram em vários países do mundo todo. Mas de trata de comportamentos desumanos e não de tortura, que a tortura implicaria a participação de funcionários do Estado, coisa que os sacerdotes não são.

ALETEIA: O Wall Street Journal apontou o dedo, num longo editorial, para as associações que estão exigindo que as Nações Unidas se pronunciem contra o Vaticano e contra a forma como o Vaticano tem lidado com os casos de pedofilia na Igreja. Em particular, o Centro de Direitos Reprodutivos está fazendo lobby para que os ensinamentos do Vaticano sobre a interrupção da gravidez sejam considerados nada menos que "equivalentes a tortura psicológica". O que o senhor pensa disso?

Dom Tomasi: Eu considero que o fato de haver representantes da sociedade civil que participam das atividades das Nações Unidas é uma coisa boa. Infelizmente, algumas dessas organizações não governamentais são um pouco fanáticas ou adotam uma metodologia que é fechada a uma leitura objetiva da realidade.

Em outras palavras, enquanto o funcionamento das Nações Unidas tem uma base democrática, através da representação dos países membros, há ONGs ou funcionários que seguem outras linhas, que seguem as suas crenças pessoais.

Mas isso não afeta de forma alguma a posição jurídica da Santa Sé nas Nações Unidas. Eu diria, na verdade, que, nos últimos meses, a minha pouca experiência aqui em Genebra tem sido a de um grande respeito e solidariedade por parte dos representantes dos países.

Por outro lado, os representantes de algumas organizações não governamentais adotam, às vezes, uma atitude fundamentalista, fechando os olhos para as evidências dos fatos e para o que já foi e está sendo feito, seja em relação a esses problemas dos abusos sexuais, seja em relação a uma mudança de cultura na forma de tratá-los.

ALETEIA: Foi anunciado para o dia 9 de maio o encontro entre o papa e o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon. O senhor pode nos dar uma prévia dos assuntos que eles devem abordar?



Dom Tomasi: Eu não estou a par da agenda desse encontro. Sei que o secretário geral das Nações Unidas irá acompanhado pelos diretores gerais das várias agências e entes da ONU. Esse encontro do papa com os mais altos representantes da ONU é o sinal da vontade e do compromisso da Igreja, como diz o Concílio Vaticano II, de ser protagonista na comunidade internacional e de favorecer tudo o que fortalece a solidariedade no seio da família humana.

É um senso de solidariedade entre países e pessoas. A liberdade deve ser aceita tanto em termos de credo e opiniões das pessoas quanto no tocante ao direito de participar ativamente na vida social.

Apesar das críticas que alguns grupúsculos muito "vocais", muito ativos e com boa ressonância nos meios de comunicação, que tentam opor resistência e anular a voz da Igreja e da tradição cristã, a verdade é que a relação entre a Santa Sé e o mundo internacional é muito boa.

Eu diria que se revelam, neste contraste, duas culturas diferentes. Isso eu acho que está na raiz de algumas polêmicas, de algumas posturas que nós vemos diante de certas posições da Santa Sé.

Nós mantemos uma leitura da pessoa humana baseada na sua dignidade, na sua capacidade de conhecer a verdade, na sua imagem de Deus desde a criação e na sua abertura aos outros, não só às pessoas, mas também à transcendência. Mas há outra cultura que leva ao individualismo extremo, que tenta fazer de todos os desejos um direito humano, sem levar em conta a responsabilidade que os nossos comportamentos e as nossas escolhas envolvem no tocante aos outros.

As consequências dessas duas antropologias se mostram na vida prática, na atitude tomada por algumas ONGs diante da posição da Igreja sobre o aborto, por exemplo, que nós consideramos uma forma de tortura contra a criança, enquanto outros o consideram como um simples serviço de saúde, sem levar em consideração os direitos da pessoa que está sendo eliminada.

Assim, nós podemos chegar à questão das atitudes das pessoas quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. É claro que, na cultura pública internacional, há um componente forte que representa esta segunda linha cultural, mas me parece que a força do Evangelho é sempre nova e não é a primeira vez na história que a comunidade de fé, que tem esses valores baseados no Evangelho, é chamada a transformar a sociedade e cultura.

ALETEIA: Em 2015, durante a Jornada Mundial das Famílias, na Filadélfia, é plausível uma intervenção do papa Francisco na Assembleia das Nações Unidas?

Dom Tomasi: Há um precedente, já que Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI passaram pelas Nações Unidas, em Nova Iorque, participando da Assembleia Geral e deixando uma mensagem própria. É possível que o papa Francisco também siga essa tradição, mas eu não tenho nenhuma indicação neste sentido. É claro que precisa ser lembrado que a Igreja e a Santa Sé sentem a responsabilidade de uma presença de liderança na vida internacional, mesmo que haja dificuldades.

ALETEIA: Há outras possíveis medidas da Santa Sé contra os abusos sexuais? Qual é o caminho que o Vaticano vai seguir?

Dom Tomasi: As medidas que já foram tomadas no Estado da Cidade do Vaticano se referem às leis do Vaticano que foram modificadas exatamente para levar em consideração as exigências da Convenção contra a Tortura e também para punir explicitamente os atos como os de abuso sexual contra menores.

Há uma série de medidas, portanto, que já foram tomadas e que continuam sendo implementadas. E há também algumas novidades. A mais recente é a Comissão para a Proteção dos Menores, que foi criada pelo papa Francisco e que realiza a vontade da Santa Sé tanto no pastoral, como Igreja, quanto no jurídico, como Cidade do Vaticano, para incentivar todas as decisões voltadas a evitar que esses crimes aconteçam, a punir os culpados e a garantir que, nas instituições geridas pela Igreja, haja serenidade e confiança para que as crianças e adolescentes possam ser confiadas a essas instituições sem qualquer preocupação.

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