Fazemos muitos “atos de fé” cotidianamente, mesmo sem perceber
“A incredulidade é essencialmente contrária à natureza humana”, disse São Tomás de Aquino. Mas será que é possível viver sem fé?
Analisemos nossa vida cotidiana para entender se é possível viver sem acreditar em algo ou em alguém.
Um ato tão simples e cotidiano como usar um elevador exige “fé” pois… sabemos exatamente como o elevador funciona? Sabemos quem o construiu? Sabemos se ele foi revisado ultimamente? A maioria das pessoas responderia negativamente a estas perguntas; no entanto, elas usam “inconscientemente” o elevador todos os dias.
Muitos atos da nossa vida cotidiana – sobretudo nesta era tecnológica – são aceitos por nós com certa confiança “cega” na ciência, e mais ainda quando tal confiança parece suficientemente confirmada pela experiência comum.
Segundo Ratzinger, “vivemos em uma rede de não conhecimentos, dos quais, o entanto, nos fiamos devido às experiências geralmente positivas (de outros)”. Em outras palavras, confiamos em outros e em seus conhecimentos e participamos do saber de outros, porque não é nosso.
É por isso que confiamos em que, ao usar o celular, ele não vai explodir, ou que, ao pegar um avião, este vai voar ao invés de cair; não é por termos o conhecimento de “como” funciona, mas porque sabemos e confiamos em que há alguém que sabe e que – baseados em seu conhecimento do “como” – chegamos a ter ou usar esse aparelho.
É inevitável: ninguém pode saber tudo nem dominar absolutamente com seu próprio saber aquilo em que nossa vida se baseia. É por isso que podemos afirmar que a fé – entendida como confiança no outro – é indispensável para nossa vida cotidiana.
Sem fé, simplesmente não nos moveríamos, não entraríamos o carro, não usaríamos o celular nem o computador. Sem esta confiança, nada funcionaria, pois todos teriam de começar “do zero”, do princípio.
No sentido mais profundo: a vida humana seria impossível se não houvesse confiança no outro e nos outros, já que uma pessoa não pode fiar-se unicamente da própria experiência nem unicamente dos próprios conhecimentos.
Mas, visto de outro ângulo, a fé denota, de certa forma, uma “ignorância”, e conhecer seria melhor. Existe, então, o desejo natural de passar, na medida do possível, da ignorância ao saber, a um conhecer justo e significativo, pelo menos no campo da ciência.
No entanto, precisamos aceitar que não poderemos conhecer tudo e, portanto, somos obrigados a participar da comum compreensão e domínio deste mundo, que, ainda sendo vastos, não são totais. Em suma, em uma sociedade sem confiança, não se pode viver. A confiança é a base de toda sociedade humana.
Nesta mesma linha, podemos então afirmar que não é necessário compreender como funciona a lei da gravidade para acreditar nela: nós a experimentamos diariamente, inclusive sem percebermos, como quando caminhamos ou por meio de uma queda (neste caso, percebemos que não podemos ignorá-la, ainda que não conheçamos nem compreendamos sua explicação científica).
Esta “fénatural”, segundo Ratzinger, é composta por três elementos fundamentais e inegáveis:
1. Refere-se sempre a alguém que “conhece”, ou seja, pressupõe o conhecimento real de pessoas qualificadas e dignas de confiança, que nos dizem que as coisas são assim.
2. A confiança de muitos, que baseiam o uso cotidiano das coisas na solidez do “saber” que há dentro delas. Ou seja, há uma ordem e uma “racionalidade” nas coisas, da qual eu não participo conscientemente, mas sei que existe.
3. Há certa verificação pessoal desse “saber de outros” mediante a experiência de cada dia.
Estes três elementos fazem que nossa confiança