Uma entrevista exclusiva com o padre nigeriano John Idio
O sequestro de cerca de 300 meninas na Nigéria pelo grupo terrorista Boko Haram ganhou as manchetes do mundo todo. Nesta entrevista exclusiva, o pe. John Idio, pároco da igreja de Santo Antônio, na localidade nigeriana de Asipa, Ibadan, detalha a opressão e a violência a que os cristãos têm sido submetidos pela organização extremista islâmica. O sacerdote explica a ideologia do Boko Haram e as suas possíveis ligações com membros do governo da Nigéria.
Pe. John, o senhor tem contato direto com pessoas que já sofreram na pele a violência do Boko Haram?
O Boko Haram atacou a estação de ônibus de Nyanya num horário de pico, na manhã do dia 14 de abril. Meu tio é pároco de São Pedro e São Paulo, em Nyanya. Ele me contou como foi aquela sensação terrível durante a explosão das bombas no parque de Nyanya. A explosão fez a igreja tremer, literalmente, apesar de que não houve nenhum dano físico sério. Alguns dos paroquianos que tinham acabado de sair da missa da manhã e que estavam indo para casa ou para o trabalho foram atingidos pela explosão. Houve mais uma bomba em Nyanya no dia 1º de maio, no mesmo local da outra. Meu tio está desnorteado, porque não se sabe onde é que eles vão atacar da próxima vez. Ele quer que o governo ajude e mobilize mais agentes de segurança em Nyanya.
Qual é o tipo de islã que o Boko Haram abraça? Eles são descritos muitas vezes como “militantes islâmicos”, mas em que eles realmente acreditam?
“Boko Haram” é uma frase na língua hauçá, que significa, figurativamente, "a educação ocidental é um pecado". Eles dizem que a interação com o mundo ocidental é proibida. O objetivo, então, é acabar com a "ocidentalização". Para isso, os membros querem estabelecer um Estado islâmico "puro", governado pela sharia. Eles querem a lei islâmica plena entronizada em todos os Estados do norte da Nigéria e, talvez, que a Nigéria toda vire um país islâmico. Antes de morrer, Mohammed Yusuf, que era líder do Boko Haram, reiterou o objetivo do grupo: mudar o sistema de ensino atual e rejeitar a democracia. Esse objetivo do grupo, ao se contrapor à educação ocidental, acaba sendo contraditório com a vida que os membros levam. O fundador, Muhammad Yusuf, era um homem que tinha tido uma educação de alto nível: ele tinha pós-graduação, falava inglês fluente, levou uma vida de luxo e dirigia um Mercedes-Benz. Era um clérigo muçulmano controverso.
O governo nigeriano tem sido incapaz de restabelecer a paz nas áreas em que o Boko Haram vem operando há anos. É falta de recursos? Ou o Boko Haram conta com apoio substancial da população muçulmana da Nigéria, fazendo o governo hesitar?
O governo nigeriano é simplesmente incapaz de impedir o Boko Haram de matar inocentes. E os nigerianos estão perdendo a confiança no governo. A incapacidade do governo de lidar com o Boko Haram não é por falta de recursos. A Nigéria tem um exército forte, com reputação de cumprir as suas missões com eficácia. As perguntas inevitáveis são estas: qual é a causa dessa incapacidade de conter o Boko Haram ou de eliminá-lo de uma vez por todas? Por que o governo, o exército e as agências de segurança estão impotentes? Considerando o quanto os ataques do Boko Haram são eficazes, eu tenho a sensação de que eles têm simpatizantes dentro das agências governamentais e de segurança.
Recentemente, eu li que um alto membro do Boko Haram, Ahmed Grema Mohammed, tem um cargo diretivo nos Serviços de Imigração da Nigéria. Ele foi preso e confessou envolvimento ativo no assassinato de funcionários civis, agentes de segurança e políticos em Damaturu, que falaram contra as atividades do Boko Haram. Mas nós sabemos que, na Nigéria, muita gente é presa por conexão com o Boko Haram, mas não é acusada nem processada. No fim, eles são libertados. Quando funcionários do próprio governo fazem parte do problema do país, é difícil resolvê-lo. Há muitos funcionários do governo, militares, líderes muçulmanos influentes e até ex-presidentes e governadores que apoiam o Boko Haram. Neste sentido, o Boko Haram é uma ferramenta política perigosa.