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Comunhão católico-ortodoxa: o objetivo de Francisco e Bartolomeu

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John Burger - Aleteia Vaticano - publicado em 30/05/14

Depois do abraço entre papa e patriarca ecumênico, o que será necessário para se avançar?

O encontro entre o papa Francisco e o patriarca ecumênico Bartolomeu I foi simbólico, dizem os especialistas católicos e ortodoxos, mas deu um importante impulso ao diálogo que completa cinquenta anos e que enfrenta hoje, talvez, o seu maior desafio.

Francisco, o líder de mais um bilhão de católicos, e Bartolomeu, o patriarca da antiga Sé Ortodoxa de Constantinopla, se reuniram em Jerusalém, no domingo passado, para celebrar o 50º aniversário do encontro de seus predecessores Paulo VI e Atenágoras. O encontro de 1964 marcou o fim das excomunhões recíprocas de 1054 e deu início aos esforços contemporâneos para se encontrar o caminho da união entre a cristandade oriental e ocidental.

Durante a entrevista coletiva no voo de volta para Roma, nesta segunda-feira, Francisco revelou que, em sua reunião privada antes da liturgia pública de domingo, ele e o patriarca Bartolomeu "falaram sobre a unidade que criamos enquanto caminhamos juntos".

"A unidade não pode ser criada num congresso de teologia", disse o papa. "Atenágoras disse a Paulo VI: ‘Vamos em frente juntos, com calma; colocamos todos os teólogos juntos em uma ilha onde eles possam discutir entre si, e nós vamos em frente na vida!’. Há muitas coisas que podemos fazer para ajudar uns aos outros. Por exemplo, com as igrejas. Em Roma, como em muitas outras cidades, muitos ortodoxos vão às igrejas católicas. Outra coisa que mencionei, que pode ser considerada no Concílio Pan-Ortodoxo, é a data da Páscoa, porque é um pouco ridículo perguntar: ‘Quando é que o seu Cristo ressuscita? O meu ressuscitou na semana passada’. Sim, a data da Páscoa é um sinal de unidade. Nós também falamos muito sobre os problemas da ecologia e sobre a necessidade de trabalhar juntos nesta questão”.

O encontro de 25 de maio de 2014, razão original da peregrinação papal, viu os dois líderes religiosos assinarem uma declaração conjunta em que disseram dar um "passo novo e necessário no rumo da unidade para a qual somente o Espírito Santo pode nos levar, a da comunhão na legítima diversidade". Francisco e Bartolomeu entraram na igreja do Santo Sepulcro, rezaram juntos diante do túmulo de Cristo e leram declarações separadas. Entraram no túmulo, onde se ajoelharam em oração e reverenciaram a laje de pedra em que Cristo foi deitado, e depois subiram os degraus de pedra até o local da crucificação.

A declaração comum assinada pelos dois líderes é, na apreciação de mons. Paul G. McPartlan, membro da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa, "um compromisso renovado com o diálogo entre nós". Essa renovação vem numa hora em que "o tema que estamos considerando no diálogo ecumênico é um dos mais difíceis de todos entre católicos e ortodoxos, ou seja, a questão da primazia em relação à sinodalidade, especialmente no nível universal da vida da Igreja e, de modo particular, o papel do próprio papa como primaz universal".

No diálogo internacional, de fato, vem-se trabalhando numa declaração sobre o papel do bispo de Roma durante o primeiro milênio do cristianismo, mas, segundo o pe. Ronald Roberson, diretor adjunto da Secretaria de Assuntos Ecumênicos e Inter-Religiosos da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, essa declaração foi deixada de lado porque as conversas não chegaram a um acordo quanto às evidências históricas. Agora, o diálogo está trabalhando num projeto de declaração sobre aspectos teológicos do ministério petrino.

Mesmo assim, "ainda estamos progredindo", disse McPartlan, "e eu acho que a declaração conjunta reconhece todas as bênçãos dos últimos 50 anos ou mais. E é muito importante notar que o que une os católicos e os ortodoxos é muito mais extenso do que aquilo que os divide".


Entre os exemplos do que une as duas Igrejas estão o credo, a tradição apostólica, o sacerdócio, o episcopado e os sete sacramentos.

O grande obstáculo é a questão do papel do papa de Roma e a sua função num corpo unido em que as Igrejas ortodoxas são chefiadas por bispos autocéfalos.

Mons. McPartlan considerara significativo que o papa Francisco tenha invocado uma proposta feita em uma encíclica de 1995, pelo seu antecessor João Paulo II, para repensar o papel do papado.

"Francisco renovou de forma muito explícita o apelo de São João Paulo II na Ut Unum Sint, o desejo de um diálogo que encontre uma forma de se exercer o ministério papal com fidelidade à sua verdadeira natureza, mas aberto a uma nova situação, podendo ser visto por todos como um ministério a serviço do amor e da comunhão", disse McPartlan, que é também professor de Teologia Sistemática e Ecumenismo na Universidade Católica da América, em Washington. "Achei muito significativo o papa Francisco repetir explicitamente as palavras de São João Paulo II, porque são palavras muito importantes, abertas e acolhedoras, que incentivam o diálogo sobre o primado universal. Porque, se como os católicos acreditam, nosso Senhor confiou esse ministério à sua Igreja e ele é um dos dons preciosíssimos que Ele nos deu, temos que procurar o modo certo de exercê-lo para que os cristãos apreciem de fato esse dom maravilhoso de Jesus".

O pe. Roberson, que também trabalha no diálogo com os ortodoxos e com outras igrejas, afirmou: "Acho que há uma percepção geral de que os cristãos não vão se reconciliar sem resolver este problema em particular, porque, seja qual for o tipo de reconciliação ou de acordo que possa ser conseguido, o papa vai ter que ter um papel. O ministério petrino tem que fazer parte".

"Para os ortodoxos, a menção de Francisco à Ut Unum Sint é uma espécie de afirmação do fato de que reconhecemos essa questão como crítica e de que ela precisa de resolução", acrescentou o padre Thomas FitzGerald, professor de História da Igreja e de Teologia Histórica na Escola Greco-Ortodoxa de Teologia da Santa Cruz, em Massachusetts. "Ambas as Igrejas têm de refletir mais profundamente sobre a inter-relação entre primado e conciliaridade. Para nós, esta é a questão-chave. Não podemos falar do primado sem a conciliaridade ou sinodalidade, nem da sinodalidade sem o primado".

Ele afirma que a recente discussão do papa Francisco sobre "a abordagem sinodal" ressoou nos ouvidos ortodoxos: "Onde está a inter-relação adequada entre primado e conciliaridade?".

Para explicar este conceito, o pe. FitzGerald apontou o nível mais básico de vida católica ou ortodoxa: a celebração semanal ou diária da Eucaristia.

"Eu acho que, ao longo da vida da Igreja, nós vemos este princípio em ação e ele começa justo no local da Eucaristia", disse ele. "O sacerdote preside a Eucaristia no meio da comunidade fiel. Não se pode fazer uma Eucaristia sem o povo; o povo não pode fazer a Eucaristia sem o sacerdote que preside. O sacerdote é que apresenta as ofertas em nome de toda a comunidade e é a comunidade que diz ‘amém’ ao que o padre diz, à oração da Igreja. No resto da estrutura da vida da Igreja isso funciona muito bem, às vezes melhor do que em outros momentos: a relação entre bispo e clero, a relação entre o arcebispo e o bispo e, finalmente, no nível dos patriarcas e papas. Os leigos podem ver que isso é o que fazemos na Eucaristia: temos aquele que preside no amor em meio à comunidade, que nos guia na oração, proclamando as escrituras, comentando as escrituras, apresentando as ofertas e oferecendo a grande oração de ação de graças".

Mas qualquer mudança de atitude em relação ao papel do papa terá que acontecer nos dois sentidos. George Demacopoulos, diretor do Centro de Estudos Cristãos Ortodoxos na Universidade de Fordham, em Nova Iorque, opina que, entre seus colegas ortodoxos, "tem que haver muito mais vontade de se ver a eficácia em algum papel do primado, porque a estrutura eclesiástica ortodoxa atual não tem uma figura central para essa união, o que não está nos levando a lugar nenhum também. Não é coincidência que não tenha havido nenhum encontro significativo de bispos ortodoxos desde o Império Bizantino. Não existe aquela estrutura centraliza que pode unir o mundo ortodoxo".

Com estas considerações, podem ser necessárias mais algumas peregrinações à Terra Santa antes que quaisquer novos passos sejam dados.

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