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Exorcismo, arma contra o mal

Exorcismo

Família Cristã

Ilustração: exorcismo

Família Cristã - publicado em 30/05/14

A Igreja Católica defende a existência do Diabo enquanto entidade sobrenatural, não apenas como a ausência de Bem

Não há demónios que cospem fogo ou levitações no meio de tempestades destruidoras. Mas a existência do demónio enquanto anjo que renunciou a Deus faz parte dos ensinamentos da Igreja. O exorcismo torna-se assim numa arma de luta do homem contra o Diabo, mas de nada valerá se a vida não for repleta de oração, confissão e retidão. Esta é uma viagem que assusta, mas que importa ser feita.

«Um dia passei numa feira de ocultismo e perguntei pelo melhor que ali estava. Entrei e senti um arrepio. Ele sabia tudo sobre a minha vida, e eu nem abri a boca para falar. Disse-me que a alma do meu pai não estava em paz, e que precisava que eu fizesse magia branca para ficar. Recusei-me e saí dali, mas a partir daquele momento tudo foi diferente.»

Ao longo da história, o homem sentiu a tentação, falou na existência do Mal e concebeu hipóteses sobre a existência do Demónio, um ser, entidade ou pensamento que procura influenciar a nossa vida e afastar os crentes do caminho do Bem, ou de Deus. Mas para a Aldina, 36 anos, todas estas experiências foram bem mais reais. «O meu pai morreu em 2001 e comecei a querer saber mais sobre a sua alma, se estava em paz», diz. Esta curiosidade levou-a a feiras do oculto, encontros de espiritismo, médiuns, leitores de tarot e até a encontros da Nova Era, um movimento que se baseia no bem-estar e na tolerância universal, rejeitando Deus e a religião.

A exploração de pessoas fragilizadas por traumas é comum nesta área. Há muitos "profissionais" da adivinhação que não passam de meros charlatões. «No entanto, nem todos são assim, e é com esses que é preciso ter mais atenção, pois é nesses que o Diabo reside e pode fazer mal», defende o Pe. Duarte Sousa Lara, um sacerdote de Lamego que, nomeado oficialmente pelo seu bispo, se tornou uma referência portuguesa na área dos exorcismos. O sacerdote confirma que há adivinhos que inspirados pelo Demónio, com o qual têm um pacto, conseguem ter os poderes de adivinhação que a Aldina testemunhou na primeira pessoa. Com a escola do Pe. Gabriele Amorth, um padre paulista italiano que trouxe de volta à ribalta o tema das possessões demoníacas em Itália, o Pe. Sousa Lara vai recebendo, acompanhando e exorcizando pessoas que se dirigem até ele em número cada vez maior. «É preciso saber distinguir as pessoas que necessitam de um exorcismo daquelas que têm problemas psicológicos, e algumas das pessoas que vêm até mim são direcionadas para psiquiatras ou psicólogos. Por outro lado, também alguns psicólogos e psiquiatras enviam para mim alguns dos seus casos mais enigmáticos, porque não encontram para eles nenhuma explicação a não ser a presença de um distúrbio de ordem diabólico», assegura. Todas as semanas o sacerdote recebe pessoas que vêm não apenas da sua diocese, mas também de outros pontos do país, até porque, apesar de a Santa Sé ter pedido que em cada diocese houvesse um exorcista, essa ainda não é a realidade do nosso país.

«Já mal conseguia trabalhar, e fui à procura de outros adivinhos para confirmar as teorias. Fui a pessoas cada vez piores. Então começaram os pesadelos», recorda Aldina, que conta que foram ficando cada vez mais «negros» com o passar dos anos. «Durante anos sonhei com o meu pai, e cães a atacarem-me, sangue, tudo muito negro», conta.

Luta entre o bem e o mal

As coisas atingiram o pico em 2011, quando decidiu frequentar um curso da Nova Era. «Quando frequentei o curso da Nova Era, em que paguei 200 €, as coisas pioraram muito mais. Permiti que "mexessem" em mim, e aí aconteceram-me coisas tremendas. Deixei de comer, não controlava o meu corpo, sentia que vinha uma coisa que me alterava a voz, falava línguas que eu não dominava, como o alemão. Estava sempre consciente, com uma força sobre-humana, ninguém me conseguia segurar. Quando me colocavam uma Bíblia à frente durante estes ataques, eu cheguei a rasgar a Bíblia, reagia à água benta, inchava imenso, o meu cabelo ficava em pé…»

É nesta altura de maior desespero que Aldina se vira para a oração. «Foi uma luta entre o Bem e o Mal. Na altura não sabia rezar, e agarrei-me muito a uma senhora amiga da família que rezava muito e foi rezando comigo. Tive noção que precisava de um exorcista, e aí a dificuldade foi encontrar um», indica a jovem portuense. Até que encontrou o Pe. Sousa Lara. «Na primeira vez que cheguei cá reagi de imediato», recorda. «Andei para aí 6 meses em encontros com o Pe. Duarte, e depois melhorei. Eu só queria que a minha vida mudasse, porque eu amava tanto a vida, e vivia tão intensamente tudo…», desabafa. E este propósito de mudança de vida ajudou-a. «Eu agarrei-me ao que o Pe. Duarte pedia, fui obediente, fui à missa todos os dias, confessei-me regularmente, fui a retiros, agarrei-me à vida dos santos, e fui melhorando por causa disto. Eu só pensava "porque é que não soube disto mais cedo", e foi aos 33 anos que descobri verdadeiramente Jesus», sustenta.

Quando chegam à sua sala de atendimento, o Pe. Sousa Lara começa sempre por perguntar se já consultaram profissionais de saúde ou psicólogos, para eliminar a maioria dos casos, e as pessoas costumam apresentar um dossiê de exames que não revelaram nenhuma doença. Depois, vêm as questões habituais. «Pergunto se vai à Eucaristia regularmente, se se confessa, se reza, se se arrepende do mal que faz. E, às vezes, logo nessa altura começam as primeiras manifestações diabólicas em quem precisa de um exorcismo», refere.

A convite do sacerdote, estivemos presentes em dois exorcismos. «Falar sobre isto é fácil, mas não há como ver, até para desmistificar alguns conceitos que os filmes introduzem nos imaginários. Não há círculos de fogo, ou regurgitações de vómitos verdes, ou coisas do género», brinca o Pe. Sousa Lara. Para este sacerdote, a existência do Diabo é real, como explica o Catecismo da Igreja Católica.

Enquanto conversamos, entramos na sala onde costuma fazer os exorcismos. Não há cheiro a enxofre nem descemos a nenhuma cave ou subterrâneo com tochas nas paredes. É uma pequena sala retangular com uma marquesa, cinco cadeiras, um sofá no centro da sala e uma mesa por trás. «Aqui tenho tudo o que preciso: alguns formulários com as orações de libertação, para que todos os presentes possam rezar comigo, água benta, óleo dos catecúmenos, um crucifixo e a imagem de Nossa Senhora. No sofá senta-se quem vai ser exorcizado, ou na marquesa, se for um caso mais complicado, como será um dos casos de hoje», diz o sacerdote. Presentes na sala durante o exorcismo costumam estar familiares do exorcizado e algumas pessoas a quem o Pe. Sousa Lara pede ajuda. «Nunca somos demais para rezar, e a força da oração é muito grande», diz, explicando em seguida que quase todo o rito é em português, e não latim como fazia o Pe. Gabriele Amorth, para ajudar os presentes a perceber que não se trata de magia.

O rito

São 9h00 e chega a Maria (nome fictício). É a primeira vez que vem para um exorcismo. O Pe. Sousa Lara recebe-a à porta e encaminha-a para o sofá. Assim que coloca um braço sobre o seu ombro e começa a fazer-lhe perguntas, o corpo da Maria começa a contorcer-se. É colocada no sofá e é dado início ao rito com a recitação de uma oração de libertação. Com ela vieram o marido e o filho. Enquanto rezamos, a Maria contorce-se e fala, fala muito. Fala da filha, fala de um ente já falecido, bate com os pés no chão, contorce o corpo, reage à oração e insulta o celebrante de forma agressiva. O Pe. Sousa Lara coloca-lhe óleo dos catecúmenos nos ouvidos, nos olhos e na boca, e quando terminamos a oração de libertação, continua só ele rezando o Exorcismo Maior. «Eu te esconjuro, Satanás», é uma das frases mais repetidas, e com cada frase a reação do corpo é maior.

O rito dura cerca de 30 minutos. Quando termina, a Maria retoma a sua voz, corpo e temperamento normais. Em conjunto com eles, o sacerdote vai tentando perceber o que esteve na origem desta situação, e vêm à baila antigas disputas familiares por causa de heranças. «Surgem muitos casos destes, de pessoas que, não se tendo aberto à intervenção do Diabo, são colocadas nesta situação por outras pessoas que recorrem a bruxos e fazem feitiços contra elas», explica o Pe. Sousa Lara, enquanto o marido da Maria explica que já encontraram tigelas com sangue de animais à porta da sua casa, resultado de rituais satânicos. É-lhes então recomendado que não se esqueçam da oração, da Eucaristia e da confissão, e marcada nova sessão para um mês depois.

O caso seguinte é o do João (nome fictício). Antes de ele chegar, colocámos a marquesa bem no centro da sala. «Este é um caso mais complicado, vamos precisar de o deitar, amarrar os pés e segurá-lo bem», diz o sacerdote. Chegado à sala, o João deita-se e só depois de amarrado e seguro por todos os presentes na sala, o Pe. Sousa Lara se aproxima dele e dá início ao rito. De imediato o João deixa de falar e começa a emitir um som contínuo, semelhante a um ladrar de cão. O seu corpo exerce muita pressão sobre todos os que o seguram, sempre na tentativa de se levantar.

Não há qualquer comunicação com ele durante a oração, pois ele limita-se a emitir sons de forma contínua, sendo mais audíveis quando são pronunciadas as mesmas frases que no exorcismo anterior. Ninguém sabe o que o colocou naquela situação, que já se arrasta há alguns anos também, agravada por fenómenos de alcoolismo e automedicação. João frequenta o psiquiatra, mas ainda não lhe disse que tinha procurado um exorcista, e o Pe. Duarte sugere que o faça.

O sucesso do exorcismo depende sempre da vontade do exorcizado. O João afirmava ao Pe. Sousa Lara que se tinha deixado de automedicar, mas a mãe, ali presente, abanava a cabeça com tristeza. «João, não deixaste, não mintas ao senhor padre.» «Esta é a parte mais difícil de conseguir, a conversão sincera de vida. Podemos ir à Missa todos os dias, confessar-nos e tudo, mas se não quisermos verdadeiramente mudar de vida e abandonar o pecado, não nos libertamos do domínio que o demónio tem sobre nós», explica o Pe. Sousa Lara para todos na sala. O João sai com a promessa de que irá mudar.

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Portugal tem poucos exorcistas

A formação dos sacerdotes, diocesanos ou religiosos, não contempla a temática das possessões, com exceção de uma breve referência na cadeira de Liturgia, por causa do Rito do Exorcismo. Um desconhecimento que leva a que muitos considerem o tema tabu e não o queiram abordar. O tabu mantém-se até na nomeação que deveria ser feita pelo bispo da diocese. Apesar de todos os sacerdotes terem o poder de exorcizar demónios, só o fazem licitamente com licença expressa do bispo. «São muito poucas as dioceses que têm um exorcista devidamente preparado para isto, e eu já cheguei a escrever a alguns bispos que têm sacerdotes na sua diocese com alguma experiência nesta área e poderiam fazê-lo, mas nem sempre recebo resposta», lamentou o Pe. Sousa Lara, que adianta que Viseu, Lamego, Funchal e Santarém são dioceses que têm exorcistas preparados para exercer de forma eficaz essa tarefa.

O que diz o «Catecismo da Igreja Católica»

A Igreja Católica defende a existência do Diabo enquanto entidade sobrenatural, não apenas como a ausência de Bem.

O n.º 328 diz que «a existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição», para defender já no n.º 391 a existência de uma «voz sedutora» por trás «da opção de desobediência dos nossos primeiros pais». «A Escritura e a Tradição da Igreja veem neste ser um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo. Segundo o ensinamento da Igreja, ele foi primeiro um anjo bom, criado por Deus», diz o mesmo número.

Mais à frente, o n.º 392 explica que alguns destes anjos tiveram uma «queda». «A queda consiste na livre opção destes espíritos criados, que radical e irrevogavelmente recusaram Deus e o Seu Reino.» Finalmente, o n.º 393 explica que estes anjos não se reconciliam com Deus em virtude do «carácter irrevogável da sua opção, e não uma falha da infinita misericórdia de Deus, que faz com que o pecado dos anjos não possa ser perdoado». Neste sentido, os pecados que os homens cometem são sempre passíveis de perdão enquanto o homem tiver em si a disponibilidade para o arrependimento e para a conversão.

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