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A tragédia católica de Quebec

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Karla Lopez

David Carlin - Aleteia Vaticano - publicado em 14/06/14

Como a província canadense que já foi sinônimo de catolicismo subverteu seus valores até aprovar a eutanásia

Quem se lembra dos tempos em que a província de Quebec era considerada um dos lugares mais católicos do mundo todo?

A província canadense abundava em famílias numerosas (os quebequenses não eram grandes fãs da contracepção) e produzia um número de padres e freiras tão alto a ponto de muitos não serem “necessários” localmente e acabarem “exportados” para a província da Nova Inglaterra, para onde os trabalhadores de Quebec migravam a fim de trabalhar nas fábricas e escapar da então tradicional pobreza da sua terra natal. Aqueles padres e freiras passavam a cuidar das paróquias e escolas paroquiais francófonas da Nova Inglaterra e, graças em grande parte a eles, os imigrantes quebequenses e seus descendentes mantinham não só a fé católica, mas a língua francesa e muito da cultura de Quebec.

Durante muito tempo, Quebec e seus filhos dispersos se mantiveram solidamente católicos, a ponto de ser impossível pensar em Quebec sem pensar no catolicismo.

Recentemente, porém, a outrora católica província canadense aprovou por lei a eutanásia.

Não se trata do chamado "suicídio medicamente assistido", tal como nas como leis que estão em vigor nos Estados norte-americanos de Oregon e Washington. Esses Estados permitem que os médicos, em certas circunstâncias, apliquem uma dose letal nas pessoas que desejam morrer. Mas é o próprio paciente/vítima quem tem que realizar o procedimento suicida: o médico pode prescrever a dose, mas não administrá-la. São, portanto, legislações de suicídio, não de eutanásia, embora seja preciso reconhecer que o suicídio em questão está apenas a um ou dois passos da eutanásia propriamente dita.

Pois bem, Quebec deu estes passos.

A lei da eutanásia foi promulgada em 5 de junho pela Assembleia Nacional de Quebec (que é, na verdade, uma assembleia provincial como as demais assembleias legislativas das províncias canadenses; o termo “nacional” se deve à tese que considera Quebec uma nação distinta dentro da Confederação Canadense, ideia defendida pelos separatistas que pretendem desmembrar a província e torná-la um país independente). A nova lei permite que, em determinadas circunstâncias, os médicos não só prescrevam, mas administrem a dose letal.

Essa legislação de Quebec, aliás, não chama o procedimento de eutanásia. Chama de "ajuda médica ao morrer". É um eufemismo do eufemismo, dado que "eutanásia" significa “boa morte”, o que já é um eufemismo para o ato de "assassinar quem está velho e doente". Se as pessoas sentem a necessidade de acumular eufemismo sobre eufemismo, elas devem perceber que o que estão fazendo, objetivamente, não é coisa boa.

Mas, voltando a Quebec: como e por que esta mudança tão grande? Como foi que um dos lugares mais católicos do mundo se tornou tão não-católico a ponto de legalizar o assassinato? A longa história não é facilmente narrável por alguém que, como eu, não é canadense nem quebequense. Mas vou tentar contá-la.

Poderíamos começar em 1759, quando os ingleses derrotaram os franceses na Batalha de Quebec e assumiram o controle do território que, até então, tinha sido chamado de Nova França. Mas pulemos uns 200 anos. Nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, uma "revolução silenciosa" foi acontecendo em Quebec. A província, relativamente pobre, se tornou depressa um lugar mais modernizado, mais industrializado, mais próspero e mais laico. O nacionalismo de Quebec, florescido desde 1759, sempre tinha se identificado, quase inseparavelmente, com o catolicismo de Quebec.

Começou, porém, uma bifurcação: o nacionalismo quebequense foi se separando do catolicismo e se tornando um nacionalismo cada vez mais laico. E já que todo nacionalismo laico é um rival quase “religioso” da religião tradicional, o nacionalismo laico de Quebec se tornou rival do catolicismo ao longo dos últimos 50 ou 60 anos, crescendo em força enquanto o catolicismo quebequense ia se enfraquecendo. Além disso, em termos gerais, é de se observar que em praticamente todos os países modernizados, secularizados e prósperos do antigo mundo cristão o catolicismo está em acentuado declínio.


O resultado final de todos esses fatores é o colapso católico na província de Quebec. Visite Montreal ou a cidade de Quebec. Uma das cenas mais melancólicas que você verá é o abandono ou a subutilização dos magníficos edifícios construídos no auge do catolicismo. Ah, como aqueles velhos católicos quebequenses sabiam construir edifícios impressionantes! Tenho em mente igrejas quase vazias, antigos conventos e seminários que hoje não abrigam mais freiras nem seminaristas. Felizmente, muitos desses edifícios antigos, em vez de ser demolidos, foram adaptados para usos seculares; uma perda para a religião, mas uma vitória, ao menos, para a arquitetura e para a memória histórica.

Entre os “avanços” da anteriormente católica Quebec, no entanto, o mais melancólico de todos é, sem dúvida, a legalização da "ajuda médica ao morrer". Esta é mais uma “cena dramática” da grande tragédia sofrida pelo catolicismo quebequense.

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