Tráfico de seres humanos é realidade em Portugal também
A polícia teve de saltar o muro para socorrer a X. Estava presa em casa há mais de um ano quando os agentes da GNR a foram salvar das mãos de um senhor mais velho que a tinha "mandado" vir da Guiné-Bissau com a promessa de poder continuar os estudos que tinha iniciado no seu país. Iludida com esta promessa, X aceitou casar com o homem em questão, já que este lhe disse que só assim poderia entrar em Portugal e ficar a residir cá legalmente.
Quando chegou ao nosso país, foi fechada numa casa isolada e rodeada por muros altos e obrigada a ter relações sexuais não consentidas com ele durante todo o tempo que esteve lá em casa. Sob ameaça de violência física, que era cumprida repetidamente, quer ela colaborasse, quer não colaborasse, X nunca teve coragem de tentar fugir, pois receava ser presa pelas autoridades, já que era esse medo que lhe tinha sido incutido no pensamento pelo homem que a mantinha cativa. Era obrigada a cozinhar para ele, a fazer as lides da casa, tudo sem receber qualquer remuneração, e ainda tinha de manter todas as relações conjugais que ele exigia.
Esta história trágica, que está em julgamento, é uma igual a tantas outras que existem no nosso país. Poderíamos pensar que o fenómeno do tráfico de seres humanos era uma realidade apenas nos países em vias de desenvolvimento, mas tal não é verdade. Cláudia Pedra, investigadora do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI), baseia-se no estudo «A Proteção dos Direitos Humanos e as Vítimas de Tráfico de Pessoas», apresentado em outubro de 2012, que denunciava a existência de 250 a 270 vítimas de tráfico no nosso país. Segundo a investigadora, os números são quase «três vezes superiores aos que o Governo anuncia». Portugal é destino de chegada e trânsito para a maioria das vítimas, embora 9% das vítimas identificadas por este estudo sejam portuguesas.
Ninguém sabe bem a verdade sobre esta realidade, para sermos justos. É um mundo sombrio, onde quem está não fala e quem não está desconhece por completo. São círculos fechados, que inspiram tanto medo em quem é atingido por eles, que poucos são os que têm coragem de se chegar à frente.
Uma vida a olhar por cima do ombro, de insegurança, é precisamente o que as organizações de apoio às vítimas de tráfico procuram impedir. Em Portugal, existem instituições do Estado e muitas outras particulares, de âmbito religioso ou não, que prestam este serviço. Mas o seu trabalho não é fácil. «O Estado tem uma casa de proteção para vítimas, e obriga as instituições que assinalam vítimas de tráfico a enviá-las para lá. Mas muitas não querem ir, porque se sentem seguras na instituição que as acolheu, e isto torna o processo muito complicado», desabafa. Também o estudo apresentado no início do ano passado é crítico em relação ao Estado. Nas conclusões pode ler-se que 53% das vítimas identificadas não receberam qualquer apoio e que, das que receberam, 74% foi dado por ONG, 14% pelo Estado e 12% por instituições religiosas. Para além disso, o estudo refere que há uma «insuficiência do sistema de proteção e apoio às vítimas» em termos «qualitativos» e «quantitativos».
Podem ler todo o artigo na edição de junho da revista Família Cristã. Em baixo ficam alguns dos indicadores que permitem identificar uma pessoa vítima de tráfico. Porque é dever de todos estarmos atentos…
Pessoas que foram traficadas podem, entre outros:• acreditar que devem trabalhar contra a sua vontade;
• ser incapazes de abandonar o seu ambiente de trabalho;
• mostrar sinais de que os seus movimentos estão a ser controlados;
• sentir que não podem sair;
• mostrar medo ou ansiedade;