Documentário dinamarquês sobre o preço social e humano da Copa do Mundo no Brasil
Uma família muito humilde que morava em uma favela recebeu uma inesperada e surpreendente notícia. O pai havia atendido a ligação de um importante homem de negócios: “Dentro de três dias, jantaremos em sua casa”. Um grupo de poderosos empresários internacionais desejava visitá-los. O pai foi passando, pouco a pouco, do estupor ao entusiasmo.
“Não é todo dia que temos uma oportunidade como esta”, repetia para si mesmo. Talvez conseguisse um emprego que lhe permitisse ganhar o suficiente para alimentar seus cinco filhos, que lhe tirasse da miséria e lhe oferecesse um futuro – não só o seu futuro, mas o dos seus filhos. Talvez a Providência estivesse enviando um sinal para resgatá-lo do poço em que se encontrava. “Para que perguntar-se o porquê?”, pensava a esposa – afinal de contas, o importante era como esta oportunidade mudaria suas vidas.
O casal começou a pensar em como deixariam seu barraco mais decente. Toda a família participou. Não lhes restava muito tempo, mas tudo o que pudesse ser feito seria bom. Comprariam uma televisão, sim. Tinham um aparelho velho, meio quebrado, indigno demais para receber tão ilustres visitantes. Pediram emprestado um sofá e uma cortina. Proibiram os filhos de sentar-se no sofá, para não estragá-lo, já que estava destinado a pessoas importantes.
Chegado o dia, estiveram preparando o jantar com os melhores pratos que conheciam e podiam comprar. Finalmente, chegou a hora. O encontro tão esperado.
Vários veículos de luxo estacionaram na frente da sua humilde casa. Desviando-se do barro da rua, os magnatas começaram a entrar. A família estava toda em pé para recebê-los, com olhos cheios de esperança. Mas ninguém sequer lhes dirigiu o olhar. Entraram e se sentaram à mesa, sem cumprimentá-los.
A mãe, solícita, ofereceu-lhes o jantar, enquanto as crianças iam pegando os humildes pratos e a bebida. Os visitantes recusaram o jantar, pois estavam concentrados demais na negociação. O que se cozinhava ali não eram alimentos, mas um grande negócio, porque nenhum dos magnatas tirava os olhos dos documentos. O jantar esfriou e nem o experimentaram.
Ao acabar, sentaram-se no sofá para ver uma partida de futebol na televisão. Comemoraram o gol do seu time, que lhes deu a vitória do campeonato, e foram embora sem quase nem se despedir. Antes de entrar no carro, um deles agradeceu ao pai de família, que não conseguia sequer formular uma frase.
O filho melhor, de apenas três anos, perguntou a um dos visitantes: “Senhor, gostou da cortina?”. O homem olhou para o menino com indiferença e lhe perguntou: “O quê? Quem é você? Que cortina?”. Olhou para seu relógio e nem esperou a resposta. Entrou no carro e desapareceu. O filho mais velho saiu de casa gritando: “Um dólar no sofá! Deve ter caído do seu bolso!”.
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Começou a Copa do Mundo 2014, no Brasil. A mídia nos inunda com notícias deste grande evento global. Há vários jogos diariamente. Debates televisivos sobre a atuação dos jogadores. Os fãs de futebol acompanham com atenção os resultados.
No entanto, entre uma notícia e outra, aparece a dura realidade socioeconômica do país. O Brasil é um vulcão de descontentamento social, em meio a greves e manifestações. Tal descontentamento se torna mais clamoroso diante do desembolso de 16,5 milhões de dólares dos cofres públicos para investimentos em obras da Copa.
Segundo estatísticas da ONU, o Brasil ostenta o 123º lugar de um total de 135 países no ranking mundial de igualdade econômica. A desigualdade do Brasil alcança um índice de Gini de 54,7%, vinte pontos a mais que os países da Zona Euro, Grécia e Espanha, com 34%.