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A Copa do Mundo é nossa? (Parte 2)

Graffiti Brasil 2014 – pt

© Paulo Ito

César Nebot - publicado em 20/06/14

Que diferença entre a visita do Papa Francisco e a visita da FIFA ao Brasil!

Na primeira parte deste artigo, denunciei como, em virtude de um suposto efeito derrame positivo da atividade econômica nos mercados pela realização de uma Copa do Mundo, não somente o país organizador investe grandes quantidades de recursos cujo custo de oportunidade em termos sociais é alto, senão que, além disso, visando a tranquilizar as consciências, a mídia se foca em outro lado, buscando compensar as notícias sobre o conflito social e as penúrias dos cidadãos.

Analisemos as evidências do suposto derrame. Com os dados da Penn World Table de cada país no qual a Copa foi realizada desde 1950, calculamos o padrão de vida como o PIB real per capita dividido pelo dos Estados Unidos como nível de referência.

Para cada país, consideramos os três anos anteriores e os três posteriores ao ano em que a Copa do Mundo foi realizada. Se a teoria do transbordamento fosse certa, observaríamos que os países que sediaram a Copa mostrariam uma taxa de variação positiva em seu padrão de vida, tanto prévio ao acontecimento, pelas expectativas, como uma vez finalizado. O quadro a seguir fala por si só:



Não há uma clara evidência de que o derrame aconteça de forma sistemática e, portanto, em absoluto podemos albergar a esperança de que a Copa do Mundo 2014 ofereça o lucro anunciado para paliar a difícil situação econômica e social que o Brasil atravessa.

Uma vez finalizada a Copa no Brasil, seria preciso levar a cabo um melhor e mais profundo estudo sobre a rentabilidade dos investimentos realizados, tanto em termos privados quanto em termos sociais, mas pelo menos a partir de uma primeira aproximação, a evidência histórica não pode nos garantir que esta suposta e automática rentabilidade vá acontecer.

É inválido o argumento do derrame como base para defender que um país como o Brasil, com um alto grau de pobreza, desigualdade e conflito social, invista 16,5 milhões de dólares. O que resta? Pouca coisa. Na realidade, a imagem do conto que dava início à primeira parte do presente artigo. A de uma organização como a FIFA, com grandes homens de negócios cujo olhar se centra estritamente no lucro e para quem – dá a impressão – o esporte é simplesmente uma oportunidade para o desenvolvimento dos seus interesses.

É que existem duas maneiras de se fazer uma visita.

A primeira é a desses homens de negócios, na qual o anfitrião é um personagem secundário e o hóspede e seus assuntos atraem toda a atenção, relegando o anfitrião a simples meio para os próprios fins.

Esta forma de visita se centra no egoísmo e se desculpa partindo do suposto derrame que a mão invisível do mercado acabará retribuindo ao anfitrião. O foco estará persistentemente no interior dos estádios de futebol e nunca, por mais que haja protestos, se dirigirá ao exterior, onde as pessoas expressam sua dor.

A segunda forma de visita é a entrega. É a preocupação do hóspede pelas circunstâncias do anfitrião. É acolher a pobreza do anfitrião, olhar para ela em sua profundidade e transformá-la. É essa visita de Jesus a Zaqueu, quando lhe comunicou: “Hoje me hospedarei em sua casa” (Lc 19, 5). Zaqueu transformou sua vida a partir dessa visita.

Que grande diferença existe entre a visita do Papa Francisco ao Brasil, há apenas um ano, e a visita da FIFA! O Papa Francisco, sim, olhava nos olhos dos anfitriões. O foco não foi o interior dos estádios para ignorar e camuflar a dura realidade brasileira, muito pelo contrário.

Dois milhões de pessoas estiveram no encontro com o Papa na praia de Copacabana.

Claro, pouco podemos esperar que a FIFA aprenda do Santo Padre, afinal, a Federação já dispõe de um estilo de ideal egoísta.


O Papa Francisco já denunciava na parte final do número 54 da exortação apostólica Evangelii Gaudium: “Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma”.

Enquanto isso, presenciaremos mais uma vez como a FIFA impõe seus interesses camuflados de interesse global, e as notícias continuarão desviando a atenção para que o clamor dos excluídos não nos incomode, já que estamos bem instalados em nosso sofá, gritando “Gol!”.

Recomendo esta excelente exposição de um humorista americano.

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