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A Jornada Mundial da Juventude também valeu apenas vinte centavos?

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E. Chitolina - publicado em 01/08/14

Um ano se passou. E daí?

Há um ditado popular, dizem que chinês, segundo o qual “quem quer arrumar o mundo, que comece arrumando as suas próprias gavetas”.

Pouco mais de um ano atrás, uma euforia cívica generalizada tomava conta das ruas do Brasil. Milhares de jovens participavam da sua primeira manifestação política e se diluíam na multidão que gritava contra tudo e contra nada ao mesmo tempo, sem saber ao certo o que estavam fazendo ali. Outros tantos ocupavam as avenidas com a consciência mais clara, com propostas mais específicas, sabendo com mais objetividade o que queriam rejeitar e o que queriam conquistar.

No mês seguinte, durante a Jornada Mundial da Juventude, aconteceu basicamente a mesma coisa, trocando-se a euforia cívica pela religiosa e os anseios sociais pelos de tipo espiritual. No mais, a proporção de jovens levados pelo entusiasmo fugaz e a de jovens realmente conscientes do porquê de estarem ali talvez fosse bem parecida com a dos protestos do mês anterior.

Havia, porém, um denominador comum entre todos aqueles jovens, tanto em junho quanto em julho: o desejo essencialmente humano de “mudar o mundo”.

Quantos deles será que estavam dispostos a começar pelas suas gavetas? Quantos será que estavam dispostos a mudar primeiramente a si próprios para melhor, antes de querer que “os outros” mudassem?

O esquecimento ou desconhecimento daquele ditado tão simplório e tão prático é a principal explicação para o resultado minguado de todo aquele barulho. Simplesmente não podemos mudar os outros se não começamos com a mudança de nós mesmos.

E o fato é que, pouquíssimo tempo depois dos protestos de junho, o furor popular murchou, a seleção de futebol venceu a Copa das Confederações, os políticos se esqueceram subitamente das promessas que tinham feito para o Gigante voltar ao berço esplêndido e, de líquido e certo, a maior conquista das manifestações parece que foram mesmo vinte centavos.

O próprio papa Francisco foi apresentado aos nossos vinte centavos logo após desembarcar no Rio de Janeiro e ver o seu carro literalmente perdido em meio à multidão, fora do percurso previsto, com um polêmico orçamento de milhões de reais para a segurança transformados em sete ou oito homens de terno, a pé, que tentavam, aos empurrões, conter os fiéis emocionados com um papa que passava de Fiat com a janela aberta. Era como se a cena dissesse: “Esta é, papa Francisco, a segurança pública brasileira. Ela custa milhões, mas vale vinte centavos. Esta é, papa Francisco, a capacidade de planejamento das nossas autoridades. Ela custa bilhões, mas vale vinte centavos”.

No mesmo dia, ao receber o papa, a presidente Dilma Rousseff discursou durante o dobro do tempo programado e aproveitou para fazer propaganda partidária. “Esta é, papa Francisco, a política brasileira. Entra partido, sai partido, ela abusa da liturgia da palavra e faz o eterno milagre de transformar trilhões em vinte centavos”.

Logo depois de encerrada a recepção em palácio, as ruas dos arredores se transformaram em campo de batalha, com coquetéis molotov contra bombas de efeito moral, em meio a recíprocas acusações de truculência entre as partes envolvidas. “Este é, papa Francisco, o nosso diálogo democrático. Ele tem valido vinte centavos”.

No dia seguinte, enquanto os jornais do planeta apresentavam ao mundo os vários vinte centavos com que o papa tinha sido recebido no país do futuro, centenas de peregrinos no Rio de Janeiro não puderam ir à missa de abertura da JMJ porque o sistema carioca de metrô tinha simplesmente parado. “Este é, papa Francisco, o transporte público brasileiro: ele não vale vinte centavos, mas custa vinte centavos a menos desde junho, porque esta foi a única demanda popular em torno da qual o nosso país se uniu massivamente nos últimos vinte anos”.

Naquele contexto, e considerando-se que “os jovens de junho” tinham se rendido e voltado para o berço esplêndido a troco de vinte centavos, a Jornada Mundial da Juventude se apresentava como uma espécie de segunda chance para que os jovens católicos mostrassem ao país uma proposta de sociedade baseada em valores mais elevados que vinte centavos.

O jovial papa Francisco deu várias sugestões (e começou ele mesmo a colocá-las em prática no Vaticano): bom senso no uso dos bens materiais, prestação de contas e transparência na gestão, comprometimento concreto em favor das “periferias da existência”, punição aos criminosos (de batina ou sem batina), consideração da diversidade de opiniões, interesse pelo bem-estar dos idosos, dos pobres, dos migrantes; denúncia da cultura do descarte, simplicidade cotidiana num mundo que nunca ardeu tanto em futilidades…

Passou-se um ano.

Dos jovens que foram às ruas para protestar há sinais insuficientes de que se possa esperar a mudança que eles exigiam dos outros. É muito mais fácil, afinal, “mudar o mundo” nas intenções do que arrumar de fato as próprias gavetas.

E dos jovens da JMJ? Podemos esperar um mundo melhor com base nas melhoras que, supõe-se, eles implantaram na própria vida ao longo dos últimos doze meses? Ou as gavetas deles também estão à espera de algum outro que as arrume?

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