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É verdade que quem morre nos olha lá do Céu?

Meteor Shower Erupts in the Heavens – pt

© Dennis van de Water/SHUTTERSTOCK

Toscana Oggi - publicado em 02/09/14

Eles também participam, de alguma maneira, das dores e alegrias das pessoas?

Questão

Quando alguém morre, geralmente ouvimos dizer: “agora nos olhará lá do Céu”. Gostaria de saber o que diz a Igreja sobre isso. É verdade que os defuntos podem acompanhar lá do Céu os acontecimentos humanos e participar, de alguma maneira, das dores e alegrias das pessoas?

Resposta do Padre Valerio Mauro, professor de Teologia Sacramental

O desejo da possibilidade de manter qualquer relação com os defuntos, que eram queridos ao nosso coração, torna-se tão forte quanto a ligação que nos unia. Esta não é uma questão trivial, mas tentarei responder, seja simplesmente simplificando uma questão muito complexa, da forma correta e atento à delicadeza do tema. Sobre a realidade dos defuntos, a cristã aprofunda as raízes na experiência religiosa do povo de Israel. 

A atenção se volta para a vida terrena do homem, a única da qual se tenha experiência; além da morte, tudo é obscuro (Cf Gb 14,10-28; Qo 12,1-8). Além disso, o uso das práticas de adivinhação na pretensão de entrar em contato com os mortos é vista com suspeita: é o caso da necromante de Endor, a quem o rei Saul pede para consultar o falecido profeta Samuel (1Sm 28). A ideia de uma sobrevivência, ou para ser preciso, de uma vida renovada além da morte, fascina parcialmente a fé de Israel aos limiares da era cristã. Algumas escolas de pensamento, como a dos fariseus, inclinam-se para uma “ressurreição dos mortos”, como testemunham as passagens de Mt 22,23-33 e At 23,1-10. Para a fé cristã é decisiva a experiência dos discípulos de Jesus, que viram e encontraram vivo aquele Jesus que tinham reconhecido como mestre e viram morrer numa cruz. O Ressuscitado aparece para eles, comunica-se numa experiência humana única, da qual se sentem chamados a serem testemunhas para o mundo inteiro. E, todavia, esta experiência não é definitiva e nem contínua: o Jesus que aparece, fazendo-se reconhecer, desaparece, deixando neles a tarefa de proferir a memória. Límpido é o testemunho dos discípulos de Emaús, (sobretudo Lc 24,31). Presença e ausência do Ressuscitado são unidas de maneira paradoxal. Mas exatamente este paradoxo é o índice da provisoriedade da nossa existência, no caminho em direção àquela definitiva que recebe o nome de “vida eterna”, dom absoluto de Deus. O ponto capital é que esta vida é marcada de maneira única e definitiva pelo Senhor Jesus, aquele que é o caminho, a verdade e a vida. 

Como fez o leitor em sua pergunta, a palavra usada na linguagem comum é “Céu” (Paraíso), que tem um valor evangélico porque a encontramos na promessa feita por Jesus ao, assim chamado, bom ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (lc 23,43). Mas o valor da promessa não está em um lugar onde viver, assim como na relação assegurada: Jesus assegura ao ladrão que estará com Ele, em comunhão com a sua própria vida. Esta promessa é para cada um de nós, se nos deixarmos envolver pelo Evangelho de Jesus: a comunhão de vida definitiva e fundamental está com Ele, o Ressuscitado dos mortos. Nesta direção não podemos não acenar ao valor cristológico da ressurreição dos mortos. A pessoa humana é um corpo, segundo a linguagem paulina, e nesta dimensão corporal consiste a sua capacidade relacional. Por isso o apóstolo fala de ressuscitar em um “corpo espiritual”, entendendo um corpo impregnado e animado pelo Espírito de Deus (1Cor 15,35-50), em comunhão com o corpo glorioso do Senhor ressuscitado.

A comunhão perfeita com os nossos queridos defuntos é em Cristo e se realizará na completude do Reino, quando Deus será tudo em todos (1Cor 15,22-28). Na espera desta comunhão, “santa esperança”, a Igreja crê em uma comunhão comum também com aqueles que já morreram em Cristo e “continuam a cumprir com alegria a vontade de Deus em relação aos homens e a inteira criação” (CIC, 1029). A constituição dogmática do Vaticano II sobre a Igreja afirma que o vínculo de união entre nós e os nossos mortos é o amor de Deus: “Todos, porém [quem é peregrino sobre a Terra, quem a deixou e cumpre a própria purificação, quem enfim goza da glória do céu], comungamos, embora em modo e grau diversos, no mesmo amor de Deus e do próximo, e todos entoamos ao nosso Deus o mesmo hino de louvor” (Lumen Gentium, 49). E ressalta que o sinal autêntico desta comunhão no amor, que continua a nos unir, é a oração mútua (Lumen Gentium, 59). Esta é a nossa , além da qual não podemos dizer mais, se não usando uma linguagem metafórica e alusiva. Certamente podemos dizer que os nossos caros defuntos nos “olham e protegem” do paraíso. Temos necessidade de palavras que sejam expressão da nossa experiência. Ao mesmo tempo, precisamos reconhecer como além da morte se abre uma realidade misteriosa que é objeto de fé e esperança, expremível somente de um modo parcial e, como disse, metafórico e alusivo. O verdadeiro paraíso está na comunhão com Cristo: o seu olhar para cada um de nós cheio de amor misericordioso. A comunhão com Ele é o verdadeiro paraíso no qual encontraremos todos os nossos entes queridos naquela vida abundante e definitiva, onde cada lágrima será enxugada e reencontraremos, purificados de cada mancha, cada bem vivido na Terra (cf Gaudium et spes, 39). 

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