Aleteia logoAleteia logoAleteia
Sexta-feira 29 Março |
Aleteia logo
Atualidade
separateurCreated with Sketch.

Resenha do filme “Boyhood – Da Infância à Juventude”

WEB-Boyhood-Movie-Lumiere-001 – pt

IFC Productions

David Ives - publicado em 21/09/14

O elogiado novo filme de Richard Linklater relata o “tempo comum” da vida de um jovem entre os 5 e os 18 anos de idade

O mais recente filme de Richard Linklater, "Boyhood – Da Infância à Juventude" (ou “Boyhood – Momentos de uma Vida”, em Portugal), é uma das produções mais aclamadas pela crítica neste ano e um provável forte candidato às premiações da temporada.

Você pode se perguntar por quê. Afinal de contas, o filme simplesmente acompanha a vida de um menino comum, chamado Mason (Ellar Coltrane), que, de criança introvertida de cinco anos de idade, vai crescendo até virar um jovem bastante confiante de 18, em vias de começar a faculdade.

Mas há elementos em "Boyhood" que o tornam um filme diferente.

Para começar, Linklater e seus atores filmaram a história por partes ao longo de um período de 12 anos. Isto significa que não vamos ver apenas a mudança de idade dos personagens, mas dos atores reais também. É verdade que todos já vimos algo parecido ao longo da saga Harry Potter, mas, naquele caso, tratava-se de uma série de filmes gravados durante um espaço de tempo de 10 anos.
Em "Boyhood", as mudanças físicas acontecem num único filme. Quando as gravações começaram, Coltrane era um menininho gorducho de olhos arregalados. No dia em que terminaram, ele já era um esbelto jovem de barba. Embora a história em si seja ficcional, a opção por filmá-la desta maneira dá a "Boyhood" um notável caráter de realidade.

Outra coisa que separa "Boyhood" dos demais filmes baseados em passagens de tempo são os eventos da vida de Mason que o filme opta por retratar. Ou melhor: os eventos que o filme opta por não retratar.

Não vemos na trama aqueles momentos que seriam de se esperar numa história desse tipo. Não há grandes acontecimentos que marcam a passagem do tempo. Com a possível exceção da cena em que a mãe de Mason, Olivia (Patricia Arquette), abandona o seu violento segundo marido, não há eventos traumáticos retratados na tela. Não vemos a formatura de Mason no ensino médio de Mason. Não o vemos perder a virgindade. Não vemos nenhuma das cenas típicas de Hollywood destinadas a demarcar os “ritos de passagem” de uma criança ou de um adolescente.

Em vez disso, passamos as três horas do filme acompanhando Mason enquanto ele joga Halo, vê Dragonball na televisão, curioseia catálogos de lingerie com seus amigos, discute com a irmã Samantha (Lorelei Linklater), ouve sermões dos seus vários padrastos, espera na fila para comprar um livro de Harry Potter, passa um fim de semana ocasional com o pai biológico (Ethan Hawke) e sai como os outros adolescentes mais ou menos sem rumo claro na vida.

Provavelmente, tudo isto soa muito chato e, verdade seja dita, se você não estiver no estado de espírito adequado para acompanhar a história, vai ser chato mesmo. E isto é proposital. Linklater quer chamar a atenção para um aspecto do processo do crescimento, e, como bom rapaz católico que eu sou, acho que sei que aspecto é esse.

"Boyhood" é sobre o tempo comum.

Sim, o tempo comum, aquela longa parte do calendário litúrgico que não inclui as festas de preceito, os batizados, as confirmações etc. Realmente, não há grandes eventos sobre os quais falar. No entanto, é no tempo comum que passamos a maior parte dos nossos dias, vivendo, aprendendo e crescendo como pessoas.

Em certo sentido, isso faz com que os dias ordinários do tempo comum sejam tão importantes quanto os grandes eventos, se não mais importantes ainda. Podemos comprar roupas novas para a primeira comunhão das crianças, convidar os parentes para comemorar e tirar muitas fotos. Mas é nos dias e anos que se seguem a esse ritual de passagem que as crianças aprendem de fato (espera-se) o significado mais profundo da comunhão na sua vida.

É isso, no fundo, o que Linklater aborda no filme, embora sem o aspecto religioso. Aliás, a única vez em que a religião aparece no filme é quando Mason se aventura para fora do regaço liberal da cidade de Austin e vai visitar os avós: para seu desgosto, refletido no olhar, ele ganha de presente uma bíblia e é levado ao culto. A reação condescendente de Mason é, provavelmente, o honesto retrato de um garoto que nunca tinha posto os pés numa igreja na vida, mas, ainda assim, é um pouco decepcionante.

Na verdade, os personagens são uma das maiores falhas do filme. Eu sei, eu sei, estou me arriscando a ser condenado ao ostracismo pela comunidade dos críticos de cinema ao sugerir que há algo de errado com "Boyhood", mas o fato é que os personagens em si não são mesmo muito interessantes. Olivia é uma figura sem esperança, que, a cada poucos anos, se junta a um novo marido pior que o anterior. O pai de Mason é um homem-criança egocêntrico, acometido de uma síndrome de perturbação crônica. Quanto a Samantha e Mason, eles são personagens um tanto quanto rasos.

Outro problema do filme é que uma parte do texto e das atuações, especialmente no começo, é simplesmente ruim. Pronto: agora posso esperar mensagens dos meus colegas críticos me mandando ficar em casa e nunca mais escrever sobre nenhum outro filme na vida toda. Mas o que eu falei é verdade.

E, ainda assim, nada disso faz com que "Boyhood" deixe de ser um grande filme. Só que você precisa “se conectar” com ele. Mesmo com seus personagens inexpressivos, "Boyhood" ainda tem o potencial de tocar nas experiências de vida do espectador. Não que você vá se reconhecer em Mason (e é melhor para você se não se reconhecer nele), mas, conforme o filme vai avançando, você pode notar como a sua autopercepção foi se desenvolvendo ao longo do “tempo comum” da sua adolescência. Você pode se lembrar de como você chegou a ser você.

Confie em mim: eu sei que isto soa superficial, mas é assim que este filme funciona. "Boyhood" é um filme que você só precisa “sentir”. Se conseguir essa “conexão emocional” com a história, você poderá sair do cinema bem satisfeito. Mas, se isto não funcionar, o mais provável é que você saia do cinema achando que assistiu ao filme mais superestimado do ano.

Tags:
CinemaEntretenimento
Top 10
Ver mais
Boletim
Receba Aleteia todo dia