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Por que as mulheres são menos felizes hoje do que na década de 1970?

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Catherine Ruth Pakaluk - publicado em 12/10/14

Surpreendentemente, algumas respostas podem ser encontradas em revistas de beleza

Eu não sei bem o que aconteceu, mas, de alguma forma, comecei a receber a revista "Allure" por e-mail. Não sei se cliquei por acaso em algum link ou se é um presente anônimo. De qualquer modo, acho importante comentar que estão em cima da minha mesa de cabeceira as seguintes opções de leitura: “Primeiros dominicanos: escritos selecionados”, de Simon Tugwell, O.P.; “Serva do Senhor”, de Adrienne Von Speyr; “Frankenstein”, de Mary Shelley; uma edição recente da revista “The Economist” e o livro "Pensando rápido e devagar", de Daniel Kahneman. Eu poderia continuar (a pilha de livros é relativamente alta), mas confesso que só queria deixar claro que as minhas preferências de leitura não incluem as chamadas “revistas de beleza”…

O caso é que essa edição da “Allure” de outubro de 2014 traz a aparentemente muito aguardada lista de vencedores do “Melhor da Beleza”, organizada em diversas categorias como “batom”, “cremes” e “escovas de cabelo”. Essa foi uma leitura, digamos, bastante emocionante (e, a bem da verdade, até que aprendi várias coisas), mas fiquei muito mais impressionada com a manchete de capa sobre a supermodelo Cara Delevingne.

A manchete diz o seguinte: "A vida é uma grande festa e vocês estão todas convidadas".

“É mesmo?”, me perguntei. O que será que eles querem dizer com isso? Folhei rapidamente a revista para chegar ao tal artigo e descobrir a resposta. E a resposta incluía esta afirmação: "Cara Delevingne não se importa com a aparência, não dá bola para o Instagram e, com certeza, não joga conforme as regras".

Nem sequer os editores da “Allure” devem acreditar que os seus leitores tenham que adotar uma atitude dessas como estilo de vida. A mera sugestão de uma vida imaginária, sem regras de bom senso, já causa lá o seu pequeno dano pelo próprio fato de propor um ideal mítico de boa vida que não poderia estar mais longe daquilo que verdadeiramente dá sentido e realização à vida humana.

Essa matéria é um exemplo particularmente lamentável das mentiras que as chamadas “elites culturais” contam sobre a realidade; mentiras que são profundamente prejudiciais para as mulheres comuns.
No ano de 2009, os economistas Betsey Stevenson e Justin Wolfers publicaram um texto intrigante chamado “The Paradox of Declining Female Happiness” [“O paradoxo do declínio da felicidade feminina”], em que documentam uma guinada negativa e de grandes proporções na avaliação que as mulheres fazem sobre a própria felicidade desde o início da década de 1970.

As mulheres se consideram, de forma categórica, menos felizes hoje do que no início dos anos 70. O mesmo fenômeno acontece na comparação entre a avaliação feminina e a avaliação masculina da própria felicidade pessoal: ou seja, há mais mulheres do que homens, hoje, dizendo-se menos felizes do que antes. No início dos anos 70, eram os homens, relativamente, que se consideravam mais infelizes.
Estas estatísticas se baseiam em grandes amostras aleatórias de pessoas. Além disso, os resultados parecem coerentes com outros dados disponíveis sobre a evolução, ao longo do tempo, dos relatos que as pessoas fazem sobre a própria percepção de realização pessoal. Isto significa que não são resultados acidentais: provavelmente, essas pesquisas estão mesmo representando um fenômeno real, o que quer dizer que as mulheres apresentam realmente, ou pelo menos sentem que apresentam, níveis piores de felicidade hoje do que no início da década de 1970.

Se estas pesquisas estiverem certas, a revista "Allure" e sua manchete "A vida é uma grande festa e vocês estão todas convidadas" parece muito insensível ou muito ignorante. Ou então, como eu suspeito, os editores da "Allure" não querem dizer a verdade sobre a realidade, porque a verdade sobre a realidade não vende revistas. É por isso que eles insistem doentiamente na loucura do Photoshop e em outras tantas coisas da terra da fantasia: nós somos pessoas obstinadamente apegadas às narrativas mitológicas, sejam elas do tipo “sagrado” ou “profano”. E revistas como a "Glamour" e a "Allure" promovem uma mitologia do tipo profano.

Trata-se de algo profundamente inútil e até prejudicial para as mulheres comuns por, pelo menos, duas razões.

Em primeiro lugar, porque as mitologias profanas (como essa de fazer você virar uma Cara Delevingne, por exemplo) fazem pouco mais do que destacar e reforçar a nossa natureza humana caída: orgulho, vaidade, narcisismo, inveja, sensualidade; enfim, uma busca de suposta perfeição na esfera material. Isso leva ao desespero, porque, na vida real, não conseguimos atingir nada disso. E à medida que folheamos aquelas páginas de pura mitologia, corremos o risco de ficar mais tristes do que antes de as abrirmos. Esperávamos encontrar ali alguma esperança ou inspiração, mas descobrimos, em vez disso, que nos tornamos parte de uma preocupante estatística: a das pessoas cada vez menos propensas a se dizer felizes.

E esta é a segunda razão pela qual as mitologias profanas são tão inúteis: porque elas tiram espaço das histórias “sagradas” que poderiam de fato nos trazer esperança e inspiração. Essas histórias sagradas podem ser, por exemplo, os relatos da vida de santos e santas (que, embora não sejam mera mitologia, são vistas – e desprezadas – por muita gente como se fossem).

As histórias de vida dos santos e das santas destacam e reforçam as alturas a que a natureza humana pode aspirar com a ajuda da graça de Deus. A vida dos santos oferece uma explicação viva do sentido da nossa existência e do caminho para a realização humana. O papa Bento XVI declarou, certa vez: "Para mim, a arte e os santos são os melhores elementos apologéticos da nossa fé. É claro que os argumentos apresentados pela razão são importantes e indispensáveis, mas sempre existe algum tipo de discordância a seu respeito. Já quando olhamos para os santos, para esses grandes rastros luminosos da passagem de Deus pela história, vemos que existe realmente uma força do bem que resiste aos milênios; que existe realmente a luz da luz" (Encontro com o clero em Bressanone, 2008).

Eu não sei se a cultura das mitologias profanas é mesmo uma das grandes fontes do declínio da felicidade feminina. Mas é razoável observar que, no mínimo, ela não está ajudando em nada. Se o declínio da felicidade feminina está ligado de fato a mudanças maiores em nossa maneira de viver, em nossos atuais modelos de casamento, de formação da família, de prática religiosa, de educação e de trabalho, então é necessário ficarmos conscientes, pelo menos, de que nem todo mundo vive ou viveu deste jeito que nós vivemos hoje.

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