Surpreendentemente, algumas respostas podem ser encontradas em revistas de beleza
Eu não sei bem o que aconteceu, mas, de alguma forma, comecei a receber a revista "Allure" por e-mail. Não sei se cliquei por acaso em algum link ou se é um presente anônimo. De qualquer modo, acho importante comentar que estão em cima da minha mesa de cabeceira as seguintes opções de leitura: “Primeiros dominicanos: escritos selecionados”, de Simon Tugwell, O.P.; “Serva do Senhor”, de Adrienne Von Speyr; “Frankenstein”, de Mary Shelley; uma edição recente da revista “The Economist” e o livro "Pensando rápido e devagar", de Daniel Kahneman. Eu poderia continuar (a pilha de livros é relativamente alta), mas confesso que só queria deixar claro que as minhas preferências de leitura não incluem as chamadas “revistas de beleza”…
O caso é que essa edição da “Allure” de outubro de 2014 traz a aparentemente muito aguardada lista de vencedores do “Melhor da Beleza”, organizada em diversas categorias como “batom”, “cremes” e “escovas de cabelo”. Essa foi uma leitura, digamos, bastante emocionante (e, a bem da verdade, até que aprendi várias coisas), mas fiquei muito mais impressionada com a manchete de capa sobre a supermodelo Cara Delevingne.
A manchete diz o seguinte: "A vida é uma grande festa e vocês estão todas convidadas".
“É mesmo?”, me perguntei. O que será que eles querem dizer com isso? Folhei rapidamente a revista para chegar ao tal artigo e descobrir a resposta. E a resposta incluía esta afirmação: "Cara Delevingne não se importa com a aparência, não dá bola para o Instagram e, com certeza, não joga conforme as regras".
Nem sequer os editores da “Allure” devem acreditar que os seus leitores tenham que adotar uma atitude dessas como estilo de vida. A mera sugestão de uma vida imaginária, sem regras de bom senso, já causa lá o seu pequeno dano pelo próprio fato de propor um ideal mítico de boa vida que não poderia estar mais longe daquilo que verdadeiramente dá sentido e realização à vida humana.
Essa matéria é um exemplo particularmente lamentável das mentiras que as chamadas “elites culturais” contam sobre a realidade; mentiras que são profundamente prejudiciais para as mulheres comuns.
No ano de 2009, os economistas Betsey Stevenson e Justin Wolfers publicaram um texto intrigante chamado “The Paradox of Declining Female Happiness” [“O paradoxo do declínio da felicidade feminina”], em que documentam uma guinada negativa e de grandes proporções na avaliação que as mulheres fazem sobre a própria felicidade desde o início da década de 1970.
As mulheres se consideram, de forma categórica, menos felizes hoje do que no início dos anos 70. O mesmo fenômeno acontece na comparação entre a avaliação feminina e a avaliação masculina da própria felicidade pessoal: ou seja, há mais mulheres do que homens, hoje, dizendo-se menos felizes do que antes. No início dos anos 70, eram os homens, relativamente, que se consideravam mais infelizes.
Estas estatísticas se baseiam em grandes amostras aleatórias de pessoas. Além disso, os resultados parecem coerentes com outros dados disponíveis sobre a evolução, ao longo do tempo, dos relatos que as pessoas fazem sobre a própria percepção de realização pessoal. Isto significa que não são resultados acidentais: provavelmente, essas pesquisas estão mesmo representando um fenômeno real, o que quer dizer que as mulheres apresentam realmente, ou pelo menos sentem que apresentam, níveis piores de felicidade hoje do que no início da década de 1970.
Se estas pesquisas estiverem certas, a revista "Allure" e sua manchete "A vida é uma grande festa e vocês estão todas convidadas" parece muito insensível ou muito ignorante. Ou então, como eu suspeito, os editores da "Allure" não querem dizer a verdade sobre a realidade, porque a verdade sobre a realidade não vende revistas. É por isso que eles insistem doentiamente na loucura do Photoshop e em outras tantas coisas da terra da fantasia: nós somos pessoas obstinadamente apegadas às narrativas mitológicas, sejam elas do tipo “sagrado” ou “profano”. E revistas como a "Glamour" e a "Allure" promovem uma mitologia do tipo profano.